Sebastião Salgado: “Saí em busca do planeta e encontrei a mim mesmo”
Concha Carrón.
Madri, 19 jan (EFE).- As belas e impactantes imagens de Sebastião Salgado transportam o espectador para muito longe, até os enormes icebergs da Antártica ou as comunidades selvagens de Sumatra, mas o melhor para o fotógrafo foi que saiu com sua câmera “a buscar o planeta” e encontrou a si mesmo.
Sebastião Salgado (Aimorés, MG, 1944), em visita na Espanha para apresentar “Genesis”, exposição que fica em cartaz na CaixaForum Madri até maio, diz, em uma entrevista à Agência Efe, que elegeu a natureza ao se cansar da fotografia de cunho social, depois de experiências “complicadas” com os seres humanos “e da violência” com a qual podem agir.
Salgado deixou algumas das grandes agências de fotografias, como Gama e Magnum, para criar em 1994 sua própria agência, Amazonas Images, e seguir uma profissão que, assegura, lhe deu “tudo” o que é hoje.
De seu trabalho em “Êxodos” (2000), um tributo à emigração em massa provocada pela crise de fome, pelos desastres naturais e pela degradação ambiental causada pelo homem, reconhece que saiu “sem grandes esperanças” sobre o futuro do planeta, uma situação que lhe levou a deixar de fotografar.
Ganhar de seus pais de um sítio em meados dos anos 90 foi “chave” para sua volta à fotografia, a aceitar “o desafio” de recuperar a frondosa vegetação que ele lembrava existia nesse lugar em sua infância e que, nesse momento, tinha desaparecido.
Após plantar com sua esposa e companheira de vida, Lélia Wanick Salgado, mais de 2 milhões de árvores, comprovaram “assombrados” o retorno das águas à fazenda e também da abundante fauna que antes a povoava, em um vale “tão grande quanto Portugal”, que é hoje “a maior recuperação ambiental já feita no Brasil”.
Trabalhando nesse projeto, Salgado reconhece que sentiu “a chamada da natureza”, que atendeu com sua câmera Leica no ombro e após a qual saiu – diz – “a buscar o planeta” e encontrou a si mesmo.
“A viagem interior foi muito maior que a duríssima viagem exterior” que precisou fazer durante os oito longos anos nos quais durou seu projeto “Genesis”, segundo reconhece o premiado fotógrafo, que garante que, durante um percurso como o que ele realizou, em companhia de sua esposa e de um guia, “se descobre que somos natureza propriamente dita”.
Assim, Salgado assegura que ele é “tão natureza quanto uma árvore” ou uma iguana que fotografou em uma de suas viagens, conclusão à qual chegou após ver, através da lente de sua câmera: “Pensei que ela era minha prima, viemos da mesma célula, embora tenhamos evoluído de forma diferente”.
“Nos esquecemos de ser, porque todos estes anos nos contaram a grande mentira que o ser humano é o único racional”, critica o fotógrafo, que conta que nestes oito anos descobriu que todas os espécies são “profundamente racionais dentro de sua espécie”.
Diante das 245 fotografias de grande formato em branco e preto de “Genesis”, o espectador se sente muito pequeno em meio aos infinitos desertos saarianos, as imensos geleiras do Alasca ou os abundantes rios amazônicos, cantos totalmente virgens do planeta.
Também perde sentido a aparente opulência do mundo desenvolvido diante da visão de formas de vida indígenas ainda inalteradas, como as da etnia “korowai” da Papua Ocidental ou as comunidades selvagens dos “mentawai” nas ilhas de Sumatra.
“Espero que quem as vir pense que há coisas muito mais importantes do que pensar só em nós, em nossa sobrevivência ou em nossa conta corrente do banco”, afirma Salgado.
Dos 32 territórios visitados durante oito anos, o mineiro lembra que uma das experiências que mais o impactou foi sua estadia, durante dois meses, com um grupo de nômades “nenets” e suas manadas de renas na Sibéria, e na despedida quis recompensá-los por sua gentileza com um presente e eles não aceitaram.
“Eles transportam todos os seus pertences em seus carros guiados por renas e não querem nada além das coisas essenciais para viver”, explica Salgado, analisando que as pessoas que encontrou no caminho “vivem muito mais felizes sem nada material que nós, porque vivem por e para a natureza, em comunhão com ela, com seus filhos e com os animais que lhes cercam”.
Da Espanha, o fotógrafo lembra que na Idade Média era um país frondoso, coberto de flores, “e hoje é um grande deserto, com problemas de água e poluição”, o que o leva a pensar que no mundo todo o ser humano tem “a obrigação” de olhar para trás e construir “tudo que destruiu”, se quiser continuar conservando esse “maravilhoso planeta que está aí fora”.
Sebastião Salgado reconhece que algumas vezes teve a tentação de ficar em algum desses lugares, aos quais chegou a pé, em pequenos aviões, de barco, em canoa ou inclusive em balão, mas ele tem – diz – sua própria “tribo”, sua esposa e seus filhos, à qual precisa voltar, e com a qual tenta viver em comunhão com uma natureza que nos últimos anos aprendeu a amar e respeitar.
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