Do “Joga 10” ao “Menino de Ouro”: por onde andam os vencedores dos reality shows de futebol?
Desde o começo da década passada, a TV brasileira já exibiu reality-shows dos mais diversos formatos e temas: sobrevivência, confinamento, musical, culinário e até de MMA. E é claro que uma das maiores paixões do brasileiro, o futebol, não ficaria de fora deste “boom”.
O pioneiro desta linha de programas foi o “Joga 10”, uma parceria da Nike com a TV Bandeirantes, exibido nas noites de domingo no ano de 2005. O objetivo do programa era revelar um craque que seria patrocinado pela fornecedora de material esportivo e ganharia um estágio de 15 dias no Sub-15 do Corinthians.
Após passar por diversas provas e pela avaliação de grandes nomes do esporte, como Zagallo, Dunga e Bebeto, o grande vencedor desta edição foi Luan Andrade. Atualmente parado do futebol profissional, se recuperando de lesão e atuando em partidas pela várzea, o lateral direito jogou a temporada de 2016 pelo modesto Ceilândia, time do Distrito Federal que disputou a Série D do Campeonato Brasileiro e foi eliminado nas oitavas de final da competição pelo América-RN.
Para a sorte do garoto, o Alvinegro gostou do seu futebol na época. Seu estágio, que até então seria de 15 dias, se estendeu por dois anos. “No meu último ano no Corinthians acabei sofrendo uma lesão, depois disso voltei e fiquei mais uns seis meses, jogando até o Sub-17 do clube”, relembra o lateral direito em entrevista à Jovem Pan.
Diante do sucesso do formato do programa, uma nova edição com um novo nome estreou na Band no ano seguinte. Era a vez do “Joga Bonito” ir ao ar, em 2006, desta vez com a promessa de treinos por seis meses no Corinthians e a oportunidade de estágio em um dos dois gigantes do futebol italiano, a Juventus ou a Internazionale de Milão.
O vencedor foi o atacante Juscemar Borilli, natural de Itapejara, no interior do Rio Grande do Sul. Se na primeira edição, Luan conseguiu chamar a atenção do Corinthians e estender o seu “prêmio”, pelo Joga Bonito, Juscemar teve a oportunidade de ficar um tempo a mais nas categorias de base da Inter.
“Eu escolhi ir fazer os 15 dias de estágio na Inter e, como eu tinha descendência italiana, e eles me pediram para prolongar o estágio, ficar mais algum tempo por lá. Fiquei quase um ano. Por conta disso, nem fiz o meu estágio no Corinthians”, conta Juscemar.
Quase dez anos depois, um novo programa
Sem dar prosseguimento ao Joga Bonito na Band, a TV brasileira ficou sem um reality show futebolístico por cerca de sete anos, até que o SBT, mesmo sem investimentos recentes em programas esportivos, apostou no “Menino de Ouro”, exibido em 2013 também aos domingos, só que pelas manhãs, após reprises do seriado Chaves.
Apresentado pela atriz Karina Bacchi e com Paulo Sérgio, Zetti e Edmílson como técnicos, o programa não teve a mesma audiência do seu antecessor, porém também durou duas temporadas.
Uma das diferenças entre o “Joga 10” e o “Menino de Ouro” era que o reality do SBT permitia, além das inscrições pelo site da emissora, que garotos fossem selecionados por olheiros do programa em escolinhas espalhadas por São Paulo. Este foi o caso do campeão da primeira temporada, Luis Fernando, que atualmente é volante do Sub-20 do Bahia: “eu jogava em uma escolinha e teve uma seleção para participar do ‘Menino de Ouro’, em um dia normal de treino”, conta o garoto.
Já Kaique Fernandes, vencedor da segunda edição do programa e atualmente sem clube, relembra que nem teve muito interesse em participar da atração, até que um treinador convenceu seu pai de o inscrever.
“Minha participação no Meninos de Ouro foi muito boa, foi uma vitória na minha vida. Primeira vez que ouvi falar do programa foi em um comercial no SBT, mas eu não estava muito interessado. Mas aí teve uma peneira no campo, falaram muito sobre isso e meu pai me inscreveu”.
Carreira pela Europa
Fora dos holofotes da TV após o fim do reality, os vencedores do Joga 10 e Joga Bonito tiveram a oportunidade de construir suas carreiras por mercados alternativos pela Europa. Juscemar, por exemplo, sequer atuou profissionalmente em times no Brasil e, após sua passagem pela base da Inter, conseguiu um contrato nos juniores do Ajax, da Holanda, sendo treinado por um dos grandes craques do futebol holandês, o ex-volante Davids. Porém, a falta da cidadania italiana o impediu de assinar profissionalmente com o clube.
“Foi uma época muito boa no Ajax, tem uma estrutura de categoria de base muito forte e fiquei por lá uns cinco meses. Quando a minha cidadania italiana ficou pronta fui contratado pelo Zwolle, que estava na segunda divisão da Holanda. Era um time com uma estrutura excelente, foi muito boa a experiência. Depois eu voltei pra Itália, para o Cremonese, na época da segunda divisão, onde fiquei dois anos. Mesmo sendo um time de Série C, eles tinham um nível muito bom, não tem nem comparação com os times não profissionais aqui do Brasil”, relata o atacante.
O caminho para Luan não foi diferente, só que ao invés da Série B italiana, ele conheceu as divisões de acesso de Portugal: “fiquei um tempo no Porto, no Benfica, e aí fiquei num time de segunda divisão de Portugal por um ano”. Depois dessa passagem em terras lusitanas, Luan conheceu a realidade de boa parte dos jogadores profissionais do País e rodou por diversos times pequenos.
“Quando voltei para o Brasil, eu fui para o Goiás, onde eu cumpri um contrato de um ano. Depois disso rodei pelo interior. Passei pelo Bragantino, Grêmio Barueri, XV de Piracicaba, São José, Inter de Limeira, aí fui para o Brasiliense, Paracatu e agora no Ceilândia”.
As dificuldades do futebol
Já é sabido que não estar entre os grandes times e campeonatos é conhecer a verdadeira “realidade” do futebol brasileiro. E ter aparecido na TV, vencido realities, conhecer grandes craques e estagiar nos principais times do país não tornaram os garotos imunes a esse lado difícil do esporte. Kaique Fernandes, que passou pela base de times como São Paulo, Paulista de Jundiaí, Grêmio Barueri e Atlético Goianiense, apesar de ter apenas dezoito anos, já sabe bem a luta que é sobreviver no mundo do futebol.
“Hoje eu estou desempregado, esperando alguma oportunidade, estou correndo atrás. Esse mundo do futebol é muito difícil, tem muita gente que não conhece o futebol verdadeiramente, a transparência do futebol, a sacanagem que é o futebol. Tem muita gente querendo demais e retribuindo pouco”, lamenta o garoto.
Outro vilão de qualquer jogador, conhecido ou não, são as lesões e como elas podem interferir na carreira. Luis Fernando passou alguns meses do primeiro semestre se recuperando de uma fratura. Já Luan, que disputou a Série D pelo Ceilândia no ano passado, ficou fora do time durante a campanha do vice-campeonato brasiliense deste ano por conta de uma inflamação nas articulações.
No caso de Juscemar, estar afastado dos gramados por conta de uma lesão – ele se recupera de uma cirurgia no púbis – não foi uma experiência tão complicada. De volta à sua terra natal, o ex-atacante do Cremonese usou sua experiência na Europa para trabalhar em uma escolinha de futebol na cidade em que vive.
“Um diretor da Internazionale queria montar um projeto de uma filial da escolinha deles (Inter Academy) aqui no Brasil, no Rio Grande do Sul. Chegamos a montar essa filial aqui no Sul, mas não foi muito para a frente e acabou que o Inter encerrou a parceria aqui em Itapejara, minha cidade natal. Alguns treinadores, diretores da Itália que eu conheci pedem para eu me recuperar bem e voltar. Eu vou analisar com calma e ver se volto a jogar”, relata o atacante.
Pressão e gratidão
Contar com um colega que chegou no time por conta da premiação de um reality show poderia causar estranheza aos jogadores que já estavam no elenco vindo de peneiras, de outras divisões e também à comissão técnica. No caso de Luis Fernando, os colegas chegavam a rejeitá-lo no grupo: “rolava aquela coisa de ‘nossa, ele veio do programa’ e me deixavam de canto. No começo isso me deixava mal, mas isso é aprendizado. Hoje em dia quando falam do programa são apenas coisas positivas”, relata o volante.
Já Luan relembra que os treinadores exigiam mais dele por conta da participação bem-sucedida no reality da Band: “A partir do momento que você ganha um programa assim, as pessoas te cobram como cobram um Ronaldinho, um Ronaldo, não era a mesma cobrança de um moleque normal, havia uma cobrança a mais. Comparando com outro que veio do interior, não cobravam tanto dele quanto cobravam de mim”.
Apesar dessas dificuldades, os garotos reconhecem o quanto o programa foi importante em suas carreiras. Para Juscemar, que abriu mão de uma chance para assinar com a base do Internacional de Porto Alegre para participar do programa em São Paulo, é difícil imaginar se ele teria tido alguma chance no futebol se não fosse pelas oportunidades que alcançou graças a vitória no “Jogo Bonito”.
“Pode ser que eu nunca tivesse uma carreira no futebol se não fosse o programa. Eu saí de um lugar no interior do Rio Grande do Sul, com poucas opções. Era muito difícil jogar num time grande e pior ainda na Europa. Não tenho como dizer se minha carreira seria diferente sem o programa”.
Aos mais jovens, que tentam ainda seu lugar no futebol profissional, fica a esperança de alcançar novas oportunidades. Agora recuperado de lesão, Luis Fernando mira a chance de atuar entre os profissionais do Tricolor de Aço. Já Kaique, que hoje vive no interior de São Paulo e joga em times de várzea para não ficar parado, continua firme na sua busca por um novo clube.
“Estou trabalhando para isso, para aparecer uma oportunidade para agarrar, se Deus quiser. Se não der certo eu posso, no futuro, entrar em um curso de educação física, jogar no time da faculdade. Só não quero parar de jogar bola”.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.