Futebol feminino indígena vira “febre” no Amazonas e reforça laços culturais

  • Por Agencia EFE
  • 24/05/2014 10h34

Kátia Brasil.

Manaus, 24 mai (EFE).- O futebol virou uma febre entre várias mulheres de etnias indígenas do Amazonas, que chegaram a montar times e até campeonatos, mas também ultrapassou a fronteira esportiva, ajudando a manter unidas famílias e tradições culturais.

Quando criança, Jucenilda Pena de Souza, da etnia sateré-mawé, jogava bola com os irmãos na terra da aldeia Andirá-Marau, localizada em Parintins, a 369 quilômetros de Manaus, no baixo rio Amazonas.

Hoje, aos 35 anos e morando na periferia da capital amazonense, ela concilia o trabalho como artesã com a função de meia do Selvagem do Amazonas Futebol Clube. Na mesma equipe atuam suas duas filhas, a zagueira Angélica Wururuphort, de 17 anos, e a lateral Ranglema Waikiru, de 15.

“Jogar com minhas filhas é uma diversão, uma coisa muito boa que valoriza a nossa etnia e nossa cultura”, disse Jucenilda em entrevista à Agência Efe em Manaus.

O Selvagem do Amazonas FC foi fundado em 2012 pelos indígenas da etnia sateré-mawé, da comunidade Waikiru, localizada no bairro de Redenção, na zona centro-oeste de Manaus. No ano passado, o clube ganhou o primeiro título da categoria indígena do Campeonato Peladão, o maior torneio de futebol amador do Brasil.

O Selvagem é um dos seis clubes de futebol indígena feminino que disputam o campeonato de peladas. Formado com 11 jogadoras titulares e sete reservas, o único homem da equipe é o técnico, o indígena da etnia maraguá Eduardo Rosseti Araújo, 30 anos.

“Elas tinham certa noção do jogo, mas não conheciam a técnica de posicionamento, jogavam muito no chutão”, disse Araújo.

“É o primeiro time que eu treino, tirei a tática pelos jogos que vi pela televisão”, admitiu.

Fora do período do campeonato de peladas, que começa a partir de julho, as 18 jogadoras do Selvagem do Amazonas treinam aos domingos no campo de futebol do bairro Redenção. Com seus colares e cocares, elas chamam atenção dos moradores quando passam pelas ruas que levam à quadra de terra. Algumas carregam os bebês no colo. Outras crianças são levadas em carrinhos empurrados pelos maridos. Juntas, as atletas têm 31 filhos.

“Ser jogadora é mais que um orgulho, é uma conquista, pois o futebol não é só de homens. É um desafio, porque temos que trabalhar e criar os filhos”, disse à Efe a zagueira Inara Waty (Lua), de 22 anos, que é artesã e mãe de três crianças.

Das 18 jogadoras do Selvagem do Amazonas, apenas cinco continuam estudando. Duas fazem curso universitário. Angélica Wururuphort, filha de Jucenilda, é estudante do ensino médio e trabalha na Secretaria de Estado para os Povos Indígenas do Amazonas. “Este ano vou fazer o vestibular de Direito, quero ser advogada”, afirmou.

Já Otacilene dos Santos Rodrigues, 23, é a goleira do time e estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). No ano passado, ela partiu da aldeia São Benedito, no município de Maués, também no Amazonas, para jogar em Manaus. “Um time de futebol representa a união das aldeias. Quando estou no campo, jogo para vencer”, frisou.

Apesar de buscar a preservação cultural indígena, apenas uma jogadora sabe falar a língua sateré-mawé, que pertence ao tronco linguístico Tupi.

“A vida na cidade influencia muito nossa cultura, perdemos o contato com a aldeia e com os parentes mais velhos, que sabem transmitir a língua aos mais jovens”, contou a lateral Cleane Paz Oliveira At (Sol), de 28 anos e estudante de Turismo.

Fã da atacante Marta e do goleiro Julio César, a meia e uma das fundadoras da equipe, Erijana Cardoso Miquiles é casada e tem cinco filhos, entre eles duas jogadoras da reserva do clube, Laís, 13 anos, Taise, 19. Trabalhando como artesã de brincos, pulseiras e colares, ela diz que não é fácil reunir o time para os treinos.

Sem patrocínio, as jogadoras fazem uma vaquinha para pagar as passagens de ônibus das colegas que moram longe do campo de treino e para a comida. “O time precisa de equipamentos, uniforme, chuteiras. Nem todas têm condições condições de comprar o calçado, pagar o transporte”, disse.

Enquanto dribla dificuldades para levar o time a campo, ela argumenta não concordar com os gastos para a realização da Copa do Mundo em Manaus.

“A Copa é uma grande honra para o Brasil, que é a casa do futebol, mas o lado negativo é que está sendo gasto dinheiro público sem dar valor aos assuntos da educação e da saúde dos povos indígenas”, lamentou. EFE

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