Documentário sobre Pelé na Netflix vale muito pelas imagens
Engana-se quem acha que assistirá a um gol ou lance inédito da carreira do Rei, mas as cenas de bastidores são preciosas
Depois de completar 80 anos em outubro de 2020, o Rei do Futebol ganha mais uma homenagem. O documentário “Pelé”, que estreou nesta terça-feira, 23, na Netflix, não traz praticamente nenhuma informação nova sobre a carreira do Atleta do Século XX, mas vale pelas imagens. Pelé surgiu para o futebol na segunda metade dos anos 50, quando a TV ainda era precária no Brasil. No entanto, a carreira do Rei já foi bem documentada, pois surgia o videoteipe (anos 60). As viagens e as participações dele nas Copas do Mundo foram amplamente cobertas. Quem acha que vai assistir a um gol inédito se engana, mas existem imagens preciosas de bastidores, como as de concentrações com o Santos e a seleção brasileira. O documentário traz um amplo panorama (linear) da carreira do maior jogador de todos os tempos, calcado mais nas quatro Copas disputadas por ele: 1958, 1962, 1966 e 1970. Boa parte das imagens, extraídas dos filmes oficiais da Fifa, passou por uma remasterização. Elas enchem os olhos de quem realmente gosta de futebol.
O documentário dirigido pelos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas vale também pelos depoimentos emotivos de Pelé. Já combalido com problemas físicos e na cadeira de rodas, o que é um choque para quem estava acostumado a vê-lo correndo nos gramados, o Rei surge com a caixa de engraxate no colo. O objeto é simbólico: o filho de Dondinho, que ainda criança na cidade mineira de Três Corações foi para as ruas ajudar no orçamento da família, se transformou no maior esportista do século passado e elevou o nome do Brasil como ninguém. A produção peca por tentar forçar algo que Pelé nunca fez: se posicionar sobre a política brasileira nos “anos de chumbo”. Visivelmente constrangido, o ex-jogador declarou que a vida dele continuou a mesma depois do golpe militar de 1964. Os produtores usam, inclusive, uma fala do boxeador Muhammad Ali criticando a Guerra do Vietnã, como se Pelé devesse ou pudesse fazer o mesmo contra a ditadura brasileira.
O filme mostra Pelé dando abraços efusivos no presidente Médici, após a conquista do tricampeonato. Em meu livro “1970, o Brasil é tri” (Letras do Pensamento, 2020), eu mostro que os militares usaram e abusaram da imagem do ídolo. Eles sabiam que o atleta era fundamental para projetar o Brasil no exterior. Depois da derrota da seleção na Copa de 1966, na Inglaterra, o Rei considerou nunca mais jogar um Mundial. O documentário insinua que ele reconsiderou a decisão por causa de pressões dos militares. Não foi bem assim. O eterno camisa 10 do Santos e da seleção estava com a “cabeça cheia” em 1966, mas disputar mais uma Copa, aos 29 anos de idade, seria algo natural, independente ou não dos generais. A conquista em 1970 é a coroação definitiva do atleta do século vinte. De forma acertada, o documentário diz que aquela vitória inesquecível dentro de campo se deve a Pelé e a um escrete de ouro jamais visto na história do futebol e não à ditadura do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici.
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