Escândalo da Fifa pode trazer mudanças ao futebol brasileiro, diz especialista
A prisão de dirigentes da Fifa abalou o mundo do futebol – especialmente aquele setor mais ligado ao poder e ao controle do esporte. Apesar da crise ser profunda, pode ser uma ótima oportunidade para corrigir distorções e tornar a administração do futebol mais transparente. É nisso que acredita Anderson Gurgel, especialista em comunicação esportiva e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP.
Em entrevista exclusiva a Jovem Pan Online, Anderson falou das consequências da investigação para o futebol brasileiro e o risco de as Copas do Mundo na Rússia (2018) e no Catar (2022) serem canceladas.
Quais as consequências desse caso para o futebol mundial?
Ainda é muito difícil saber, porque está vindo aos poucos. Falando em função do momento do futebol no mundo, acho que o impacto vai ser significativo. A Fifa já vem num processo de desgaste e já saiu do Brasil sendo questionada. Houve uma série de questionamentos e acusações do processo de escolha de Rússia e Catar. O momento é delicado, tem eleição da Fifa, as empresas a pressionam pelo trabalho escravo no Catar, patrocinadores como Adidas e Coca-Cola não querem ter seu nome associado a isso. Há uma série de questionamentos, e aí entra o player novo que é o FBI. O mercado americano tem uma relação nova com o futebol, mas tem leis muito rigorosas de gestão e transparência. A Fifa pode ter uma regulação diferente, mas movimenta um negócio que envolve muitas empresas. A gente já viu tanta coisa que temos medo de ser otimistas, mas acho que o barulho não vai parar tão rápido, vai se desgastar muito. Podem surgir novas coisas.
Pode ocorrer uma limpa na CBF? E um maior rigor com dirigentes de clubes?
Em relação à CBF, ela foi rápida em se manifestar, responsabilizando a gestão anterior, saindo da reta. Mas tem o caso da venda da Seleção Brasileira, que não pertence a nós. O momento atual está pondo cartolas na berlinda, e talvez as crises profundas gerem mudanças positivas, para tentar melhorar os processos. Se o futebol, com todos os problemas, é essa comoção, imagina se fosse bem gerido, moderno, socialmente responsável.
É interessante o momento em que o escândalo acontece. Há alguns meses o governo mandou uma Medida Provisória para renegociação de dívidas dos clubes, que foi muito bem vista num primeiro momento, mas depois começou a cair na realidade – por exemplo, como ser aprovada no congresso que temos hoje, com uma “bancada da bola” tão forte? Eu estava muito pessimista, não digo que agora estou otimista, mas isso fortalece o argumento da MP exigindo transparência e responsabilidade na gestão financeira. A perspectiva ruim que havia de achar a MP muito arrojada para o Brasil diminuiu.
Há especulações de uma “vingança” dos EUA por não terem sido escolhidos como sede dos próximos mundiais. Isso faz algum sentido?
Esse escândalo gera milhões de interpretações. Não descarto essa da “vingança”, mas coloco mais uma. É um momento em que o mercado americano se interessa pelo futebol. A liga deles cresce, a audiência da Copa também, a popularidade do soccer na mídia é maior. A partir do momento que falam que querem brincar, podem dizer que querem um novo jogo, com novas regras. O que acontece é que o futebol ao longo do século passado foi se envolvendo com o mundo do business, e a coisa ficou muito grande, a Copa do Mundo ficou gigantesca, Fifa passou a lucrar mais, as cotas se tornaram milionárias. Esse interesse da iniciativa privada no esporte traz a cultura dela para o futebol. Há uma série de normas que as empresas têm de cumprir de governança e gestão, e elas são comprometidas ao se associar com a Fifa. Com esse envolvimento, ou as empresas se afastam com medo do desgaste ou vai acontecer mais isso.
Existe a possibilidade de os mundiais de Rússia e Catar mudarem de sede?
A escolha dessas sedes vem sendo questionada desde que foram anunciadas. Na Rússia acho difícil mudar, mas a do Catar, em 2022, está muito na frente e tem impacto muito grande no mundo do futebol. Está morrendo gente nas obras porque as temperaturas são absurdas, e isso é algo questionado desde o começo. No caso da Rússia, entra o problema da sustentabilidade, pois já estão se preparando e levantando arenas. Chega uma hora que não dá para voltar atrás, e a Rússia está assim. Acho que o que aconteceu no Brasil (protestos contra a Copa do Mundo) foi um divisor de águas, um momento de ruptura do processo, um desencantamento com a Copa, e mesmo que se mantenha a Copa no Catar as criticas só aumentam.
O que deve ser feito para erradicar, ou ao menos diminuir, a corrupção da Fifa?
Houve até uns candidatos (à presidência) como o Figo que desistiram. É preciso um remanejamento de ideias. O envolvimento do FBI é importante porque a Fifa sempre impede envolvimento da justiça, e agora quero ver ter coragem de fazer isso com o FBI. O cenário pode romper com vícios do passado, mas precisamos acompanhar novos passos. O povo pode virar o jogo com alguma solução.
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