Após rejeitar denúncia do MPF, juiz explica que Neymar ainda pode ser processado

  • Por Agência Estado
  • 13/02/2016 09h54
  • BlueSky
EFE Ídolo no Barça

Na semana passada, a sala do juiz Mateus Castelo Branco, na 5.ª Vara Federal de Santos, viveu um entra e sai sem precedentes O telefone da sua mesa também não parou de tocar. Jornalistas, advogados e gente comum queria saber sobre o “Caso Neymar”. Foram dias agitados antes de acatar a argumentação da defesa e rejeitar a denúncia de sonegação fiscal e falsidade ideológica que o Ministério Público Federal apresentou contra Neymar. O juiz entendeu que não poderia haver uma acusação baseada em um procedimento administrativo que ainda está em curso na Receita Federal.

“O processo, em si, não foi difícil”, disse Mateus, com a voz pausada. “A novidade foi a enorme repercussão”. Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S.Paulo, o juiz que analisou o caso que arranhou a imagem do maior craque brasileiro revela bastidores da decisão, confessa sua paixão pelo futebol, mas não conta qual é seu time do coração – e faz uma ressalva importante sobre o caso. “O que é bom que as pessoas entendam é que não se decidiu se o Neymar e os outros réus são ou não inocentes. O que se decidiu é que, no momento, não é possível o início da ação penal”.

Foi difícil analisar esse caso?

A questão do processo em si não foi difícil. As questões que a decisão debateu são questões que fazem parte do nosso dia a dia. A própria aplicação da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal e a questão da absorção do crime de falsidade ideológica pelo crime contra a ordem tributária. O processo em si não foi difícil. Demorei um pouco para decidir por causa da repercussão que o caso teve.

Como assim?

Os advogados vinham aqui para querer ver o processo e ele tinha de sair do gabinete para a secretaria. Em seguida, o Ministério Público Federal queria ver a petição dos advogados. Nada que seja fora da lei. É perfeitamente normal os advogados e o Ministério Público quererem ver o que está no processo. Isso acabou atrasando um pouco a decisão. Em geral, ela toma no máximo dois ou três dias. Acabou demorando quase uma semana.

Representantes do Ministério Público afirmam que não é comum que as partes tenham acesso ao processo antes da decisão do juiz 

Quando o Ministério Público apresenta uma denúncia, ela vem para o juiz analisar. Geralmente os advogados não pedem o acesso, até porque o réu não tem ciência antes de o juiz decidir. Nesse caso, teve muita repercussão na mídia. Os advogados vieram aqui pedir o acesso à denúncia. Embora não seja muito comum, não é ilegal. Na verdade, é até bom para facilitar o direito de defesa do acusado. Como eu disse, não é comum, mas não há impedimento legal.

O senhor acompanhou o noticiário de jornais, revistas e internet enquanto refletia sobre o caso Neymar?

Acompanhei alguma coisa sim, mas não cheguei a pesquisar especificamente, acessar a internet para ver o caso. A gente entra e acaba lendo, mas não acompanhei com tanto empenho assim

A repercussão foi o único ponto diferente do caso?

Sim. Muita gente ficou interessada. Todos os veículos entraram em contato, até a imprensa internacional ligou para cá. Eu atendi normalmente, embora tivesse de ser bem objetivo, porque a decisão ainda não estava tomada.

Isso nunca havia acontecido?

Comigo, não. Nosso dia a dia é muito tranquilo, muito discreto. O que aconteceu foi uma novidade.

O senhor conseguiu manter a sua vida normalmente?

Sim, o juiz tem de mantê-la normalmente. É muito difícil imaginar que o juiz vá se isolar para tomar uma decisão imparcial. Ele vai fazer isso a vida toda? Não dá. A própria experiência profissional dá critérios para ele seguir sua vida e saber o que deve influenciá-lo ou não. Você dizer que o juiz nunca é influenciado por nada também não é a realidade. Ele é um ser humano. Ele tem de seguir a lei, independentemente da convicção pessoal dele.

O MP pretende recorrer da decisão pensando em desmembrar a denúncia com foco na falsidade ideológica. Como o senhor vê essa questão?

Como isso vai ser objeto de outra decisão, do Tribunal ou minha, não seria adequado eu fazer um juízo de valor sobre o que deve ou não acontecer. O que posso dizer é que, de maneira geral, nos outros processos, o desmembramento é possível. Em tese, não é impossível, mas não posso dizer se, neste caso específico, vai ser possível ou não.

O senhor pesquisou informações sobre o processo na Espanha (Neymar está sendo processado por fraude e corrupção)?

Não, eu não tive acesso. Tenho muito pouco conhecimento sobre o que está acontecendo na Espanha.

O senhor gosta de futebol?

Gosto. Vejo os jogos e acompanho os campeonatos.

Tem algum time do coração?

Tenho, mas é melhor não revelar. Não seria apropriado.

Embora tenha seguido a lei como o senhor mencionou, essa decisão, favorável ao Neymar, não pode deixar uma sensação de impunidade por se tratar de um jogador famoso, da seleção brasileira?

Eu acho que, além de ser um dever do juiz receber qualquer pessoa que o procure, inclusive a imprensa, esta também é uma boa oportunidade para explicar os motivos que levaram à decisão. A decisão disse o seguinte: neste momento não é possível o início de uma ação penal porque não houve o término do procedimento administrativo na Receita Federal. Isso não significa que, após o término do procedimento administrativo, se for o caso, não possa ser apresentada uma nova denúncia. Esse impedimento já não existiria. Estou falando em tese, porque não posso adiantar uma outra denúncia e o que vai ser o futuro. É boa essa oportunidade que a imprensa dá, de vir escutar o Judiciário, para tentar explicar os motivos da decisão. Neste momento, não é possível o início da ação penal.

O senhor ainda não julgou o mérito da questão?

Essa decisão não foi uma decisão sobre o mérito. O que é bom que as pessoas entendam é que anda não se decidiu se o Neymar e os outros réus são ou não inocentes. O que se decidiu é que, no momento, não é possível o início da ação penal.

Existe um prazo para o encerramento do procedimento administrativo na Receita Federal?

O prazo é de 360 dias, de acordo com o que diz a Lei 11.457, artigo 24.

Quais são os próximos passos neste caso?

Se o Ministério Público Federal apresentar um recurso, quem vai julgar é o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Esse recurso não seria analisado por mim.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.