O que Pelé e Maradona têm a ver com o duelo entre Messi e Mbappé?
Atual camisa 10 argentino sempre foi considerado o sucessor do maior ídolo do país; francês se aproximou do Rei do Futebol após igualar ou superar marcas históricas
O argentino Lionel Messi nasceu em 1987, em Rosário, um ano depois de a Argentina conquistar sua segunda — e por enquanto última — Copa do Mundo graças à genialidade de um homem, considerado deus na margem sul do Rio da Prata. Quando o pequeno Lionel veio ao mundo, Diego Armando Maradona reinava nos gramados com ares de divindade. Já o francês Kylian Mbappé nasceu em 1998, ano em que a França se sagrou campeã mundial pela primeira vez. Diego estava aposentado — havia pendurado as chuteiras em 1997 —, craques como Zidane, Ronaldo e Batistuta brilhavam em um futebol cada vez mais globalizado, mas a internet, ainda incipiente, queria apenas saber de eleger o melhor jogador de todos os tempos: Pelé ou Maradona? Em 2000, uma polêmica eleição online da Fifa deu a vitória ao argentino. Se a mesma pergunta for feita a Messi e Mbappé, eles, que se enfrentarão na final da Copa, neste domingo, 18, certamente ficarão em lados opostos também nesta bola dividida.
Messi começou a ser considerado o herdeiro de Maradona assim que fez seu primeiro gol com a camisa do Barcelona, no dia 1º de maio de 2005. Mbappé era apenas uma criança brincando de bola pelas ruas de Paris quando o craque argentino encobriu o goleiro do Albacete minutos após entrar no lugar de Eto’o. Dezessete anos depois, não há nenhuma dúvida de que La Pulga é o maior jogador da história do Barça, curiosamente o único clube onde El Diez não deixou saudade. Hoje no Paris Saint-Germain, Lionel soma 778 jogos, 35 títulos (sendo quatro Ligas dos Campeões e três Mundiais de Clubes) e 672 gols vestindo azul e grená. Entre os tentos de Messi pelo time catalão, se destaca um “maradoniano”, contra o Gerafe, em que ele arrancou da esquerda, driblou quatro marcadores, tirou o goleiro e balançou a rede. O mundo todo ficou de queixo caído. Ou quase todo o mundo, porque justamente Maradona fez algumas ressalvas. “O gol que fiz, além de mais bonito, foi contra os ingleses, nas quartas de final de uma Copa do Mundo. Messi fez isso contra o Getafe. Grande gol, mas não exagere.”
Foi um raro ponto de desalinhamento na fraternal relação entre os dois. Via de regra, Maradona sempre defendeu o pupilo, inclusive de Pelé. Quando o Rei do Futebol disse, em 2012, que Messi estava abaixo de Neymar, o maior ídolo da história do futebol argentino se apressou em dar sua opinião nada amistosa: “Que comparação estúpida de se fazer”. Após anos de afagos, o caminho dos dois ídolos argentinos se cruzou diretamente em 2008, quando a federação do país convidou o eterno dono da camisa 10 alviceleste para comandar a seleção nacional. Àquela altura, Diego já havia se rendido ao sucessor: “Se há alguém que pode ocupar o meu lugar no futebol argentino, seu nome é Lionel Messi”: A parceria, no entanto, acabou de forma melancólica. Na Copa do Mundo de 2010, Maradona e Messi foram criticadíssimos após o 4 a 0 para a Alemanha que eliminou a Argentina da Copa. El Diez foi um show à parte no Mundial, mas suas escolhas à beira do campo e principalmente sua convocação — Zanetti, Milito e Cambiasso não foram à África do Sul — foram determinantes para o insucesso alviceleste. Pesou também a seca de Messi, que saiu zerado do torneio.
A partir dali, começou a recair nos ombros de Messi o fardo de anos sem título, principalmente após três finais perdidas consecutivamente: uma para Alemanha, na Copa do Mundo de 2014, e duas para o Chile, nas Copas Américas de 2015 e 2016. Em 2018, até Maradona criticou o dito “herdeiro” após uma campanha bem abaixo das expectativas — a Alviceleste parou nas oitavas de final, ante a França, após uma primeira fase claudicante. “É inútil querer tornar líder um homem que vai ao banheiro 20 vezes antes da partida. Não deveríamos mais endeusá-lo”, disse o maior ídolo do futebol argentino. Os dois já não se falavam, como revelou Messi. Mas até sua morte, em 2020, Diego jamais deixou de enaltecer o pupilo. “Eu não vou deixar que as pessoas digam que Messi não é o fenômeno que ele é só porque ele não ganhou uma Copa do Mundo”, disse.
Dizem os argentinos que Maradona está abençoando a seleção argentina do céu. “Eu imagino que Diego, lá de cima, está nos empurrando”, disse Messi. De fato, foi após a morte do ídolo que a Argentina venceu o Brasil no Maracanã e encerrou um jejum de 30 anos sem título. Sem o peso dos anos de jejum, Messi encarnou no Mundial do Catar sua versão “maradoniana”, que vai além de suas exuberantes exibições e os mesmos cinco gols que o antecessor marcou na Copa do Mundo de 1986, a última conquistada pelos ‘hermanos”. Até briga o atual camisa 10 arranjou, mostrando que não tem sangue de barata, como acusam os críticos mais severos. Provocado por holandeses antes do jogo das quartas de final, Messi não deixou barato após a Argentina conseguir a classificação e comemorou bem perto dos adversários. No caminho para o vestiário, não gostou de ser encarado por Weghorst e no melhor estilo “Dieguito”, disparou: “O que está olhando, bobo?”.
Craque com a bênção do Rei
Pelé e Mbappé são os únicos jogadores a marcarem em uma final de Copa do Mundo com menos de 20 anos. Pelé tinha apenas 17 quando fez dois gols na goleada do Brasil sobre a Suécia por 5 a 2, em 1958, em Estocolmo. Mbappé era dois anos mais velho na decisão entre França e Croácia, na Copa do Mundo da Rússia 2018. Ele balançou a rede uma vez na vitória dos Bleus por 4 a 2. A precocidade acabou unindo os dois. Pelé sempre reconheceu os feitos do astro francês, tornando-o uma espécie de protegido.
Em 2019, os dois se encontraram em evento promovido por um patrocinador e trocaram elogios. “O estilo dele é latino, praticamente brasileiro. Eu falo para ele: ‘Pena que não jogou no Santos’. É um jogador inteligente, rápido, imprevisível. A grande vantagem dele são as mudanças no jogo. Tem vários jogadores que são bons tecnicamente, mas não são imprevisíveis como ele”, disse Pelé. “O futebol me ajudou a realizar sonhos. A lenda sempre foi Pelé, encontrá-lo era um sonho. Eu admirava a qualidade que ele tinha para finalizar as jogadas, a elegância. Sempre me inspirei nele”, retribuiu Mbappé.
Quando Pelé precisou ser internado em meio a um tratamento contra o câncer, Mbappé foi a primeira estrela do futebol mundial a desejar boa recuperação. “Rezando pelo Rei”, escreveu o francês no Twitter. “Obrigado, Mbappé. Fico feliz em vê-lo quebrando mais um de meus recordes nesta Copa, meu amigo”, agradeceu o maior jogador de todos os tempos. O atacante do PSG, aos 23 anos, havia acabado de se tornar o jogador mais jovem a marcar nove gols em Copas, superando Pelé, que contabilizou sete antes de completar 24. É natural, portanto, que as comparações entre os dois comecem a pipocar. Com fotos semelhantes do craque de antes e do de agora, o “L’Equipe” destacou neste sábado, 17, que a França pode repetir o Brasil, campeão consecutivamente em 1958 e 1962. E o jovem jogador francês se tornaria o maior candidato a repetir o feito de Pelé, até hoje o único a ganhar três Mundiais.
Briga pelo título de melhor do mundo
É provável que o resultado na decisão da Copa do Mundo de 2022 defina o título de melhor jogador do mundo neste ano. Messi e Mbappé chegam à decisão empatados na artilharia (cinco gols para cada um) e respaldados por ótimas atuações no Catar. O francês é autor de um dos gols mais bonitos do Mundial, um petardo na vitória sobre a Polônia por 3 a 1, nas oitavas de final. A seleção polonesa também cruzou o caminho do craque argentino e foi a única adversária até agora que terminou o jogo sem levar gol dele. A eleição de Messi ampliaria para sete o seu recordo como melhor do mundo. Já Mbappé busca o primeiro troféu, que simbolizaria a passagem de bastão no futebol mundial.
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