Pelé, visita histórica e identificação: Saiba por que a Seleção Brasileira é febre em países como Haiti, Índia e Bangladesh

Torcedores de nações periféricas adotaram o Brasil na Copa do Mundo por admiração ao futebol pentacampeão ou ligação afetiva; indianos que moram no Catar fundaram até torcida organizada

  • Por Lucas Lima
  • 04/12/2022 08h00
Dibyangshu Sarkar/AFP Um menino passa por uma parede decorada com cartazes mostrando as imagens de Neymar e Alisson pintadas em paredes de Calcutá Cidade de Calcutá. na Índia, decorada com cores e jogadores da Seleção Brasileira durante a Copa do Mundo

Com cinco títulos mundiais e ídolos do quilate de Pelé, Garrincha, Ronaldo, Romário e, hoje em dia, Neymar, o Brasil é conhecido como o país do futebol. Nesta Copa do Mundo, como tradicionalmente acontece de quatro em quatro anos, os bares lotaram, o comércio fechou e as ruas se enfeitaram de verde e amarelo para ver a Seleção Brasileira vencer a Sérvia por 2 a 0, conquistar uma magra vitória por 1 a 0 sobre a Suiça e perder para Camarões pela contagem mínima. E não é apenas em território nacional que os jogadores comandados por Tite reúnem fãs. Em diversos pontos do mundo — todos eles em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento —, milhares de torcedores com outro passaporte se juntaram para torcer pelo Brasil. Até mesmo gritos de “olê, olê, olê, Brasil, Brasil” são ouvidos e reproduzidos em vídeos que mostram o poder de mobilização da Seleção.

Um dos principais focos da torcida pelo Brasil está no Haiti. Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra milhares de haitianos comemorando o gol de Casemiro contra a Suíça. É possível visualizar adultos e crianças com camisas e bandeiras da Seleção Brasileira. Registrado no documentário “O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui”, de 2005, o histórico Jogo da Paz ajuda a explicar a paixão dos haitianos pela “Canarinho”. Em 18 de agosto daquele ano, foi realizada em Porto Príncipe, capital do país caribenho, uma partida entre a Seleção Brasileira, campeã mundial de 2002, e a seleção haitiana. O filme mostra como nasceu a história de paixão entre as duas torcidas. “Se alguém ainda tinha dúvida em relação à validade desta viagem, deve ter se convencido diante dessas imagens. Na próxima vez que me perguntarem qual a emoção mais forte que vivi no futebol, direi que foi esta. E olha que todos sabem que já vivi”, disse Carlos Alberto Parreira, técnico do Brasil na época, comovido com a emoção dos haitianos ao verem de perto Ronaldo, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho e companhia.

Parceira do Brasil no Brics, grupo de países de economias emergentes do qual também fazem parte Rússia, China e África do Sul, a Índia tem torcedores fervorosos da Seleção Brasileira. No Estado de Kerala, localizado ao sul, cartazes gigantes de Neymar e Messi roubam espaço do críquete, o esporte número um do país. Há, inclusive, registros de “brasileiros” e “argentinos” participando de brigas violentas, como se fossem integrantes da Gaviões da Fiel e da Mancha Alviverde. “As pessoas gostam de retratar estrelas como personagens grandiosos em Kerala e isso também se aplica a estrelas de cinema. Mas os jogadores de futebol se conectam com eles em um nível diferente, especialmente os do Brasil e da Argentina”, explicou um torcedor do Brasil à TV Al Jazerra. Em fóruns na internet, pessoas de outros países — sobretudo europeus —  estranham e procuram saber por que os indianos acompanham a “Canarinho” com tanto fervor. A maioria das explicações recorda o título de 2002 e exalta a qualidade de nossos craques. “O amor pelo time de futebol do Brasil pelos indianos foi desenvolvido na época em que o futebol chegou ao nosso país. No início de 2002, o futebol chegou ao mercado mundial em todos os lugares, e também na Índia. Naquela época o Brasil e a França eram os melhores times. A seleção do Brasil tinha Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Kaká, Roberto Carlos e outros grandes jogadores. A França contava com o Zidane. No entanto, o Brasil ganhou a Copa, e a Brasilmania aumentou entre os indianos”, destacou no Quora (rede social de perguntas e respostas) um usuário identificado como Hasim Mohammed.

No Catar, a comunidade indiana criou até uma torcida organizada para apoiar a Seleção, a Brasil Fans Qatar. Em 2011, quando a Fifa decidiu que o Mundial de 2022 seria realizado no país do Oriente Médio, os fãs indianos da equipe canarinho que trabalham no país-sede da Copa se organizaram para vestirem verde-amarelo quando a hora chegasse. Hoje o movimento também conta com pessoas nascidas em Bangladesh, Nepal e Paquistão. De Bangladesh, aliás, veio um dos vídeos mais impressionantes que mostram a devoção de estrangeiros pela Seleção. Milhares de pessoas se reuniram em Daca e vibraram com as vitórias brasileiras sobre Sérvia e Suíça. Já o Paquistão ganhou o apelido de “mini Brasil” porque a cidade de Carachi, a mais populosa do país, fica em êxtase, como se fosse São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro ou Salvador, quando Marquinhos, Casemiro e Richarlison entram em ação.

A “febre brasuca” também atinge há tempos a Jamaica, nação do Caribe com 3 milhões de habitantes. A capital, Kingston, tem sua região mais pobre repleta de favelas bem similares às brasileiras. Além disso, os moradores de lá são loucos pela Seleção de 1970 (Pelé, em especial) e se identificam com verde e o amarelo, presentes também na bandeira jamaicana. Segundo os jornais locais, Kingston ficou silenciosa e deprimida com se fosse uma cidade do Brasil em 2014, durante e após o 7 a 1 aplicado pela Alemanha. Desta vez, os habitantes do país caribenho esperam que os jogadores canarinhos tenham melhor sorte. “Sério, o Brasil poderia facilmente ser um partido político ou uma igreja na Jamaica. É a única outra coisa que vejo capturar tanto os jamaicanos. Não estou brincando, ouvi grandes comemorações em toda a minha comunidade quando o Brasil marcou”, observou um jornalista jamaicano no Twitter. “É principalmente por causa do Pelé. Indiscutivelmente o maior de todos os tempos”, disse, também no microblog, uma torcedora jamaicana — que inclusive adicionou à bandeira brasileira ao seu nome na rede social. “Muitas pessoas se identificaram com ele porque é negro e de um país em desenvolvimento. Além disso, o Brasil nos anos 70 jogou um futebol bonito, uma verdadeira delícia de assistir.”

Circulam na internet torcedores apoiando o Brasil até na Faixa de Gaza, um dos locais mais perigosos do planeta. Nos três jogos da primeira fase, palestinos que vivem Ramallah, na Cisjordânia, montaram um telão para assistir aos jogos da primeira fase. Outro ponto de destaque foi em Damasco, na capital da Síria. Centenas de fãs do futebol brasileiro se reuniram em frente a um telão para acompanhar a partida entre Brasil e Suíça. Para o povo desses países que vivem ou viveram o horror da guerra, o acolhimento conta na hora de escolher para quem torcer na Copa. “Durante anos, ficamos presos entre a Síria e o Líbano em más condições. Nenhum país nos aceitou, exceto o Brasil. Portanto, acho que é nosso dever apoiar o Brasil na Copa do Mundo”, declarou a síria Taha Yasin, que vive em Florianópolis, ao site Middle East Eye, especializado em histórias do Oriente Médio e do norte da África.

Veja vídeos de torcedores de outros países que são loucos pelo Brasil

Haiti

Jamaica

Índia

Bangladesh

Paquistão

Líbano

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