Guga lamenta cenário do tênis no Brasil: “poderíamos ter feito muito melhor”

  • Por Estadão Conteúdo
  • 19/03/2017 11h25
Divulgação/Site Oficial Guga classificou o episódio como "triste" e lembrou que o assunto "assombra" o tênis há muito tempo

Era 1997. Um desconhecido jovem de 20 anos, de Florianópolis, ganhava as manchetes do Brasil e do mundo ao levantar o troféu de Roland Garros, um dos mais importantes torneios de tênis da história. Gustavo Kuerten e seus cabelos encaracolados rapidamente ganharam fama nacional e logo tinha brasileiro conversando sobre tie-break, “deixadinha” e match-point nos bares da capital catarinense e dos grandes centros do País. 

Podia ser a oportunidade de ouro para o tênis se desenvolver no Brasil. Mas, 20 anos depois, o País está aquém do que poderia apresentar na modalidade, na avaliação do próprio Guga. Para ele, hoje com 40 anos, o tênis nacional poderia ter aproveitado muito mais a chance, tanto em investimento quanto na divulgação da modalidade.

“O ambiente do tênis aqui ainda é super desfavorável. O meio é muito ruim ainda, impróprio até”, diz Guga, aposentado desde 2008, em entrevista exclusiva ao Estado. Ao avaliar o atual cenário do tênis nacional, ele pediu menor dependência da Confederação Brasileira de Tênis (CBT) quanto aos investimentos públicos e maior autonomia para os seus dirigentes, de forma a reduzir a influência da politicagem das federações nas decisões técnicas.

Guga conversou com a reportagem entre um jogo e outro do Rendez-Vous à Roland Garros, torneio juvenil que dá vaga na chave de mesma categoria no Grand Slam francês. Em sua terceira edição no Brasil, a competição foi disputada em Florianópolis, em homenagem justamente aos 20 anos da conquista de 1997. Sem esconder a emoção ao relembrar da conquista, o ex-atleta acredita que novos “Gugas” surgirão se houver maior investimento nos treinadores e no planejamento a longo prazo. Confira abaixo os principais trechos da entrevista: 

Vinte anos após sua surpreendente primeira conquista de Roland Garros, pode-se dizer que o tênis brasileiro aproveitou o momento favorável para se desenvolver? 

De certa forma, o momento ainda está aí vivo, senão não estaríamos aqui neste torneio. Ainda estamos aproveitando o momento porque ainda está nas mãos e existe a possibilidade de tirar benefícios. Que poderia ser feito melhor desde o título, 10 mil vezes melhor, é evidente que sim. E hoje a realidade do tênis poderia ser completamente distinta. Poderia ter uma estrutura definida, um método formado, as etapas todas já estabelecidas [de evolução do tenista no Brasil]. 

O que faltou ao tênis brasileiro para aproveitar o momento proporcionado por suas conquistas?

Acho que faltou investimento nos profissionais do esporte. Isso ainda não aconteceu. Poderíamos pegar uns dez grandes treinadores e colocá-los para trabalhar só com crianças, depois só com jovens, depois só com adultos. Juntar também um grande time de preparadores físicos e dar maior acesso a uns polos de desenvolvimento do esporte, formando grupos de treinos, mas com critérios claros na escolha dos jogadores e dos treinadores nestes grupos. O foco ainda está muito nos jogadores. A partir do momento em que a gente tiver essa cadeia montada para os treinadores se desenvolverem, terem sucesso e serem reconhecidos, o jogador surgirá naturalmente. 

Quais os obstáculos para formar estes grupos de treinadores?

Infelizmente, o esporte de uma forma geral, e não só no Brasil, é dependente da costura política e falta autonomia para criar estes projetos, que são difíceis naturalmente. A longo prazo, não têm resultado imediato. Nem o patrocinador tem o interesse às vezes. O cara que está botando dinheiro numa confederação quer aparecer na TV, no jornal, nos eventos. Ele quer resultado imediato e diz: ‘Não me venha com ideia de investir para daqui a 15 anos porque aí vem outra marca e agarra a oportunidade’. Culturalmente, é um grande desafio em todos os esportes. 

Por falar em apoio de empresas, há poucos meses os principais tenistas do Brasil, como Thomaz Bellucci, Bruno Soares e Marcelo Melo, perderam importantes bolsas de patrocínio por causa da redução do investimento dos Correios na Confederação Brasileira de Tênis… 

Caras como o Thomaz e o Bruno merecem todo o nosso apoio, mas tem gente que merece antes deles. É claro que quatro, cinco anos antes da Olimpíada, o patrocinador quer ver um cara que vai estar nos Jogos. Isso é natural. E também é natural saber que o dinheiro ia diminuir. Precisa haver um planejamento, para saber uns cinco anos antes que não vai sobrar dinheiro hoje. Vai faltar. O que falta é ter mais sustentabilidade neste processo, menos dependência de patrocinador, até mesmo de estímulos públicos. A dependência do investimento público no esporte no Brasil é muito grande. Pensando desde lá trás, eu também obrigatoriamente direcionaria estes investimentos nos grandes treinadores, que daqui a oito anos vão novamente trazer esses resultados. E esse projeto não sai tão caro. Se fizer um cálculo, cada real investido pode trazer de volta, se fizermos um campeão de Grand Slam, um valor incalculável, milhões de reais em investimento. 

Nestes 20 anos, o tênis brasileiro evoluiu, estagnou ou sofreu uma queda?

Alguns quesitos pioraram, alguns melhoraram. Acho que a parte positiva foram os grandes eventos de tênis no Brasil nos últimos 10, 15. Os garotos têm torneios para jogar aqui próximo. Houve um incentivo e os jogadores passaram a receber passagens, acompanhando com treinador para viajar durante os torneios. Isso ajuda muito. Mas neste aspecto acho que os critérios precisam ser mais claros, mais específicos. E deveria estar mais espalhado entre outros treinadores. Para mim, o maior desperdício deste tempo foi a falta de apoio aos profissionais que estão regando as plantas todos os dias. Acho que aí foi crucial. O grande conhecimento do tênis no Brasil ainda é muito raso. 

Ainda falta conhecimento sobre a modalidade no País mesmo com toda a repercussão da sua carreira? 

A cultura do tênis brasileiro, o ambiente da modalidade aqui, ainda é super desfavorável. Para o juvenil, por exemplo, o tênis profissional ainda é uma realidade muito distante, mesmo 20 anos depois e mesmo após alguns casos de sucesso. O meio é muito ruim ainda, impróprio até. Os pais conhecem pouco, a estrutura é deficiente, o conhecimento é muito pequeno. Os treinadores precisam de mais incentivo. Tudo isso é ruim. Por isso aconselho os jovens a competir na Europa. Precisa ir para fora, viajar e ficar solto por lá. Aqui os estímulos ainda acabam sendo muito mais prejudiciais do que benéficos para o tenista. 

Foi esse aspecto que piorou no tênis brasileiro?

Acho que estamos avançando gradualmente nos últimos dez anos, como no caso de alguns centros de referência, como o Tennis Route, no Rio de Janeiro, que é dirigido pelo João Zwetsch, nosso capitão na Copa Davis. Tem também o Itamirim, em Itajaí (SC). Os garotos sentem que são nestes que o tênis está germinando. Precisamos de mais uns quatro ou cinco como esses no Brasil. No geral, é difícil também a gente piorar, porque sempre tivemos uma base muito baixa. Acho que não melhorar de alguma forma significa piorar. Na confederação, o que aconselho é fazer uma composição diferente, independente da política e da votação dos 26 estados que elegem o presidente. O dirigente precisa ter autonomia e não depender da validação das federações para tomar as ações necessárias, independente se vai favorecer ou prejudicar fulano ou beltrano, que precisa votar nele para ele se manter no cargo. Conversei com o Rafael Westrupp [novo presidente da CBT] sobre isso, sobre essa ideia de formar um grupo de jogadores ou treinadores com independência para executar projetos. Precisamos de independência, senão fica aquele ciclo do clube que precisa da federação, que precisa da confederação, que precisa do COB. Com independência, pode-se cobrar mais, exigir, trocar, se for necessário, para fazer o que for melhor para o tênis, e não para cada um individualmente. Nessa lacuna, a gente ainda está totalmente paralisado.

Já que estamos falando da CBT, como você avalia os 12 anos da gestão de Jorge Lacerda, que deixou a presidência no início do mês?

O que mais prejudicou o tênis nestes 20 anos foram as denúncias de desvio de dinheiro, investigações, questionamentos, as manchetes envolvendo dirigentes. Antes o tênis não aparecia e não tinha suspeita. Começou a aparecer, e veio aqueles escândalos, do Nelson Nastás [afastado da presidência por pressão dos tenistas, após denúncias de irregularidades na gestão]. É imensamente triste ver todos estes questionamentos ao tênis. Claro que tem que esperar pelo desenrolar dos casos. Mas é prejudicial para todo mundo porque é necessário muita sutilidade e muito esforço para manter o tênis brasileiro viável e sustentável. Esse episódio afasta patrocinador, deixa as pessoas ansiosas. Perdemos tempo, dinheiro, esforço e principalmente a confiança, que está tão difícil hoje em dia, ninguém mais confia em nada… Precisaria de alguns anos mais tranquilos para gerar esta confiança aqui no Brasil. Mas ela é elementar, e não específica do tênis. No caso da gestão do Jorge, teve coisas boas porque trouxe dinheiro para a confederação novamente e resgatou a credibilidade. Os investimentos foram bons tanto no juvenil quanto no profissional e nos eventos. No lado negativo, evidente que as manchetes e investigações do uso inapropriado de verbas, isso novamente põe em xeque a credibilidade da confederação. E é um cenário que contamina todos que estão envolvidos.

Por que os grandes torneios brasileiros não conseguem lotar as arquibancadas nem mesmo nas finais?

O que lota quadra de tênis no Brasil são os personagens. É a figura, porque a paixão pelo tênis ainda é muito pequena, restrita. Então fica nas costas do Federer, do Nadal. Na primeira rodada, o Nadal lotava a quadra lá no Rio Open. Até na Sapucaí ia todo mundo para vê-lo. Conhecemos ainda muito pouco do tênis, pouca gente entende do esporte, de forma aprofundada mesmo são pouquíssimos. Mas neste ano eu pensava que o Brasil Open e o Rio Open estavam incinerados por causa da crise. Mas mesmo assim eles foram lá e conseguiram fazer. 

Vinte anos depois, qual é a memória mais marcante que guarda da conquista de 1997?

Eu diria que é aquele abraço na hora que eu subo com o Larri [Passos], com a mãe, meu irmão, principalmente essa sensação de estar em família, de estar em casa em Roland Garros. É muito absurdo esse pensamento, né? Chegar ali garoto, desde a época do juvenil, e conseguir se apropriar de tudo aquilo? Mas foi o que aconteceu. Vivi os melhores dias da minha vida e ainda estava acompanhado da minha família e levantando um troféu. Poxa, o que mais que eu poderia querer?

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.