#Marcou: Os detalhes do título do Corinthians de 1977 vivem na memória do ‘espectador’ Zé Maria

Saudades do futebol? Série #Marcou relembra momentos memoráveis dentro das quatro linhas

  • Por Denise Bonfim
  • 26/05/2020 05h00
Reprodução/Corinthians Zé Maria, ao lado de Biro Biro, com quem atuou no Corinthians na década de 80

“Não dá para falar de campeonato, vitória ou título que marcou sem falar de 1977.” Foi assim que Zé Maria, ex-lateral do Corinthians e tricampeão com a seleção brasileira em 1970, começou a conversa com a Jovem Pan sobre a conquista que mudou a história do alvinegro.

As memórias do dia 13 de outubro estão mais vivas do que nunca. O título é tão valorizado pela torcida, que mesmo quem sequer tinha nascido naquela época sabe narrar o aflitivo – e decisivo – lance que saiu dos pés do “Super Zé”, apelido que ganhou pela raça e doação em campo, aos quase 38 minutos do segundo tempo. Após a sua cobrança da falta, a bola resvalou na cabeça de Basílio e passou pelos pés de Vaguinho, que acertou a trave. Wladimir tentou definir, mas cabeceou no rosto do adversário. A bola chegou, de novo, aos pés de Basílio, o “pé de anjo”, e morreu no fundo do gol.

“Eu tive a oportunidade de fazer o cruzamento, e vi aquele rebuliço dentro da área. Quase que eu ajoelho e rezo para a bola entrar”, brinca Zé Maria. “O Basílio deu uma raspada, e foi Vaguinho, Wladimir cabeceou, bateu na trave, e o Basílio teve a felicidade de pegar a sobra. Deu uma pancada que não foi fácil. Não dá para esquecer”, conta.

Ele diz que se lembra do momento com uma grande riqueza de detalhes. “Lembro porque ali, eu era um espectador: olhando, torcendo, lembro do lance perfeitamente. Não tem como a gente esquecer. É falar do Corinthians e lembrar do gol do Basílio, é falar do Basílio e lembrar do lance.”

O sentimento de alívio que tomou os jogadores e a torcida é facilmente explicado. Em 1977, o Corinthians não ganhava um título há 23 anos, e ainda amargurava o vice-campeonato brasileiro no ano anterior. Zé Maria conta que o elenco não sentia a pressão, mas que fatalmente a falta de resultados pesava. “O Corinthians não ganhava, tinha toda aquela brincadeira de ‘nadar e morrer mais um ano na praia’, não era fácil. A torcida cobrava, e no final a gente não chegava. Precisávamos quebrar esse estigma, e conseguimos”, relembra.

Para ele, o jejum foi o principal responsável pelo momento que #Marcou. “Ficamos muitos anos sem conquistas. O Corinthians era um dos clubes que mais contratava jogadores, todo ano mudava a equipe, e mesmo em 1977, tivemos mudanças. E aí, quando chegou a oportunidade de chegar e definir, o adversário era a Ponte Preta.”

Naquele ano, a Ponte tinha um time muito competitivo. No primeiro jogo das finais, sucumbiu ao Timão e perdeu por 1 a 0, gol de Palhinha, mas reagiu na segunda partida com gols de Dicá e Rui Rei, fechando o placar em 2 a 1. O empate obrigava a realização de uma terceira partida. “Sabíamos que a Ponte era um time de qualidade, muito maduro. Eu, Wladimir e Geraldão às vezes brincamos que a Ponte tinha um time melhor que o nosso, tecnicamente. Nós tínhamos alguns jogadores técnicos, mas a maioria daquela conquista era força e raça. Como o Wladimir fala: a gente queria ganhar.”

Após o gol de Basílio decidir o campeonato aos quase 38 minutos da segunda etapa no terceiro jogo, São Paulo se rendeu à festa dos corintianos. “Não tivemos comemoração depois, nada foi programado. Cada um foi para um canto e uns torcedores me levaram para Osasco!”, relembra. O dono de um mercadinho da região prometeu ao ex-lateral uma caixa de cerveja em comemoração ao título. E ele aceitou.

“Cheguei em casa 3h. Já estava amanhecendo, e o pessoal ainda festejando. Depois, Wladimir, Basílio e Geraldão ainda vieram aqui fazer um ‘oba-oba’. A gente nem sabe o quanto festejou porque foi uma loucura. Onde a gente ia, era festa.”

Não à toa, a comemoração do Paulistão de 1977 dura até hoje, segundo Zé. “Foi tão importante, que até hoje acontece. Quando encontro com um corintiano, sou chamado para tomar uma cerveja e comemorar 77. Alguns esquecem grandes títulos que o time conseguiu depois. Ali foi o ponto de partida. Aquela quebra de 1977 foi um marco histórico e a gente está nessa história.”

Ele faz as contas. “Já faz mais de 40 anos, e ser lembrado 40 anos depois… Bem, o Corinthians foi campeão brasileiro há pouco tempo, e o torcedor que é mais jovem, que não é da minha época, e não viu o título, me vê na rua e fala ‘muito obrigada’. A minha história é arcada por 1977.”

A raça de Zé Maria, apontada pela torcida como sua maior característica, virou até camisa. Recentemente, o clube comercializou uma camiseta que faz alusão a um episódio em que ele se machucou em campo e, sangrando, continuou a partida. A mancha vermelha em meio ao branco da camisa foi eternizada – e ele sabe disso. “A gente sabe que foi campeão, que marcou a história do clube, mas a dimensão é inimaginável. Jogar no Corinthians… Não é para qualquer um. Graças a Deus eu fui um desses caras.”

Dono de tantas conquistas, Zé Maria reconhece esse carinho e guarda o Timão em um lugar especial. “Muitas vezes, quando me dizem ‘Zé, você é tricampeão do mundo”, eu respondo: ‘Poxa, a Copa do Mundo é um grande título que a gente teve, mas indiscutivelmente, 1977 com o Corinthians não dá para esquecer nunca. Sempre que tiver oportunidade, vou lembrar. Sou extremamente grato. Eu vou estar sempre à disposição do Corinthians.”

Sobre a série #Marcou

O futebol brasileiro é terreno de boas histórias, e nada melhor do que contar os grandes “causos” do mundo da bola para matar as saudades do esporte que nos move.

Para curar a abstinência do torcedor durante a paralisação dos torneios causada pela pandemia do novo coronavírus, lembraremos momentos especiais pelo ponto de vista dos próprios personagens, quem viu – e viveu – tudo isso de perto. Memórias, partidas, bastidores, e tudo que #Marcou a trajetória do país do futebol. Não perca!

1º episódio:
Washington ‘Coração Valente’ relembra retorno aos gramados após lesão no coração

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