Demitido, Vadão revela conversa com Pia e desabafa: ‘Nunca tive problema com nenhuma jogadora’

  • Por Jovem Pan
  • 01/08/2019 17h10 - Atualizado em 01/08/2019 17h35
  • BlueSky
CBF/Divulgação Vadão fez as malas e deixou a Seleção Brasileira feminina, demitido, após a Copa do Mundo da França

Menos de dez dias após ser demitido, Vadão resolveu falar. Em uma franca entrevista exclusiva concedida a Gabriel Dias e Bruno Prado, da Rádio Jovem Pan, o treinador que esteve à frente da Seleção Brasileira feminina na última edição dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo abriu o coração.

Vadão admitiu ter sentido uma “carga muito forte de pressão” no retorno à CBF; disse que a repercussão negativa da demissão de Emily Lima “respingou” no seu trabalho – como se ele “fosse o responsável” pela saída precoce de uma mulher do comando técnico do futebol feminino brasileiro; e classificou como “normal” o desempenho e a troca no comando após o último Mundial.

Além disso, o técnico de 62 anos revelou ter recusado um convite para ser técnico da Ponte Preta antes de voltar à Seleção feminina; contou que foi convidado pela CBF para conversar pessoalmente com a nova treinadora canarinho, a sueca Pia Sundhage; e negou ter tido qualquer tipo de problema com jogadoras – “a história de que a Cristiane deixou Seleção porque eu tinha voltado é uma grande mentira”, disparou.

Confira, abaixo, a entrevista exclusiva de Vadão!

Como você avalia o seu trabalho à frente da Seleção Feminina?

“Quando retornei à Seleção, eu tinha dois objetivos. O primeiro era vencer a Copa América, porque tínhamos de ganhá-la para ter a chance de conquistar a vaga na Olimpíada. E alcançamos esse objetivo. Fomos campeões com sete vitórias em sete jogos. E o segundo seria relacionado a Mundial e Olimpíada. Eu cheguei até o Mundial. Nós chegamos com muitos problemas, tivemos uma série de amistosos ruins, com jogadoras machucadas que não puderam ser convocadas… E, chegando lá, ainda tivemos mais lesões. A Marta se machucou na fase de treinamentos, a Andressa Alves também se contundiu… Aquela base que a gente imaginou não existiu durante o Mundial. Cumprimos o primeiro objetivo, que foi a conquista da Copa América, e, num segundo momento, embora tenhamos nos apresentado bem, deixado uma boa impressão, o nosso objetivo era seguir, ir mais longe e conquistar alguma coisa, o que não aconteceu. Então, houve a troca de comando, o que eu acho absolutamente normal”.

O desempenho da Seleção na Copa esteve dentro do normal? Você conseguiu tirar tudo aquilo que queria das jogadoras durante o torneio?

“O que determinou o nosso caminho difícil no mata-mata, pegando França e, depois, se ganhássemos, os EUA, foi o que fizemos na primeira fase. Nós tivemos o jogo contra a Jamaica, em que perdemos uma série de gols, poderíamos ter feito muito mais e perdemos um pênalti; depois, tivemos aquele jogo contra a Austrália, em que estávamos muito bem e duas bolas totalmente despretensiosas no segundo tempo acabaram entrando, e a gente perdeu. Mas, mesmo no fim do jogo, houve um pênalti claríssimo que sequer foi consultado pelo VAR. Então, poderia ter mudado o curso da história se a gente tivesse empatado aquela partida. Tem muita gente que diz que a gente deveria ter feito um gol a mais contra a Itália, vencido por dois de diferença, mas não! A gente deveria ter feito mais um contra a Jamaica, quando tivemos oportunidade. Contra a Itália, a gente precisava ganhar o jogo para classificar. Então, não pensamos no resultado de 2 a 0. Pensamos primeiro em vencer. Foi um jogo difícil, e a gente venceu. Aí fomos pegar a França. Fizemos um belíssimo jogo contra a França, tivemos uma chance clara na prorrogação com a Debinha, mas, infelizmente, a zagueira tirou a bola em cima da linha. Dentro das dificuldades que tivemos, fazendo substituições por motivos físicos e clínicos em quase todos os jogos, eu acho que o desempenho foi normal. Não sei se daria para extrair mais.”

Como você viu a demissão da Emily Lima antes da sua volta à Seleção? Principalmente porque, depois, houve uma troca de farpas pública entre ela e a Marta…

“Quando a Emily saiu, eu não estava lá, tinha voltado ao futebol masculino, estava trabalhando no Guarani, então, não estava muito ligado no que acontecia no futebol feminino. A Marta sempre foi muito profissional, muito ética, até o dia em que ela se irritou e respondeu. Mas isso é um problema entre elas. Não cabe a mim aqui ficar falando. O que eu sei é que aconteceu alguma coisa lá que levou à mudança, e o presidente entendeu que eu deveria voltar. E, quando eu volto, eu volto recebendo uma carga muito forte de pressão. Inclusive, eu já tinha acertado com a Ponte Preta. A Ponte me ligou, e a gente sentou, conversou, acertou, e eu falei: ‘olha, presidente, tem uma coisa que eu vou esperar até amanhã, que foi um convite que eu recebi da CBF. Se ele se concretizar, eu vou conversar com a CBF antes da Ponte’. A Ponte esperou, mas o presidente Marco Polo me ligou, e eu retornei à Seleção. E, aí, nesse meu retorno, houve uma revolta muito grande porque havia saído uma mulher, porque ela não tinha tido oportunidade, e aquilo respingou demais em mim, como se eu fosse o responsável por isso. Pode ser um momento chato, desagradável, mas, aos poucos, as coisas foram se encaixando”.

É verdade que a Cristiane havia deixado a Seleção porque você tinha voltado?

“Muitas pessoas começaram a falar isso na época, como se eu tivesse algum problema com ela, mas foi provado na sequência que era uma grande mentira! A Cristiane veio conversar comigo em Campinas depois que chegou de férias e falou que (a decisão de deixar a Seleção) não tinha nada a ver comigo, que ela só estava sendo solidária com a Emily, que era uma mulher e que era a primeira vez que uma mulher tinha sido contratada para o cargo, e ela não tinha conseguido completar o ciclo… E, nessa ocasião, eu aproveitei para falar: ‘pô, mas eu gostaria que você voltasse. Eu acho que você pode ajudar muito mais dentro do que fora, falando só por fora. A sua voz dentro, jogando, mostrando e ajudando todo mundo aqui tem mais força do que se você ficar aí fora só falando, falando, falando… Porque vai ter uma hora que o que você falar não vai ter mais efeito. A vida continua’. Aí, ela pensou, pensou e voltou. Caracterizou que eu não tinha nenhum tipo de problema com o grupo de atletas. Essa fofoca toda, esses boatos, essas coisas todas que falaram… Eram tudo uma grande mentira! Eu nunca tive nenhum problema com as atletas, como não tive problema agora também.”

Muitos imaginavam que o Marco Aurélio Cunha e boa parte da comissão técnica também sairiam da Seleção, mas não aconteceu. Por que você acha que só o treinador foi trocado?

“Na verdade, saímos eu e mais dois auxiliares: o Vaguinho e o Fabrício. Por que a comissão pode permanecer? Porque nós gozávamos de um respeito muito grande da diretoria. Eu fui contratado duas vezes pela mesma gestão, pelo mesmo presidente. A nossa comissão é muito boa. O Fabinho, preparador físico, conhece cada detalhe de cada atleta. O analisa de desempenho tem tudo anotado, tudo filmado, das meninas desde 2014. Há uma riqueza de conteúdo que, se essa comissão continuar, só vai beneficiar a Pia (Sundhage, nova técnica da Seleção Brasileira feminina). É uma estrutura que, a meu ver, não tem necessidade de mudar. E eu fico contente de saber que profissionais que eu levei à CBF vão continuar servindo à Seleção. Eu entendo totalmente que o maior desgastado seja sempre o treinador. Se havia a intenção, a minha saída teria de ser nesse momento, mesmo. A decisão foi correta, porque no ano que vem já tem Olimpíada.”

Agora, a nova técnica da Seleção é a Pia Sundhage, uma sueca. Você acha que uma treinadora estrangeira encontrará muitas dificuldades por aqui?

“Não… Eu acho que ela pode fazer um grande trabalho. Eu, inclusive, estive na apresentação dela. O presidente me ligou um dia antes da apresentação pedindo para que eu fosse até a CBF para conversar com ela, passar a minha visão da Seleção, aquilo que dava certo e aquilo que poderia ser melhorado, enfim, posicioná-la a respeito do atual momento da Seleção… Então, eu fui lá, e ficamos um longo tempo conversando. Depois, almoçamos juntos. Ela tem uma experiência muito grande e me disse uma coisa muito interessante, que era que ela tentaria colocar o Brasil em campo com o espírito americano, a organização sueca e a técnica e qualidade individual brasileira. Ela me disse que tentaria unir tudo isso. Ela tem uma visão boa e já sabe o que quer da Seleção. Então, acho que pode, sim, fazer um grande trabalho”.

Você disse recentemente à Folha de S. Paulo que não treinaria mais no futebol feminino. Por que pensa desse jeito?

“Eu não disse isso! Foi me perguntado se eu trabalharia no feminino, e eu disse que, neste momento, estando no Brasil, eu não pretendo trabalhar no feminino. Eu quero voltar para o masculino. Eu vou trabalhar para isso agora. Porque, por exemplo, eu felizmente tenho um mercado no masculino que me dá um salário muito melhor do que o que o feminino paga hoje no Brasil. Isso não quer dizer que eu nunca mais quero, que não me passa mais pela cabeça trabalhar no feminino. Pode vir uma proposta aí de um outro local que eu entenda que seja vantajosa… Por exemplo: a Pia estava trabalhando na base da seleção sueca. E ela deixou o trabalho lá porque recebeu um convite da CBF que foi sedutor para ela. Amanhã, pode acontecer isso comigo, também. Mas, no Brasil, o mercado feminino ainda está aquém na faixa salarial. Não é uma coisa irredutível. É simplesmente uma opção de momento.”

  • BlueSky
  • Tags:

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.