Após mais de 30 recordes nacionais no martelo, Montanha vira o 3º melhor do mundo
Com o perdão do clichê, só mesmo muita fé em si para mover Montanha ao local onde ele está agora. Wagner Domingos superou um câncer, aprendeu a falar esloveno e bateu o seu próprio recorde brasileiro mais vezes do que consegue lembrar. Contra todos os prognósticos, não só atingiu o índice para o Rio-2016 no lançamento do martelo, como agora é o terceiro do ranking mundial, com um resultado que o faria medalhista de prata no Mundial do ano passado, por exemplo.
Recifense de sotaque carregado, Montanha ganhou esse apelido ainda adolescente. O sonho de ser jogador de futebol já não era mais realidade para o garoto de 14 anos e 130 kg, 30 dos quais perdidos nos seis primeiros meses de treinos. Inicialmente atleta de arremesso de peso, Wagner arriscou-se pela primeira vez no martelo em uma competição nacional de base, aos 15 anos, porque a delegação de Pernambuco não tinha nenhum atleta nesta prova. Em 2001, três anos depois, já era campeão e recordista brasileiro juvenil.
O martelo sempre foi o patinho feio do atletismo brasileiro. Em 2005, Montanha lançou 67,78 metros para quebrar um recorde que durava 27 anos. Um grande feito para as fronteiras brasileiras, um nada para o cenário internacional. Desde então, foram pelo menos recordes 35 brasileiros, mais de 12 metros de evolução em 11 anos. Degraus subidos sem levar a nenhum lugar importante. Em 2012, por exemplo, Montanha bateu o recorde brasileiro ao alcançar 72,78 metros. Não fez nem cócegas no índice olímpico da época: 76,08 metros.
Mas tantos degraus não foram em vão. No último domingo, na Croácia, Montanha alcançou impensáveis 78,63 metros, melhorou em 2,51 metros o recorde brasileiro que havia batido quatro dias antes e assumiu o terceiro lugar do ranking mundial. Mais importante que isso: passou com folga o índice de 77,00 metros e se garantiu na Olimpíada. “Meu melhor em treino foi 76 metros. Me superei de todas as formas”, disse.
“Sempre achei que, se eu não conseguir hoje, tinha de trabalhar muito mais para conseguir futuramente. Sempre achei que você consegue tudo com fé e trabalho. Um dia minha hora ia chegar. Está chegando no momento certo e na hora certa. A gente as vezes tem mais derrota que vitórias, mas quando vem a vitória ela tem um sabor especial”, comentou Montanha, que não esquece de si próprio na lista de agradecimentos. “A mim mesmo por estar sempre acreditando em mim e focado no que eu tenho que fazer”.
Para chegar tão longe, Montanha contrariou o dito popular e foi a Maomé. Mais especificamente a Vladmir Kevo, técnico do esloveno Primus Kozmus, campeão olímpico em Pequim-2008. Quando teve a oportunidade de conhecê-lo, em 2009, em um evento no Brasil, pediu para ir à Europa para treinar com Kevo. Convite aceito, pegou as economias (R$ 5 mil), recebeu o apoio do clube BM&F Bovespa e foi. Desde então, passa ao menos quatro meses do ano na Eslovênia.
Em maio de 2011, voltando de lá, passou por exames de rotina do clube e descobriu um tumor maligno na bexiga. “Quando soube fiquei muito abalado. Senti muito. Nunca imaginava que ia ter um câncer. Fiquei um dia muito mal. Logo em seguida resolvi que tinha que lutar, ia fazer o que tinha que fazer”, lembrou. Montanha foi à mesa de cirurgia dois meses depois e teve o tumor retirado com sucesso. Em setembro, já estava em Guadalajara, no México, para o Pan.
De 2004 até hoje, Montanha só não foi campeão brasileiro em 2011. Daqui a uma semana, é favorito a mais um título no Troféu Brasil. Desta vez, dificilmente com um novo recorde. O foco está na Olimpíada, na qual a meta será chegar a uma final, de preferência entre os oito primeiros. “Se eu conseguir isso, já vou estar 100% feliz”.
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