Exclusivo: 30 anos depois, ouça Ayrton Senna às vésperas de estreia na F-1
Há 30 anos, na primeira corrida do ano, no GP de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, a Fórmula 1 recebeu pela primeira vez um piloto de 24 anos, campeão nas fórmulas Ford e Três, e que se tornaria um ídolo das pistas, do Brasil e do mundo. Dentro de uma Toleman, Ayrton Senna da Silva fez sua estreia em 25 de março de 1984, e dois dias antes a promessa conversou com a Jovem Pan, mostrando lucidez, confiança e conhecimento.
Na ocasião, a Fórmula 1 passava por uma mudança de regulamento, com limite de consumo de combustível de 220 litros (para efeito de comparação, em 2014 também houve uma nova mudança, com redução do limite para 120 litros) e Ayrton comentou o assunto, preocupado com o desempenho. “É uma nova fase da Fórmula 1. Mesmo com testes, treinamentos e estudos, é uma incógnita. Será necessário uma maior potência dentro de um consumo limitado, e não vai surpreender se nas últimas dez ou cinco voltas os carros começarem a parar nas pistas por falta de combustível. As equipes de ponta [Lotus, Williams, Brabham e Ferrari foram apontadas por ele] continuaram com potencial de vencer, mas muitas surpresas podem acontecer com a nova regulamentação”.
Mesmo jovem e sem muita experiência, Ayrton mostrava que tinha conhecimento sobre os motores e assuntos relacionados aos carros, e falou sobre a dificuldade que os pilotos teriam o largar com tanque cheio, relacionando com o tipo de pneus a ser utilizado. “Vai largar pesado. O uso de pneu macio talvez não dê o rendimento que se espera e é necessário para compensar a parada no box pra troca durante a prova. Seria mais convincente largar com pneu duro, que tem resistência maior dado o peso do carro ser tão elevado com tanque cheio, e eventualmente, no meio da prova, quando o tanque já está pela metade e o peso do carro já reduziu em cerca de 100kg, experimentar borracha mais macia, produzir aderência maior, ter uma performance melhor e velocidade maior em cada volta”.
Ele cita um problema com o qual pilotos de ponto e estreantes teriam que lidar no GP do Brasil, e que seria difícil prever o vencedor da corrida. “Piloto que está lutando e vê que tem condições de ultrapassar vai precisar ter um grande controle para admitir que o consumo está acima do normal e é necessário diminuir o ritmo ao invés de acelerar, para conseguir chegar ao final. Serão muitas possibilidades e probabilidades”.
Ainda sobre as novidades, ele citou que algumas pistas obrigariam a uma boa posição de largada, por dificuldade de ultrapassagem, como Mônaco e Detroit. “Vai continuar sendo vital uma boa posição no grid de largada para evitar atrasos e contratempo durante a prova”.
Analisando o seu carro, uma Toleman, Ayrton tinha ciência de que o modelo não era o melhor e o descreveu como “ultrapassado em termos de velocidade”, mas confiava no baixo consumo de combustível e resistência para ganhar posições durante a corrida e conseguir uma posição surpreendente. “Vai ser difícil, mas tem possibilidade. A corrida é longa, muita coisa acontece e a gente tá colocando fé que no final vai conseguir alguns pontinhos. O importante, porém, é encarar o resultado, seja qual for: muito bom, bom ou negativo. É nova fase na carreira em que vou ter que adquirir experiência”.
O resultado, no fim, foi o negativo. Depois de largar em 16º, Ayrton precisou abandonar a corrida na nona volta, com problemas no turbo. O vencedor do GP foi Alain Prost, que conquistava sua primeira vitória com a McLaren.
O que Ayrton pregava era a tranquilidade e o bom senso, garantindo que daria o melhor de si, e se conscientizava de que não poderia se entusiasmar por estrear justamente em seu país. “Não dá para ultrapassar limites quando passar a reta e vir sei lá quantos milhões de brasileiros pulando, derrubando a arquibancada e torcendo por você, para não quebrar o carro ou bater”.
Ele explicou que vinha se preparando psicologicamente e fisicamente, sabendo das dificuldades e do esforço que a Fórmula 1 exigiria. Citou Nuno Cobra, que era seu preparador físico à época, e explicou que era necessário manter a lucidez, para que o calor, a tensão e pressão não o atrapalhassem. “É desgastante para o equipamento e para o piloto. Se não estiver perfeito e assimilar as condições novas pode prejudicar o equipamento. Muitos pilotos param por falta de resistência mesmo”.
Ayrton falou também sobre uma polêmica para que os GP voltassem à São Paulo, elogiou o Autódromo de Interlagos, mas criticou o governo, pedindo por reformas e melhorias. “Nada mais justo que a Fórmula 1 voltar a São Paulo e respeitar o sistema em que intercale São Paulo e Rio de Janeiro; Interlagos tem infraestrutura, pista bonita e segura, mas atualmente está desejando algumas coisas, precisa de uma série de reformas, mas desde que as autoridades daqui de São Paulo se proponham e realizem os acertos. Traria uma prova mais bonita e interessante para o público, mais voltas para conseguir o completar percurso que é sempre um só, de 318, 320km e com isso o público presenciaria os carros passando mais vezes. Não é empecilho, desde que as reformas sejam executadas”.
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