Divulgação de “Nada a Perder” utilizou simulador de humanos em rede social

  • Por Estadão Conteúdo
  • 17/05/2018 08h59 - Atualizado em 17/05/2018 08h59
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Divulgação Nada a Perder O monitoramento feito pela UFMG apontou a presença de bots na divulgação do filme que conta a história de Edir Macedo

Um monitoramento do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC-UFMG) sobre os assuntos mais comentados do Twitter aponta para a presença de bots – programas desenvolvidos para simular humanos – na divulgação de Nada a Perder, cinebiografia do bispo fundador da Igreja Universal, Edir Macedo. O filme, lançado no dia 29 de março, tornou-se a maior bilheteria da retomada do cinema brasileiro no dia 7 de maio, ao atingir a marca de 11,383 milhões de ingressos vendidos.

Análise de publicações na rede social em nove datas diferentes, entre 16 e 28 de março, calcula que 29,5% dos 291 usuários que ajudaram a levar a hashtag #NadaaPerder aos trending topics apresentaram comportamento robótico, com postagens repetitivas e sucessivas sobre o filme. O DCC-UFMG também levou em conta publicações com a hashtag #NadaAPerder. Foram checadas 158 contas – 24% com suspeita de automatização. Ao todo, a pesquisa analisou 9.322 tweets com as duas tags.

O estudo verificou as postagens de amostras aleatórias de 1% dos usuários da plataforma, dados fornecidos pelo Twitter. A metodologia de detecção de possíveis robôs, chamada Botometer, foi desenvolvida pela Universidade de Indiana (EUA).

Cada conta do Twitter recebe uma nota de 0 a 1 baseada em seu padrão comportamental. Se os tweets forem publicados em uma frequência incomum, em horários predeterminados, e com textos impessoais, copiados ou pré-formatados, a pontuação aumenta. Um resultado acima de 0,5 indica suspeita de bot. Na amostra estatística, foram encontrados 124 usuários que atendem a esse perfil.

O professor da UFMG Fabrício Benevenuto, que coordena o monitoramento, explica que uma das pistas para desconfiar da presença de bots no impulsionamento de uma hashtag é o anonimato dos usuários. “Tipicamente, características de bots incluem: contas criadas recentemente, sem fotos ou descrição, nomes que seguem um padrão, como por exemplo um nome seguido de número e contas cujos amigos não possuem muitos amigos entre si.”

Algumas contas que caíram na malha fina do monitoramento correspondem a todos esses sinais: não têm foto, descrição ou dados pessoais em seus perfis. Além disso, esses usuários possuem poucos ou nenhum seguidor e só publicaram tweets em expectativa à estreia do filme.

Outro indício é a frequência de postagens – intervalos incomuns entre publicações podem sugerir um comportamento de bot. Um usuário apontado pelo monitoramento chegou a publicar 583 vezes em apenas cinco datas. Uma conta chegou a publicar 163 vezes a mesma mensagem: “A expectativa é grande #EstreiaNadaAPerder”, seguida de números de contagem e hashtags de localização.

Segundo Benevenuto, o alto número de tweets oposto ao pequeno número de usuários encontrado pelo levantamento é uma característica de automatização. “Uma pessoa comum não costuma fazer tantas postagens”, afirma.

Contas institucionais podem ser apontadas como bots por características como impessoalidade e frequência regular de postagens. Também é possível que a análise indique contas de pessoas reais que têm padrão de comportamento similar ao de bots – isso pode ocorrer quando uma rede de usuários posta de maneira repetitiva e coordenada com o objetivo de subir uma hashtag aos assuntos mais comentados da rede social.

Diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Fabro Steibel explica que essas contas são chamadas de ciborgues: meio humanas, meio robôs. “São contas de humanos que são utilizadas para dar repercussão de maneira automatizada. Se você compartilha sua senha ou se colabora espontaneamente com a rede de bots, dá voz a um comportamento automatizado.”

Segundo o especialista, tanto o uso de bots quanto o de ciborgues para inflar artificialmente um assunto é uma prática maliciosa. “Eles dão um sentimento de multidão quando a multidão é falsa. É a manipulação da visibilidade de um tema. Como os algoritmos das redes são sensíveis a esse tipo de comportamento, você afeta o que pessoas que não estão nessa rede de bots vão acabar vendo.”

Na estreia de Nada a Perder nos cinemas, salas de exibição visitadas pelo jornal O Estado de S. Paulo tinham vários lugares vazios, apesar do anúncio de 4 milhões de ingressos vendidos antecipadamente para o filme. Reportagem do jornal Globo chamou atenção para o fato de o filme, mal recebido pela crítica especializada, ter nota alta em avaliações no site especializado Internet Movie Database (IMDb).

Equívoco

A Igreja Universal, da qual Edir Macedo é fundador e líder, afirmou que o levantamento da UFMG é “tão equivocado, tão absurdamente impreciso, que poderia se aproximar de modo perigoso da má-fé”. Em nota, a instituição disse à reportagem usa o estudo para acusar “a Universal de fraudar o sucesso do longa no Twitter”.

A Universal também apresentou uma lista de 20 usuários apontados pelo sistema da UFMG que têm contas em outras redes sociais. Além disso, aponta outras quatro contas institucionais que caíram na malha fina do levantamento.

“A acusação de que a Universal se utiliza de ‘robôs’ é o tipo de fake news que a imprensa vem tentando plantar teimosamente”, afirma a nota.

O Twitter comunicou, também por nota, que as regras de uso do site proíbem o uso de spam e automação mal-intencionada. “O Twitter não comenta sobre contas específicas, mas, se houver violação às regras, as contas envolvidas estão sujeitas às medidas previstas em nossa política, incluindo suspensão ou bloqueio”, informou a assessoria.

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