Aidar fala após renúncia e quer provas de que desviou dinheiro do São Paulo
Dez dias depois de renunciar à presidência do São Paulo, Carlos Miguel Aidar concedeu a sua primeira entrevista exclusiva. Durante 1 hora e 40 minutos, o dirigente falou à reportagem e, além de lamentar a queda, garantiu ter se arrependido de ter voltado ao clube. E exige dos que o acusam de desvio de dinheiro que apresentem as provas.
Agência Estado – Qual momento foi determinante para a sua renúncia?
Carlos Miguel Aidar – O estopim foi a existência de uma gravação que até agora eu não ouvi. E não lembro exatamente do que eu falei. Mas é muito frustrante ter um amigo (Ataíde Gil Guerreiro) que leva um gravador escondido. Acho isso bastante desagradável, mas, enfim, paciência.
AE – Mas o senhor acredita que o Ataíde gravou mesmo?
Carlos Miguel Aidar – Eu acredito porque se ele não mostrar (a gravação), vai ficar complicado. Acho que ele gravou. Eu não lembro exatamente as palavras, mas lembro algumas das coisas. Recompondo na memória, ficou nítido que as perguntas eram todas ensaiadas. Comecei a perceber que as perguntas eram específicas de pontos possivelmente polêmicos, meio que provocativos.
AE – Só estavam vocês dois?
Carlos Miguel Aidar – Só nós. Estava no Morumbi e o Ataíde insistiu para falar em particular. Fomos para a minha sala e eu me sentei ao lado dele. Começamos a falar de variedades e aí ele me fez uma pergunta sobre a história de um jogador. O importante é o seguinte: eu quis ajudar um amigo (Ataíde). Eu sabia, até porque ele não havia escondido, que não estava em uma situação confortável. Então eu quis ajudar um amigo, alguém em quem eu confiava 100% e que foi o meu vice de futebol por um ano e meio. Queria ajudar um amigo, que aos 70 e tantos anos está em uma situação desconfortável.
AE – O que o senhor disse?
Carlos Miguel Aidar – Eu ia ajudar do meu bolso. Mas arrumei uma história para não deixar o Ataíde constrangido, para não parecer que era doação. Inventei que vou arrumar alguém para comprar, receberia em forma de honorários. Falei para ele que: “Isso não precisaria ser meu escritório, mas tenho outra empresa, chamada Aidar Participações, que é minha e das minhas filhas”. Depois vim a saber que falei o nome de um jogador e ele nem estava mais na Portuguesa. No querer ajudar, acabei me entregando e me machucando.
AE – O que mais o Ataíde cobrou?
Carlos Miguel Aidar – Ele fez uma outra pergunta sobre uma sanduicheria e que o Douglas (Schwartzmann, vice-presidente de marketing) pediu comissão para isso. Eu disse: “Todo mundo fala que o Douglas pede comissão de todo mundo, é isso, aquilo, chefe da quadrilha, do bando, mas ninguém nunca provou nada nem existe nada contra ele”. E aí o Ataíde falou que tinha visto um contrato da Cinira (Maturana, namorada de Aidar) com a Far East (intermediária com a Under Armour) e afirmou que tinha uns pagamentos em um contrato que não havia sido assinado. Respondi que se não está assinado, não tem contrato. Falei que ele tinha de mostrar o contrato, já que tinha visto, que fizesse aparecer. Então, ficou naquela dele fazer perguntas acusatórias e eu negando. Foi essa a colocação que aconteceu nesse diálogo.
AE – Vocês brigaram? O senhor levou um soco?
Carlos Miguel Aidar – O fato da discussão se deu na segunda-feira seguinte. Sempre a diretoria se reunia. Íamos o Ataíde, eu, o Paulo Ricardo (CEO), o Douglas e o Julio Casares. Estávamos reunidos e começou uma discussão sobre o caso do Iago Maidana. Eu expliquei: “Tudo isso começou lá na base, não foi comigo, eu só fui na concretização para assinar. Não conheço essas pessoas, nunca vi falar dessa Itaquerão (empresa intermediária da negociação) nem sabia que o cara joga no Criciúma, só sabia que era da seleção”. Começamos a bater boca e houve uma tentativa de agressão. Não teve soco, faltou pouco. Se o pessoal não segura, talvez tivesse acontecido.
AE – O senhor se sente traído?
Carlos Miguel Aidar – Sem a menor dúvida. Eu me sinto traído, desgostoso, desapontado, triste.
AE – O senhor foi acusado por ele de desvio de dinheiro.
Carlos Miguel Aidar – Estou sendo acusado por uma… até não sei bem como usar isso. É o seguinte: quando cheguei à presidência do São Paulo, estava com a expectativa de compor uma diretoria que fosse absolutamente fiel a mim. Mas eu não tinha convivência dentro do clube como tinha no passado. Cheguei direto do Conselho à presidência e muitas das pessoas que eu trouxe para a diretoria eu mal conhecia. Elas estavam em torno do Juvenal (Juvêncio). Poucos deles foram fiéis à gestão e a minha pessoa. Não quero dizer que os outros tenham sido infieis, mas na verdade não estavam preocupados com o São Paulo como um todo, com a gestão, com o futuro do clube. Mas só estavam focados nas suas respectivas áreas. Teve uma orquestração organizada para me desestabilizar. Eu não tinha alternativas. Se eu continuasse, o São Paulo ia continuar nessa mídia negativa. A razão principal da saída foi o escritório, para preservar os clientes. Se eu não faço isso, ficaria sangrando.
AE – Por que o Abílio Diniz começou a atuar contra o senhor?
Carlos Miguel Aidar – Ele queria tomar conta da administração, das finanças, do futebol e eu defendi o Ataíde, para não deixar o Abílio tomar conta do futebol. Para não expor o Ataíde, botei a cara, pelo meu amigo que me gravou.
AE – O senhor teme a investigação?
Carlos Miguel Aidar – Eu quero que seja apurado tudo. Faço questão que se faça uma auditoria. Isso é muito importante para o São Paulo e, obviamente, para mim. É importante que seja investigado cada um desses contratos. O meu sigilo fiscal, bancário, telefônico estão todos liberados para quem quiser, a hora que quiser. Eu não tenho nada a esconder. Nunca tive e não vai ser agora. Tudo está à disposição. Vamos investigar. Achou irregularidade? Acusa quem praticou. Não vai me achar. Não pratiquei nada.
AE – Do que se arrepende?
Carlos Miguel Aidar – Se eu tenho um arrependimento hoje, é de ter voltado à presidência do São Paulo. Família triste, perdi o escritório, clientes, perdi um amigo chamado Ataíde, que eu quis ajudar. Só me meti nisso porque quis ajudá-lo, porque eu sei que ele precisava. Essa é a história. Mas cadê a prova? Não adianta ficar falando. Nunca pensei em chegar aos quase 70 anos desse jeito. Ao contrário. Eu estava em um colchão de conforto no meu escritório que era fantástico. Para que deixei isso para passar o que passei no São Paulo?
AE – A sua namorada Cinira Maturana recebeu comissão por contratos do clube?
Carlos Miguel Aidar – Vou pegar alguns materiais para você ver (levanta e pega uma mala recheada de documentos). Quando fui eleito presidente, a Cinira, que eu conheço há 20 anos, me ligou para dar os parabéns. Na época, não éramos namorados. Com o potencial dela de relacionamento, pedi para que arrumasse uns negócios para o clube. Assinei com ela um contrato de prestação de serviço de comissão, em 6 de maio de 2014. A Cinira precisaria trazer o cliente e o São Paulo assinar. Em agosto ou setembro nós começamos a namorar. Até esqueci desse contrato. Aí fizemos a rescisão, em janeiro. Ela não trouxe nenhum negócio para o São Paulo. Zero. A auditoria no São Paulo não vai encontrar nenhum pagamento à TML (empresa da Cinira). Não tem nada pago para ela.
AE – Quem mais te desapontou fora o Ataíde?
Carlos Miguel Aidar – O Osorio (Juan Carlos, treinador colombiano) Ele ficou um mês fazendo proselitismo que queria ir para uma seleção. Deveria ter dito logo. Não ficava criando esse ambiente. Para mim ele nunca falou que tinha o sonho de dirigir uma seleção.
AE – Mas o Osorio também não ficou chateado pela saída de jogadores?
Carlos Miguel Aidar – Quais foram os titulares que saíram do São Paulo? Só o Souza e o Denilson.
AE – Então a saída dos jogadores foi só um artifício para a saída do Osorio?
Carlos Miguel Aidar – Ele podia ter dito antes. Eu tinha certeza que ia embora. O Osorio mentiu para a gente que estava procurando apartamento, mas não saía do flat. Quando assumi, proibi a comissão técnica de ir de celular para o banco de reservas. O Abílio ligava durante o jogo para o banco para colocar jogador, telefonava para o Milton para mudar o estilo de jogo. Quando me tornei presidente, ia ao vestiário e pedia para deixarem o celular lá antes de ir para o campo. Durante o jogo ele ligava. Era sabido, corriqueiro.
AE – O senhor vai continuar na política do clube?
Carlos Miguel Aidar – O São Paulo é uma página virada na minha vida. Vou continuar como torcedor que sempre fui. Chega.
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