Membro da Geração de Prata, Xandó relembra grande conquista para o vôlei

  • Por Fredy Junior/Jovem Pan
  • 16/08/2014 18h46

Seleção Brasileira de vôlei ficou marcada por várias conquistas na década de 80

Folhapress Seleção Brasileira de vôlei em jogo contra Japão

Um dos integrantes da chamada ‘Geração de Prata’ do vôlei brasileiro, Mário Xandó de Oliveira Neto, o Xandó, é um nome importante para o esporte do país. Juntamente com jogadores do calibre de Bernardinho, Montanaro, Carlão, Renan, William, Amaury, Fernandão, Bernard e Domingos Maracanã, Xandó auxiliou a Seleção Brasileira masculina de vôlei a faturar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles (EUA).

Agora, neste mês de agosto, comemora-se o aniversário de 30 anos da emblemática conquista para o vôlei brasileiro e Xandó concedeu entrevista para a Rádio Jovem Pan para falar tanto dessa importante medalha de prata quanto para relembrar momentos marcantes do grupo que perdeu para os Estados Unidos naquela final por 3 sets a 0.

Jovem Pan: No último dia 11, fez 30 anos que o vôlei masculino do Brasil conquistou a medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles. Queria que você falasse um pouco desta conquista que marcou o esporte brasileiro.

Xandó: É um período de comemoração para nós, porque nós vimos várias matérias sendo divulgadas em várias rádios e emissoras de televisão, voltando a falar um pouco da nossa geração, mostrando a medalha de prata como sendo pioneira no esporte coletivo e o caminho para chegar à medalha de ouro.

Nostalgia, saudade, como você lida com isso?

Naquele momento foi extremamente positivo, embora a derrota tivesse nos deixado bastante tristes e chateados, pois nós tínhamos muito mais equipe, naquele momento, do que os Estados Unidos.  Mas eles souberam se comportar muito bem taticamente, foram muito bem, com a torcida ajudando, e ali também houve o crescimento dos Estados Unidos, tanto que depois eles ganharam em 1988. Convivemos bem com isso, nossas amizades continuam sempre iguais, mesmo que à distância. A gente sempre troca ideia sobre a importância do nosso papel para o vôlei brasileiro. Já era para ter acontecido naquela época a medalha de ouro, não aconteceu, mas a importância que nós tivemos para a evolução e para o profissionalismo do vôlei foi fantástica.

Sobre os reencontros entre os membros da Geração de Prata, como eles são? É sempre com histórias, sempre falando do que aconteceu naquele momento?

Toda vez que nos reencontramos são tantos assuntos, as brincadeiras voltam àquela época. Hoje nós já todos senhores, mas continuamos com o mesmo espírito. Parece que a gente está há 30 anos. Lógico que a gente não gosta de tocar neste assunto, da medalha em si, porque criou uma tristeza, mas tem toda a nossa trajetória. Conseguimos as três medalhas do Pan-Americano: ouro, prata e bronze. Foram muitas vitórias e passagens por outros países. O que a gente gosta mais de recordar é esse lado mais de bastidor do que o jogo mesmo, porque com o tempo a gente vai esquecendo o que aconteceu, das jogadas, e só vendo em vídeo que a gente volta a lembrar.

Vocês chegaram essa prata depois de um grande trabalho feito, depois de um ciclo. É uma geração vencedora, não é, Xandó?

Nós nos sentimos como vencedores, independentemente de sermos considerados a ‘Geração de Prata’. A trajetória foi uma trajetória vencedora, que ficou como uma referência para o voleibol e até como uma referência de uma nova escola de voleibol para o mundo. Hoje quase todas as equipes trabalham da mesma forma que nós trabalhávamos naquela época, com um vôlei um pouco mais agressivo, mais versátil, com atletas vindos do fundo, saque viagem. Todas aquelas tramoias que inventamos serviram de exemplo para o vôlei.

Nesta parte física, como era antes? Como foi para vocês essa mudança na parte do condicionamento físico no vôlei?

É uma mudança grande, no sentido que nós não estávamos preparados para treinar tanto, por isso que veio essa brincadeira de ser cobaia. Mas alguns já praticavam esportes todos os dias, todas as tardes. Às vezes passavam todo o dia no clube jogando futebol, vôlei, basquete. A nossa geração passou por uma época pela qual outras não passaram, que essa garotada hoje não está tendo tempo de passar.

Foi realmente uma mudança muito grande. Quando eu tinha 18 anos, eu treinava duas vezes por semana no Paulistano e no Minas Tênis Clube duas vezes por semana. Quando a Seleção passou a treinar todos os dias, ficou profissional, mudou totalmente o conceito, tinha horário para se alimentar, um trabalho acompanhado. Até então não existia isso. Quem quisesse fazer alguma coisa a mais, uma musculação, fazia. Com essa entrada de 1980, 81, quando o Bebeto assumiu, aí sim a gente tinha que trabalhar em dois períodos e era até nove horas de treinamento por dia.

Essa geração ficou marcada não somente pela prata, mas também pelo grande desafio Brasil x União Soviética, no Maracanã. Queria que você falasse um pouco desse jogo que foi um marco para o vôlei.

Esse jogo foi muito importante. Para ter uma ideia, quando eu parei de jogar, eu tive de passagem pela França e todos perguntavam desse jogo. Nós fomos em um evento na Holanda, onde tinham praticamente três equipes de cada país da Europa, eram mais de 60 equipes, e a maioria das pessoas perguntavam para mim desse evento, que era um desses eventos que nunca acreditavam que poderia acontecer. Nem nós achávamos que iria chegar naquele nível de público, ainda mais com chuva. Foram 97 mil pessoas assistindo.

Em uma época em que a gente sabia que o futebol estava em baixa, que a gente sabia que era muito difícil encher o Maracanã, aquilo foi realmente um marco, uma jogada espetacular de estratégia do próprio presidente da confederação, com os organizadores, com o Luciano do Valle, e enfim aquilo deu uma alavancada e mostrou que o vôlei é viável, que merecia um investimento mais pesado. O Brasil tinha um produto muito bom, uma equipe muito boa e com condições de dar um passo à frente na questão de profissionalismo e marketing.

Sobre essa geração, muita gente falou que vocês se tornaram os Beatles do esporte coletiva, tamanha a comoção das pessoas…

Os Beatlemaníacos que me desculpem, mas acho que seria mais um Rolling Stones. Realmente chegou nesse ponto. Saía em entrevistas, além de esporte, tinha essas revistas femininas mostrando os mais bonitos, os mais ricos, essas coisas de fofoca. Colocaram o Renan como galã, o Xandó como o novo milionário do vôlei. Bernard o outro milionário, do Rio de Janeiro. Nós fomos fazer o que o futebol fazia. As modelos sempre queriam ficar do lado da gente.

Até comercial tinha, não é, Xandó?

Tinham alguns comerciais. Eu fiz um ou dois, na época. Era bem interessante. Foi um período no qual teve um desgaste do futebol. Teve as seleções de 78, de 82 e a de 86 que não ganharam Copa e ficou aquela sensação de que precisava criar novos ídolos. A nossa geração chegou nesse viés e conseguimos ampliar essa sede dos brasileiros de buscar novos ídolos. O momento foi oportuno.

Nunca mais o esporte brasileiro vai ter uma medalha tão valorizada quanto essa?

Depois tivemos a medalha de ouro em 1992, que foi um marco. A nossa geração teve essa função de iniciar toda essa transição do vôlei amador para o profissional, da entrada do patrocínio nas camisetas, da entrada da transmissão do vôlei, que até então não era transmitido. Nós fizemos um belíssimo papel naquela ocasião, tínhamos condições de ganhar a medalha de ouro, sabíamos que nossa equipe era superior, mas ela não veio. Acho até que, se fosse uma final em um campo neutro, poderíamos até ter ganhado dos Estados Unidos. Se fosse no Brasil, com certeza teríamos ganhado. Mas teve uma série de fatores que acabaram fazendo com que perdêssemos aquela medalha de ouro. Mas ganhamos uma história dentro do vôlei. Se viesse a de ouro, seria maravilhoso. Mas com a de prata conseguimos fazer uma história.

Como você vê o vôlei neste momento?

É um momento complicado, delicado, não somente para o vôlei como para a economia do país. Eu acho que temos uma série de dificuldades. Os investimentos que foram feitos nestes últimos dois anos foram justamente porque o retorno passou a ser grande, porque é quando entrou a TV Globo transmitindo os jogos no canal aberto, valorizou o vôlei, mas por outro lado teve uma inflação muito grande, os custos passaram a ser maiores, os atletas, pela própria visibilidade e pela exposição da imagem, também passaram a exigir valores mais altos, o que eu acho justo, mas não é uma realidade do Brasil.

Se você tem uma equipe de ponta como é a Seleção Brasileira, com o Banco do Brasil por trás, com uma estrutura diferenciada, com centro de treinamento, não é a mesma coisa das equipes. As equipes estão passando por dificuldades, estão acabando os patrocínios. E também está acontecendo isso no futebol, a gente está percebendo que está caindo muito. O país não está em condições de fazer investimentos no esporte que sejam acima do que está se apresentando no mundo inteiro. O Campeonato Brasileiro passou a ser um dos melhores, a Seleção Brasileira é uma das melhores, mas a realidade do país é outra.

O que você está fazendo atualmente, Xandó?

Hoje eu estou coordenando e estou como técnico da Seleção Brasileira masculina de vôlei para deficientes auditivos. Estamos no processo do Surdo Olímpico, que são competições totalmente fora das Paralimpíadas e Olimpíadas. Existe todo um movimento de surdos no mundo. E nós não temos ainda, aqui no Brasil, uma política, um programa para esse tipo de deficiência. Nós começamos um trabalho com o vôlei e pelo vôlei vamos tentar alavancar e dar visibilidade para que os atletas surdos do Brasil consigam, junto a seus deputados, a seus vereadores, prefeitos, trazer alguma novidade para apresentar para o Ministério do Esporte para se criar um programa direcionado também para o deficiente auditivo.

Nem todo mundo sabe, mas o surdo não está nem nas Paralimpíadas e nem nas Olimpíadas. Eles estão à margem. São eventos que são feitos totalmente por fora. E existem todas as competições como existem dos outros tipos de deficiência e atletas. Você tem Sul-Americano, Pan-Americano, Jogos Asiáticos, o Mundial de vôlei, a Surdo-Olimpíada. Então estou trabalhando com isso e estamos levantando essa bandeira.

Existe alguma adaptação no vôlei para surdo?

O vôlei para surdo é idêntico ao vôlei olímpico, diferentemente do Paralímpico, que é o vôlei sentado. A única mudança que tem é que o árbitro, além do apito, ele também trabalha com uma bandeira na mão para visualização de quando há uma interferência no jogo, uma bola parada, um ponto, mas ele mantém o apito porque nem todo mundo que está assistindo é surdo. Então o jogo é feito da mesma forma, as regras são idênticas, a bola, a altura de rede, o treinamento é idêntico. A única mudança é esse número maior de bandeiras na quadra, inclusive bandeiras quadriculadas, para ficar mais fácil de ter a visualização para parar o jogo.

O que o vôlei te deu um pouquinho você está querendo devolver para o esporte?

Se possível para quem realmente precisa. Estou muito feliz de estar trabalhando com deficientes auditivos. Fui muito bem aceito pela comunidade surda, eles entenderam que o meu objetivo era ajudar. Tanto é que só agora, depois de quase três anos trabalhando com eles, que conseguimos nosso primeiro patrocinador. Até então trabalhávamos com voluntários, mas sempre tentando ajudá-los e fazendo com que eles sintam-se felizes. Que a gente consiga trazer resultados para a autoestima deles todos, que a gente consiga dar a eles o que eles precisam, que é aquela assistência com um pouco mais de conhecimento técnico e profissional.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.