Redescobrindo o padre Antonio Vieira, um gênio no ostracismo
Renata Hirota.
Lisboa, 7 dez (EFE).- Portugal recupera uma das figuras mais importantes da literatura em português, o padre jesuíta Antonio Vieira, com o lançamento de sua obra completa, formada por 30 volumes e mais de 20 mil páginas.
Considerado uma referência literária da história luso-brasileira, no nível de Shakespeare e Miguel de Cervantes, Vieira, que nasceu em Portugal e morreu no Brasil, viveu à sombra de Luiz Vaz de Camões, Fernando Pessoa e José Saramago, os mais famosos representantes da literatura portuguesa.
Admirado especialmente por Pessoa, que chegou a defini-lo como “o imperador da língua portuguesa”, o padre Antonio Vieira teve uma vida longa e prolífica – viveu 89 anos, entre 1608 e 1697- que o levou a praticar, à parte da literatura, a oratória e a filosofia.
O legado desta polifacética figura, uma das mais influentes no século XVII, chega aos leitores em língua portuguesa em 30 volumes, oficialmente lançado em Lisboa pela editoria Círculo de Letras.
“Mais que um indivíduo, é uma multiplicidade de heterônimos em carne e osso”, definiu José Viriato Soromenho-Marques, catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, instituição que liderou o projeto de pesquisa e publicação da obra de Vieira.
O religioso atuou como representante dos interesses de Portugal nas negociações com a França e os Países Baixos em conflito pelos territórios brasileiros, pregou no Brasil e na corte real portuguesa, e escreveu mais de 20 mil páginas, reunidas nestes 30 volumes da coleção.
O projeto, um esforço conjunto de 52 pesquisadores portugueses e brasileiros, é, segundo a editora, um dos mais ambiciosos da história literária portuguesa.
“Ninguém antes dele e nem depois dele fez tanto com as palavras e pelas palavras. Sem Vieira, não teríamos a língua que temos”, escreveu em comemoração ao lançamento Antonio Sampaio da Novoa, ex-diretor da Universidade de Lisboa.
Vieira nasceu em Lisboa em 6 de fevereiro de 1608 e viveu como missionário, diplomata e orador, entre Portugal e Brasil, onde foi educado e iniciou sua vida como religioso, ingressando na Companhia de Jesus, a grande responsável por levar o cristianismo às colônias ultramarinhas portuguesas.
O jesuíta foi um transgressor em sua época, defendeu os direitos e condenou a escravidão dos indígenas, com quem conviveu e aprendeu o tupi.
O padre também apoiou os judeus, ao advogar pela abolição da distinção entre cristãos velhos e cristãos novos, estes últimos judeus rendidos ao cristianismo perseguidos pela Inquisição.
No Brasil, onde Vieira é conhecido também como “Paiaçu” (pai grande, em tupi), teve uma influência significativa no Barroco brasileiro e foi um dos mais importantes críticos do colonialismo.
“Vieira teve um papel fundamental na criação do conceito de condição humana, com sua visão universalista do homem”, explicou Viriato.
O jesuíta foi acusado de heresia pela Inquisição por estas ideias vanguardistas.
Vieira também foi censurado por ser ferrenho defensor da profecia do sebastianismo, segundo a qual o rei Sebastião I de Portugal, morto aos 24 anos na Batalha de Alcácer-Quibir em 1578, voltaria para restabelecer o império português, na época sob o domínio da Espanha.
Seu livro “História do Futuro”, considerado um dos mais importantes relacionados ao sebastianismo, reaviva o mito do Quinto Império, utopia na qual Portugal lideraria o domínio mundial do cristianismo, sucedendo os quatro impérios anteriores da Antiguidade: assírio, persa, grego e romano.
Filósofo, missionário, diplomata, réu da Inquisição e aventureiro, Vieira morreu em Salvador, na Bahia, em julho de 1697.
Apesar de não ter concretizado o sonho de ver Portugal no centro do mundo, Vieira tornou realidade suas próprias palavras no Sermão de Santo Antonio.
“Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso Deus nos deu tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”. EFE
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