Investimentos e identificação: como os clubes podem lidar com assédio da China
Renato Augusto, Ralf, Jadson, Vagner Love e Gil. Quase metade do time titular do Corinthians campeão brasileiro em 2015 foi negociado, sendo quatro deles com a China. Este movimento evidenciou o poder financeiro dos clubes do país asiático, que pagam multas rescisórias sem dificuldades e seduzem craques com seus salários milionários.
Conforme os jogadores saem, novas perguntas aparecem. Como será possível competir com os milhões de dólares dos chineses? Por que os jogadores abandonam um campeonato competitivo e a idolatria de torcidas? E talvez o mais importante: como lidar com essa realidade e usá-la a seu favor?
A vitória do dinheiro sobre a competitividade
Alexis Malavolta trabalha com o famoso empresário Juan Figer, representante de jogadores como Kaká, Zé Roberto e Lugano, e analisa o que se passa na cabeça dos atletas quando aceitam jogar em um país sem tradição no futebol. “O jogador pensa na família, no futuro, em se resolver financeiramente e voltar para o Brasil depois de uns anos. Temos de entender o lado do jogador: uma lesão num momento bom tira uma oportunidade que pode não haver novamente. O futebol a gente vê como oportunidade de momento”, relata Alexis Malavolta.
Mesmo o sonho de defender a Seleção Brasileira não tem sido impedimento na hora de analisar as propostas. “Todos sonham em ir para a Seleção e continuar nela. A questão é que eles acreditam que, com a quantidade de jogadores na China, vão estar sendo vistos. Se começar a encher de brasileiros, europeus, atletas interessantes, todo mundo vai olhar para lá. Os jogadores que estão na Rússia continuam sendo convocados. Por que não na China? A Seleção vai continuar sendo importante”, afirma Alexis.
Como (não) competir com a China
Coordenador na Universidade do Futebol, o pedagogo do esporte Roberto Braga acredita que é possível para os clubes brasileiros competir com a atratividade de China e outros países ricos, mas não com dinheiro. “Financeiramente não podem, nem devem competir, pois iriam se endividar ainda mais. Eles devem criar um ambiente e um projeto esportivo que segurem os jogadores, como aparecer para a Seleção, a rivalidade, os títulos”, analisa. Para ele, um exemplo bem-sucedido está no próprio Corinthians. “O Jadson poderia ter ido no ano passado (para a China) e ficou por confiar no projeto do Corinthians e querer ser campeão”.
“Os clubes não podem fazer loucuras, porque isso inflacionaria os salários de uma forma que ficariam endividados. Eles têm que criar um sistema de marketing para um ídolo gerar mais retorno financeiro. Hoje, para um atleta ficar no Brasil, tem que ter uma identificação desde a base, ter ganhado títulos, ter um amor pelo clube”, complementa Alexis Malavolta. Roberto Braga concorda. “Não podemos mais fazer futebol a qualquer custo, gastar mais do que arrecada, prejudicar o clube. É fundamental ter gestores com esse ponto de ruptura. Não é fácil, a questão é gigantesca, é necessário quebrar paradigmas, bater de frente com muita gente. Mas é possível”, analisa.
A vida pós-debandada
O Corinthians tem sido criticado pela forma como perdeu seus principais jogadores e pelo suposto pouco dinheiro que ganhou com isso. No entanto, na visão de Roberto Braga, estas críticas não têm razão de existir. Para ele, não é possível dizer que a diretoria do Timão foi incompetente.
“Até acho que foi competente em ter tido um projeto que valorizou seus jogadores. A equipe jogou muito bem, os jogadores acabaram rendendo uma quantia muito alta. Houve muita competência do Corinthians”, disse. As críticas, em sua opinião, podem ser feitas em relação a outro ponto.
“O Corinthians, e o futebol brasileiro de forma geral, vem de muitos anos em que acumula dívidas, e isso faz com que o valor arrecadado não seja integralmente revertido para o futebol. Imaginando um cenário sem dívidas, o dinheiro iria todo para o futebol e desenvolvimento de jogadores”, afirma Roberto Braga. Este seria o caminho para fazer da “debandada” uma nova fase no clube.
“Estamos num processo de organização do futebol muito recente. A consequência é que a gente fique atrelado não a um projeto esportivo de longo prazo, mas sim a eventualidades, como montar um time forte. É natural que, quando jogadores e treinadores saiam, os clubes sofram. Quando o clube está bem estruturado, a chance de retomar o ritmo é boa”, complementa.
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