De ilegal a soldado dos EUA: conheça a trajetória do presidente do Joaçaba

  • Por Bruno Vicari/Jovem Pan
  • 19/02/2014 19h53

Presidente do Joaçaba Facebook/Reprodução Alexandre Danielli

“Vi muito nos países da África, do Oriente Médio, que o futebol pode mudar as vidas das pessoas. As crianças estão se tornando cidadãos melhores através do futebol. A mudança social no interior do Brasil pode vir a acontecer por causa do futebol”. Essa frase poderia ter sido dita por um presidente de um grande país ou por um líder. Mas ela saiu da boca do presidente de um pequeno clube catarinense.

Alexandre Danielli, de 30 anos de idade, atualmente é o mandatário do Joaçaba Atlético Clube, que atualmente disputa a Série C do Campeonato Catarinense. E em entrevista à Jovem Pan, o presidente contou um pouco da sua vida, que é marcada por muitos momentos emocionantes.

Quando estava chegando aos 20 anos de idade, Alexandre resolveu ir para os Estados Unidos e se aventurar em um novo país, com uma cultura bem diferente. Natural de Chapecó, interior de Santa Catarina, ele saiu do Brasil com 200, 300 dólares no bolso e com um visto de seis meses de duração, voltado para estudantes e turistas, o que significava que Alexandre Danielli não poderia trabalhar na América do Norte. Mas o catarinense começou a exercer atividades profissionais de forma clandestina nos Estados Unidos, tendo sido açougueiro e trabalhador em churrascaria.

“Acabei sendo gerente de uma churrascaria em Seattle, quando eu contratei a minha ex-mulher, que era americana, de Idaho. A gente se apaixonou, ficamos noivos, casamos, tivemos filhos, depois não deu certo o relacionamento e nos separamos, mas isso me deu a oportunidade do green card (visto legalizado)”, conta o agora presidente do Joaçaba, que mesmo trabalhando na época, não deixou de lado os estudos.

“O período em que eu estava ilegal nunca me impediu de estudar. Nos Estados Unidos, eles oferecem cursos de inglês gratuitos em quase todas as cidades. Você simplesmente dá o seu nome e começa a estudar inglês. Depois, acabei me formando em administração lá, pois era o curso mais barato”, prossegue.

Mais tarde, Alexandre Danielli conseguiu um emprego em uma grande montadora de carros, que depois passou por uma crise, e querendo crescer dentro da empresa, o brasileiro chegou a conversar com seu superior para saber como poderia subir de cargo. E não recebeu uma notícia muito animadora.

“Perguntei a meu supervisor como eu iria chegar a ser um gerente da empresa e ele me falou na cara dura que eu nunca iria conseguir ser um executivo ou supervisor de uma grande corporação americana. Eu fiquei espantado, pensando que eles eram racistas, perguntei se era porque eu era brasileiro”, lembra. “Ele disse que não, que as grandes corporações tinham a cultura de contratarem veteranos de guerra, ex-militares para os cargos de liderança das grandes empresas. E ele começou a me explicar que tinha ido para a Guerra do Golfo. Comecei a perceber que todos os grandes executivos eram ex-militares e tinham quadros de guerra nos escritórios deles. Comecei a me interessar”, admite.

Saber que muitas das empresas do país no qual estava vivendo valorizavam os ex-integrantes das forças militares foi o incentivo que um jovem brasileiro que estava se aventurando nos Estados Unidos precisava. E Alexandre Danielli realmente colocou em sua cabeça a ideia de servir ao exército.

“Fui certo para me alistar. Quando cheguei, passando pela marinha, vi todo mundo meio gordinho, e eu queria emagrecer. Então vi a aeronáutica e eram todos orientais, mexendo no computador, codificações, pensei que iria ser difícil demais. E o exército estava fechado (de vagas). Acabei entrando no escritório dos fuzileiros navais e descobri que eles eram uma força militar humanitária, a força diplomata militar, que cuidava das embaixadas americanas, e era a melhor força militar de elite do mundo”, frisa. “Comecei a estudar sobre eles e descobri que o treino de recruta era o mais difícil do mundo e com os maiores índices de suicídio e desistência do mundo. Aí me aguçou, e pensei que se era para eu entrar, eu queria entrar no mais difícil”, conta, deixando transparecer que estava sedento por desafios.

Como todo verdadeiro desafio é marcado por momentos complicados, provações muitas vezes, Alexandre Danielli exalta as fases difíceis pelas quais passou, principalmente na época na qual começou a passar por testes para entrar no grupo dos fuzileiros navais.

“Logo depois do treino de recruta, você vai para a escola de infantaria e lá você aprende várias matérias. Em uma delas, chegou um velhinho médico e disse que a aula era ‘como matar um ser humano’ módulo 1. Tem o 1, 2 e 3. É toda a parte biológica, onde você atira, onde você enfia uma faca. Você fica meio espantado no início. Ensinam a se defender, as artes marciais mais diversas. Os fuzileiros navais aprendem tudo sobre o ar, a água e a terra”, revela, explicando que os treinos são realmente muito sacrificantes.

“Vi colegas meus do pelotão de recrutas que se suicidaram. Dois deles se enforcaram. Outros tantos começaram a ter ataques epiléticos, a ter problemas de saúde e não puderam mais continuar. A pressão psicológica e física é tão grande que às vezes o corpo do ser humano reage de uma forma diferente. Então ali eles fazem de propósito, para ver quem realmente aguenta a pressão”, fala.

Depois de ser aprovado nos testes, o brasileiro entrou para o grupo de diplomatas militares e foi treinado especificamente para trabalhar no Afeganistão. Alexandre aprendeu o pachto, idioma local do Afeganistão, e foi trabalhar em meio à guerra.

O atual presidente do Joaçaba fez questão também de desmistificar muitas ideias que as pessoas tem da guerra no Afeganistão e explicou um pouco de suas funções.

“A gente não vai lá para defender os Estados Unidos. Até porque a guerra não é só entre Afeganistão e EUA. A guerra é da OTAN. A missão em comum é que a população não dependa mais do Al Qaeda e do Taliban e venha depender de seu presidente. O terrorista ele quer que o pai de família passe fome para que com dez dólares por mês para sua família ele vire homem-bomba. Tem muito fanatismo religioso. Eles acreditam que qualquer um que não seja muçulmano é infiel e merece morrer. Que se eles matarem qualquer um de nós eles vão para o céu e vão ganhar sete virgens”, relata Alexandre. “O meu grupo era um dos principais focos de ataque do Taliban e do Al-Qaeda. Eles não queriam que nós vivêssemos. Perdi três amigos meus próximos”, diz.

E não somente a experiência da vivência na guerra foi a que Alexandre trouxe para o restante da vida, mas também algumas marcas permanentes. O brasileiro conta que, em uma das missões, houve uma explosão embaixo de seu blindado e ele acabou sendo arremessado para fora do veículo, tendo quebrado uma costela. Ele foi socorrido por companheiros e acordou em um hospital da Alemanha, depois de permanecer sete dias em coma. Além das lesões, o saldo da missão foi que Alexandre Danielli perdeu 50% da audição do ouvido direito.

Ao ser questionado sobre ter matado inimigos, o catarinense não desconversou: “isso sempre acontece em qualquer conflito, qualquer guerra, você é obrigado a se defender, é complicado. Você não conta números, não pode guardar troféus de morte. Tem uma lei internacional de guerra muito forte em relação a isso”.

E após ter vivido situações tão intensas, Alexandre Danielli fala sobre seu retorno ao país natal.

“Eu sempre tive na minha cabeça que eu voltaria. Sou filho único. Eu cheguei, voltei à empresa de meu pai. Ele trabalha em uma madeireira e hoje a gente exporta madeira para os Estados Unidos. Voltei a estudar, fui fazer publicidade e propaganda”, diz, sem deixar de ressaltar a importância do esporte mais popular do Brasil e do mundo em sua vida.

“Tem o futebol, que é a nossa paixão. Sempre quis voltar para cá e trazer de volta o futebol de Joaçaba, que em 1992 foi campeão da Série B do Campeonato Catarinense, e eu fui no estádio torcer. Reativamos o clube, estamos com um trabalho bem bacana com a prefeitura e as escolinhas de Joaçaba”, finaliza.

O Joaçaba Atlético Clube, de Alexandre Danielli, se prepara agora para a disputa da terceira divisão do futebol catarinense. E ao menos nos bastidores, experiência não vai faltar ao clube.

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