Futebol em estado puro: Manaus é a casa do maior torneio de peladas do Brasil

  • Por Agencia EFE
  • 16/05/2014 10h56
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Manaus, 16 mai (EFE).- O Amazonas não tem uma estrela como Neymar em seus times, e nenhum deles está nas quatro divisões do Campeonato Brasileiro, mas o estado conta com um campeonato detentor de um recorde de equipes e que, há mais de 40 anos, representa o futebol em sua essência: o popular Peladão.

Radialista, cronista esportivo e coordenador geral do Peladão desde 1998, Arnaldo dos Santos Andrade disse à Agência Efe que o amor do povo amazonense pelo futebol e pelo campeonato amador contribuiu para que Manaus se tornasse uma das 12 sedes da Copa do Mundo de 2014, derrubando o mito de que o estado não tem tradição no futebol.

“Costumo dizer que o Peladão é o mais social de todos os programas. Ele não tem divisão de classe. Aquela que tem mais, acaba ajudando o que tem menos. Essa é a raiz do Peladão. Aqui, que é o centro da Amazônia brasileira, pulsa e respira futebol tal como em qualquer outro lugar. Foi por isso que o Peladão serviu de apoio ao projeto da cidade de Manaus para sediar a Copa do Mundo”, disse Arnaldo Santos.

O Campeonato de Peladas do Amazonas, nome oficial do Peladão, foi criado em 1972 pelo jornalista Umberto Calderaro Filho (1927-1995) como um projeto social. A cada ano, o torneio reúne mais de mil times amadores e cerca de 23 mil atletas. As competições começam a partir do mês de julho.

Na edição do Peladão em 2013, foram realizados 2.641 jogos em 56 campos, incluindo disputas na capital e em 20 dos 61 municípios do estado. Há categorias para times masculinos, femininos, de adolescentes, crianças e indígenas.

Os jogadores e jogadoras surgem de campinhos de terra batida da periferia, das fábricas do polo industrial, das comunidades ribeirinhas e indígenas. Alguns times viajam dias de barco para disputar partidas entre as cidades.

No Campeonato de Peladas do Amazonas, cada equipe inscrita é patrocinada das mais diversas formas. “Os times do Peladão são patrocinados pelas famílias, pelos amigos do bairro. Tem gente que faz vaquinha para comprar o equipamento. No fundo, existe uma criatividade para o atleta participar do torneio. Essa é a magia do Peladão”, disse Arnaldo Santos.

O torneio de peladas vai de julho a dezembro. Após a homologação do times, começa o cronograma que tem oito fases de eliminação até chegar a disputa final para a escolha dos campeões nas categorias: Peladão (jovens a partir de 18 anos), Peladinho (adolescentes a partir de 15 anos), Master (após 40 anos de idade), Feminino, Indígena Masculino, Indígena Feminino e a equipe do Interior. O torneio elege ainda o melhor artilheiro de cada categoria.

“O Peladão tem algumas regras diferenciadas das regras da Fifa porque é um campeonato de várzea, de barro, de pé no chão. Jogam 11 jogadores, mas tem campos que não dá para jogar de chuteira. Tem que jogar de tênis ou descalço, se não o atleta está sujeito a ter uma contusão”, disse Arnaldo Santos à Agência EFE.

Em 2013, quando foi realizado o Peladão Verde, como parte dos eventos para Manaus sediar jogos da Copa do Mundo, a equipe vencedora foi o “Amigos do Felipe Tabuleiro”. O clube, que ganhou de prêmio um carro zero quilômetro, nasceu em 2003 da reunião de amigos em torno das peladas nas ruas e num campinho do bairro São José 1, localizado na zona leste da cidade.

Um dos coordenadores do time “Amigos do Felipe Tabuleiro”, Daniel dos Santos Nogueira, disse que o nome da equipe é uma homenagem ao amigo Felipe Monteiro. O tabuleiro é o nome da peça de madeira com bordas na qual Nogueira acondiciona pães, bolos, tapioca (feita de farinha de mandioca) e garrafas de café para vender a operários nas portas das fábricas da Zona Franca de Manaus.

“Nosso time nasceu da força do nosso próprio trabalho. Todos nós jogávamos peladas nas ruas. Hoje temos 25 jogadores. Para cada um, pagamos de R$ 30 a R$ 50 no dia de pelada no campeonato. Nosso time foi o primeiro de São José a ganhar um título no Peladão. Estamos tão satisfeitos com a vitória que pensamos que, se tivéssemos mais dinheiro, tornaríamos o nosso clube profissional para disputar a série C do futebol amazonense”, afirmou à Agência Efe Daniel Nogueira, coordenador do “Amigos do Tabuleiro”.

Na tese “Um estudo de caso sobre o Campeonato de Peladas do Amazonas”, o doutor em Ciências do Desporto da Universidade do Porto, Sidney Netto, analisou, em 2001, a organização e a estrutura desportiva do torneio por envolver centenas de equipes e utilizar poucos recursos financeiros. Ele concluiu na tese que “o sucesso do Peladão está diretamente relacionado ao envolvimento dos clubes participantes em todas as fases da competição”.

“O Peladão é a competição que mais colabora para o crescimento e difusão do futebol na cidade de Manaus, além de proporcionar a formação de árbitros, dirigentes e atletas”, diz em sua tese Sidney Netto.

No Campeonato de Peladas do Amazonas, cada time tem uma estrela que não é um artilheiro, e sim uma miss. Há mais de 40 anos, diversas mulheres concorrem ao título de Rainha do Peladão. Kid Mahall, 42, que é coordenador do concurso de beleza do Peladão há 15 anos, disse à Efe que 506 candidatas se inscreveram na competição em 2013.

Mahall contou que, na primeira eliminatória, cem jovens foram selecionadas por jurados. Desse grupo, os jurados escolheram apenas 12 para participarem do reality show “Peladão a bordo”. “Essa ideia de fazer o concurso dentro de um barco dinamizou a disputa. Foi também uma nova forma de fazer um reality show no mundo”, afirmou Mahall.

Dentro do barco, que é um iate de luxo com camarotes, sala de jantar e cozinha, as 12 musas ficam confinadas por 30 dias. Elas só deixam o barco para as provas decisivas de eliminação, que vão desde as de resistência física até saber usar talheres com etiqueta em um jantar. O vestuário básico delas é composto por biquínis e shortinhos.

A rainha do Peladão é escolhida por voto popular por mensagem de texto de telefone celular e nas redes sociais. A vencedora do concurso do ano passado foi a miss do time Sociedade Personal Balbina Futebol Clube, Brenda Carioca Pontes, de 18 anos. Ela ganhou como prêmio um carro zero quilômetro. “A prova de etiqueta é decisiva, conta também na disputa entre as misses o bom senso de cada para enfrentar as dificuldades do convívio em 30 dias de confinamento no barco”, disse Mahall.

Em uma versão mais modesta, o campeonato escolheu também a Rainha do Peladão Indígena. Entre as 15 equipes que disputaram o torneio do ano passado, a miss vencedora foi Suelen Vilácio, da etnia sataré-mawé, representante do time Rio Negro. Como prêmio do concurso, ela ganhou um notebook.

À Agência Efe, a estudante do ensino médio Suelen Vilácio disse que seu nome indígena é Mani, que significa maniva, a planta da mandioca. Ela nasceu em Manaus, mas sua mãe é da aldeia Ponto Alegre de Barreirinha, município que fica no baixo Amazonas, a 328 quilômetros da capital amazonense.

Para Suelen Vilácio, ganhar o título de Rainha do Peladão em 2013 foi uma oportunidade para destacar a cultura dos povos indígenas da Amazônia. “Sinto muito orgulho da minha etnia e da minha cultura”, afirmou.

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Confira alguns números do Campeonato de Peladas do Amazonas de 2013:.

– 1.128 times.

– 14 times indígenas.

– 22.745 atletas.

– 237 atletas indígenas.

– 2.641 jogos

– 7.655 gols.

– 6.086 cartões amarelos

– 570 cartões vermelhos. EFE

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