Viúva de Mario Sérgio teme ‘injustiça’ com famílias, mas celebra ajuda da Chape: ‘No início, foi repugnante’
“É uma luta difícil, mas que, com certeza, nós não deixaremos cair no esquecimento.”
A fala é de Mara Paiva, viúva do ex-jogador e comentarista Mario Sergio. Mais de dois anos se passaram desde a morte de 71 pessoas no voo da LaMia, mas as famílias das vítimas ainda buscam justiça. A briga pelo pagamento de indenizações é árdua, é verdade, mas segue a todo vapor e, ao menos agora, conta com uma importante ajuda: a da Chapecoense.
Em entrevista exclusiva ao comentarista Flavio Prado, da Rádio Jovem Pan, Mara, que é a vice-presidente da Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C), abriu o jogo. Celebrou o apoio do clube catarinense, mas revelou que, logo após a queda do avião, a Chape teve um papel “péssimo, degradante e repugnante”.
“No início, o comportamento da Chapecoense foi péssimo, degradante, repugnante. A diretoria que assumiu logo depois do acidente tinha um olhar de que a verdadeira vítima tinha sido o clube e, na verdade, não foi isso o que aconteceu. As vítimas foram os familiares que ficaram sem os seus entes queridos, os seus provedores”, desabafou.
Agora, no entanto, a situação é outra. “Depois, com o trabalho das famílias e da imprensa, eles caíram em si e perceberam que o melhor caminho seria reconhecer que não havia mais o que fazer e que eles precisavam nos ajudar. Hoje, nós contamos com algumas pessoas da gestão que foram divisoras de água. Agora, temos apoio, ajuda… O clube, atualmente, trabalha como nosso parceiro. A situação é outra”, celebrou.
Ainda assim, Mara conta que “pouca coisa andou até agora” no que diz respeito ao pagamento de indenizações. Em novembro, as famílias ingressaram com uma ação judicial contra o governo da Colômbia cobrando responsabilidade da Aerocivil Colômbia – equivalente à ANAC no Brasil – na queda do avião. Também há processos correndo nos Estados Unidos, Brasil e, em breve, na Bolívia. A luta por justiça se faz por meio de direitos nas esferas civil, criminal e trabalhista envolvendo a LaMia, seguradoras, Chapecoense e os governos desses países.
“Nós estamos analisando toda a documentação, fazendo um trabalho de investigação particular juntamente com a Chapecoense. A Chapecoense vem nos ajudando bastante. Temos, hoje, um profissional da área de seguro que tem um olhar corporativo. É um técnico que trabalha com análise de seguros para pessoa jurídica. Ele consegue nos ajudar para fazer a análise dessa documentação. Mas muita pouca coisa caminhou. Esse é um caso sui generis. Não existe nem jurisprudência para o que aconteceu. As coisas avançaram na medida em que, hoje, nós conseguimos ter informação, temos um banco de dados e estamos fazendo uma análise dele. O trabalho ainda é de formiguinha”, explicou Mara Paiva.
O sentimento, portanto, ainda é o de receio. “Eu temo que talvez nós não consigamos fazer justiça. Porque justiça seria responsabilizar absolutamente todas as instâncias que se envolveram nesse acidente. A perda que nós tivemos foi irreparável. Mas estamos indo atrás do máximo de reparação possível, porque tudo o que aconteceu deixou um vazio muito grande na vida das famílias. Eu temo que não consigamos reparar todas essas questões. Mas o nosso trabalho é o de ir atrás de todas as instâncias e escarafunchar tudo o que pudermos até o final”, definiu a viúva de Mario Sérgio.
“A intensidade de esforços não diminuiu. Mas dá para perceber uma desesperança nas famílias, e isso é muito triste. É duro, mas, para as famílias, sobram apenas o luto e a lápide. É mais ou menos: ‘cada um que lamba as suas feridas e administre o seu prejuízo’. É muito difícil ser resiliente, se ressignificar, quando você tem conta para pagar e não sabe como vai fazer. Não podemos nos esquecer de que quem morreu foram arrimos de famílias. Percebo uma desesperança muito grande nas famílias, mas o nosso trabalho também é esse: o de não deixar essa chama se apagar”, finalizou.
Quanto já foi pago?
Até agora, as famílias das vítimas do voo da LaMia receberam seguros de vida pagos por Chapecoense, CBF e empresas de comunicação. Foram desembolsados valores equivalentes a dois anos de salário para cada um dos que morreram no acidente. Além disso, a CBF ainda pagou mais um ano de salário, como determinava a lei, e os familiares dos jornalistas receberam valores variados, de acordo com o que foi acertado anteriormente com cada empresa. Logo após o acidente, também foram realizados diversos eventos para doação de recursos às famílias – essas ações geraram algo em torno de R$ 40 mil para cada.
Em fevereiro de 2017, uma das seguradoras da LaMia criou um fundo humanitário para fazer acordos com os familiares e encerrar processos contra a empresa. Na primeira negociação, foi oferecido US$ 200 mil (R$ 772,5 mil), e nenhuma família aceitou. Meses depois, o valor subiu para US$ 250 mil (R$ 965,6 mil), e cerca de 20 famílias aceitaram o acordo. Em troca, elas se comprometeram a assinar um termo que impediria qualquer ação na Justiça contra a LaMia e a sua seguradora.
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