“Warcraft” usa realidade virtual para apontar futuro
O futuro já chegou, e veio a galope. Em 2000, o Festival de Cannes realizou um grande seminário para discutir as chamadas novas tecnologias. Basicamente, o debate centrava-se numa questão – se mudasse o suporte, continuaria sendo cinema? “Dançando no Escuro”, de Lars Von Trier, ganhou a Palma de Ouro e instalou uma nova era digital. Produção, distribuição, exibição – só os resistentes ainda filmam e projetam em película. Em Cannes, este ano, e não de maneira tão formal, houve outra ampla discussão que agitou o mercado. O futuro do cinema é… o videogame?
O tema já esteve em debate numa exposição de Harun Farocki no Paço das Artes. E é mais atual que nunca nesta quinta (2), quando estreia nos cinemas brasileiros “Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos”. VR – virtual reality. A realidade virtual. Em todo o mundo, são milhões os seguidores do game criado pelo estúdio Blizzard Entertainment. O epicentro do culto é o Japão. O primeiro “Warcraft”, em PC, “Orcs and Humans”, data de 1994, ainda na Idade da Pedra dessa modalidade de entretenimento. Em 1993, “Super Mario Bros” foi pioneiro, mas nenhum crítico dedicou mais que duas linhas para despachar a fantasia de Rocky Morton. Os críticos continuam reticentes – caíram matando em “Warcraft” nos EUA -, mas o quadro é outro. Os games movimentam bilhões de dólares. Há uma interação entre cineastas e videoartistas para criar as franquias que viram objetos de culto.
“Warcraft” – a paz reina em Azeroth. Mas isso é só aparência. O mundo dos orcs está morrendo e eles transpõem o portal para se apropriar das terras dos humanos. De volta aos anos 1970 – com o estouro de “Star Wars”, via George Lucas, Hollywood percebeu que os blockbusters poderiam ser a ponta de um verdadeiro iceberg, ganhando extensões lucrativas. Bonecos, adereços… e games. O que está ocorrendo agora é uma inversão. Os games estão chegando com força aos cinemas. Este ano está sendo decisivo. Desde os anos 1990, com maior ou menor sucesso, franquias como “Lara Croft”, “Resident Evil” e “O Príncipe da Pérsia” invadiram, com maior ou menor sucesso, a telona. Nesse ínterim, ocorreu a revolução dos efeitos digitais e Peter Jackson fez história criando o primeiro personagem inteiramente digitalizado do cinema – o “Gollum” de sua trilogia “O Senhor dos Anéis”, adaptada de J.R.R. Tolkien.
Graças a um nova técnica, a motion capture, atores deram expressão a seres bizarros que, nos tempos de animadores lendários como Ray Harryhausen, eram criados de forma primitiva. Como em “Avatar”, de James Cameron, os atores de “Warcraft” integram a realidade virtual – Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster. “Lara Croft” e “Resident Evil” deram certo por causa de suas heroínas, Angelina Jolie e Milla Jovovich. “O Príncipe da Pérsia” não funcionou como filme, mas não por culpa de Jake Gyllenhaal. O erro foi pegar um game avançado e, num movimento retrô, transformá-lo numa fantasia tradicional, tipo Hollywood anos 1950. “Warcraft” não cai nessa cilada. A ousadia do diretor Duncan Jones – filho de David Bowie -, está em assimilar a linguagem do game. Não só seus códigos, o visual também. Jones, um visionário com o pai?
“Warcraft” propõe-se como experiência radical. Você pode até detestar, mas penetra num universo hiper-realista e detalhado que tem servido como fonte de experimentação para artistas visuais de ponta. A trama é básica. Apropria-se de mitos arturianos e bíblicos – o desfecho, em aberto, remete a Moisés -, mas o que importa não é o que se conta, mas como. No game, o jogador tem o controle. “Warcraft”, o filme, cria diferentes pontos de vista – ampliados pelo 3D – para que o espectador, com o olhar, possa fazer seu jogo. Isso também ocorre num curta que já nasceu mítico – Allumette, de Eugene Chung, o autoproclamado primeiro “autor” da VR -, sobre uma garota que habita uma cidade nas nuvens. Sem palavras, Chung leva o público a vivenciar o céu, um conceito abstrato que a cultura tornou concreto no nosso imaginário. E isso é só o começo. Já tivemos “Angry Birds”, ruim de doer, mas bom de público. E teremos, no fim do ano, “Assassin’s Creed”, do trio de Macbeth, Justin Kurzel, Michael Fassbender e Marion Cotillard, adaptado do game e, como “Warcraft”, da série de livros. O futuro, a VR, queiramos ou não, é irreversível como o computador e o celular.
Assista ao trailer:
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