“Me sinto orgulhosa da minha história de vida e de luta”, afirma Marta

  • Por EFE
  • 23/03/2017 11h49
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Brasileira EFE Marta revela que começou no futebol para sustentar família

Nas entranhas do Malmo Idrottsplats, o modesto estádio com capacidade por 6 mil torcedores usado habitualmente pelo Rosengard, o riso contagioso da atacante Marta, cinco vezes eleita melhor jogadora do mundo pela Fifa, quebra a conhecida rigidez sueca.

Para a craque, não faltam motivos para sorrir. Basta um raio de sol para que Marta comece a se movimentar aos sons dos ritmos brasileiros produzidos por ela própria com as mãos, a boca ou um violão que ela carrega.

“Aqui sou muito feliz”, revela Marta em entrevista à Agência Efe.

Acomodada em uma cadeira de couro sintético azul e vestindo um casaco do clube, Marta reforça, sob as arquibancadas de concreto e madeira do estádio, que é extremamente feliz no país que a recebeu com apenas 17 anos, quando dava os primeiros passos no futebol.

“Eu vim em 2004. Completei 18 (anos) duas temporadas depois de chegar aqui. O motivo principal para ter vindo foram as dificuldades que tinha no Brasil. Lá, eu não podia treinar todos os dias, só tinha três treinamentos por semana. Recebia uma ajuda pequena, que mal dava para sobreviver”, relembra a atacante.

“Então, chegou para mim a oportunidade de crescer como jogadora em um país mais organizado. Vir para a Suécia me permitiu mostrar meu nível ao mundo. Realmente, tomei essa decisão pensando no futuro que não teria no Brasil”, revela Marta.

Treze anos depois do desembarque na Suécia, Marta afirma que a decisão foi muito acertada. “A mais acertada de todas as que eu tomei até hoje”, reforça a artilheira brasileira.

“Além disso, posso dizer que me sinto sueca apesar de não ser loira, branquinha ou ter os olhos claros”, brinca Marta. “Me sinto sueca pelo fato de viver aqui há tantos anos e por tudo o que aprendi com a gente desse país. Sinto que evoluí muito, como atleta e como pessoa”, explica a atacante, que também viveu por três curtos períodos nos Estados Unidos.

O semblante feliz muda e a voz vacila quando a hoje cinco vezes melhor do mundo viaja ao passado para se reencontrar com a Marta menina, que lutava contra a discriminação em Dois Riachos, no interior de Alagoas, ou com a Marta adolescente, que “fugiu” do Brasil em busca de aceitação.

“Meu começo foi muito difícil”, lembra a brasileira, emocionada. “Eu percebia que jogava melhor que os meninos e isso, de certa maneira, gerava ódio, discórdia. Os meninos não aceitavam, me humilhavam, diziam que eu tinha que parar de jogar”, completa.

“Digamos que o futebol naquela época era um esporte totalmente voltado ao mundo masculino. Eu sou de uma cidade muito pequena e aquilo gerava confusão. Todos, incluindo meus irmãos, falavam mal de mim. Foi muito difícil. Eu só queria jogar com eles. Os comentários das pessoas me deixavam realmente triste, mas nunca até o ponto de não querer mais jogar futebol”, revela Marta.

Apesar de não ter abandonado o objetivo, o sonho de se tornar jogadora implicava aceitar que ela enfrentaria uma luta constante. “Percebi os preconceitos e a discriminação. Me sinto orgulhosa de ter lutado contra isso”, ressalta.

Hoje, tendo se tornado a melhor jogadora da história do futebol brasileiro e uma das maiores do mundo, Marta é o exemplo a ser seguido por milhares de outras meninas no Brasil, na Suécia, no Azerbaijão ou na Espanha, país que visitará na próxima semana para enfrentar o Barcelona na partida de volta das quartas de final da Liga dos Campeões feminina.

“Na Espanha, admiram outras Martas”, afirma a brasileira, citando Marta Unzué e Marta Torrejón, atletas do Barcelona. “Não estou brincando. É lindo que pensem isso de mim. Isso quer dizer que estou fazendo as coisas de maneira positiva, porque assim é como as meninas que estão jogando futebol, que querem chegar a um grande clube ou jogar na seleção de seu país serão vistas. Fico orgulhosa e me motiva a seguir trabalhando”, reconhece.

Outros fatores que incentivam a jogadora brasileira são a certeza de que ela está contribuindo para que o futebol feminino não passe despercebido e cresça e o orgulho que sua família sente pela carreira que ela percorreu. Além de uma Liga dos Campeões e vários títulos no Brasil, Estados Unidos e Suécia, Marta ganhou duas pratas olímpicas (Atenas 2004 e Pequim 2008) e outra no Mundial feminino de 2007, todas com a Seleção Brasileira.

“Eles estão orgulhosos da minha luta desde que eu era pequena para chegar até aqui. Eu realmente consegui fazer o que eu sempre quis fazer e eles sentem orgulho de mim. Não ganho o que ganha um homem, mas a parte financeira melhorou um pouco. Minha família e eu temos muitas coisas que não tínhamos há 20 anos”, destaca.

“Agora podemos comer todos os dias! Isso é uma grande evolução. Minha história de vida, de luta, de perseverança, de vontade, me transforma em um grande exemplo. Isso, realmente, é o que faz com que me sinta mais orgulhosa”, afirma Marta.

Inconformista, aos 31 anos, a atacante brasileira diz que ainda falta muito para dar até o fim de sua carreira. “Cada vez que entro em campo, sigo fazendo isso com muita vontade e muita garra. Após tantos anos de carreira, tento me manter motivada porque quero seguir contribuindo como atleta para o desenvolvimento do futebol feminino. Sei que algum dia terei que parar, porque ninguém é de ferro. Eu não sou uma exceção. Não poderei jogar minha vida inteira, mas quero contribuir para o desenvolvimento do futebol feminino dentro de campo o máximo de tempo possível”, anuncia.

Apesar de contemplar o presente e o futuro na Suécia, os diretores e patrocinadores do Rosengard aceitaram com naturalidade, dada a idade de Marta, que a estrela de Dois Riachos pudesse encerrar a carreira em um clube onde pudesse ganhar mais. Ainda assim, eles apostam no forte vínculo da jogadora com o país que, recentemente, lhe concedeu cidadania.

“A Suécia é um país ao qual devo muito, por qual tenho muito carinho. Mas sou brasileira e não descarto voltar a viver no futuro no Brasil. Quem sabe não poderei conciliar uma coisa com a outra? Viver no Brasil quando aqui fizer muito frio e voltar para a Suécia quando lá fizer muito calor. Não descarto a possibilidade de ficar aqui depois da minha aposentadoria”, indica Marta.

Quando chegar o dia de dar adeus aos gramados, porém, Marta confia que o futebol feminino no Brasil estará em uma situação bastante diferente de quando ela deixou o país.

“Já mudou bastante há alguns anos. Agora há um Campeonato Brasileiro, a Taça Libertadores… Ainda falta que o futebol feminino seja jogado com mais frequência, mas foi dado um grande passo se comparado ao que tínhamos antigamente”, avalia.

“Tudo está muito melhor. De fato, agora você pode encontrar pequenas escolas de futebol feminino e ele está sendo cada vez mais aceito. De cada dez ou 20 pessoas que você pergunta, uma ou duas falam mal. A aceitação é muito maior”, explica.

“Acredito que isso é uma consequência dos sucessos da Seleção Brasileira. No ano passado, nos Jogos Olímpicos, por mais que a gente não tenha conseguido ganhar a medalha de ouro (o Brasil terminou no quarto lugar), as pessoas viram a maneira como nos entregamos por nosso trabalho. Demos 100%. Jogamos com amor, com vontade e esse foi o prêmio para as pessoas nesses Jogos”, destaca Marta.

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