O ano em que Pistorius trocou as pistas pela prisão
Pela primeira vez nos mais de sete meses de duração de seu julgamento, Oscar Pistorius não deixou o tribunal em um carro de sua família, mas em um furgão que o levou à prisão de Kgosi Mampuru II, na capital da África do Sul, no dia 21 de outubro.
Ele foi considerado culpado por homicídio após matar a tiros sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp, em quem atirou através da porta do banheiro de sua casa durante a madrugada de 14 de fevereiro de 2013.
Pistorius atirou acreditando que se tratava de um ladrão e sem a intenção de matar, segundo aceitou a juíza Thokozile Masipa em um controverso caso, no qual foi descartado o crime de assassinato pedido pela promotoria.
Antes de a juíza dar o julgamento por terminado, o mesmo policial que muitas manhãs cumprimentou Pistorius na sala, se aproximou para escoltá-lo pelas escadas rumo ao calabouço.
Seus parentes pareciam preparados para este desfecho, e com gesto contido, estenderam a mão enquanto Pistorius descia com uma expressão diferente rumo ao porão dos tribunais.
Talvez, naquele momento, Pistorius tenha começado a contar os dias para voltar para casa, já que pode sair em liberdade condicional após cumprir dez meses, um sexto da pena, se as autoridades penitenciárias o considerarem um presidiário modelo.
Essa possibilidade é um dos argumentos da apelação apresentada pela promotoria, que não conseguiu provar que Pistorius cometeu um assassinato premeditado.
O recurso classifica a sentença de “surpreendentemente inadequada”, e enfatiza que o atleta disparou “não uma, mas quatro vezes” na direção de um cubículo do qual “não havia escapatória”.
À espera de conhecer o resultado da apelação, e apesar de não ter evitado a prisão como pretendia, o veredicto de Masipa limpa de certo modo o nome de Pistorius ao absolvê-lo de assassinato e estabelecer que ele não disparou em sua namorada com intenção de matá-la.
“Nos liberta de uma grande carga”, disse o porta-voz familiar e tio do velocista, Arnold Pistorius, que acrescentou que seus amigos e parentes nunca duvidaram da versão de seu sobrinho.
No entanto, a sentença pode ter posto um fim à carreira do atleta, que aos 27 anos desejava outras grandes conquistas como a conquistada em Londres 2012: ser o primeiro atleta com as duas pernas amputadas a competir junto com velocistas que não são deficientes.
O processo judicial – um dos mais midiáticos da história e um dos poucos televisionados do princípio ao fim – serviu também para revelar ao mundo, com um grau de detalhe clínico, a vida privada de um ícone internacional do esporte e uma referência moral.
Embora quase todas as provas apresentadas pelo promotor e a defensoria (mensagens telefônicas, testemunhos de amigos e psicólogos) tenham sido descartadas pela juíza, elas retratam um jovem amável e de temperamento explosivo ao mesmo tempo, além de inseguro, arrogante, sedutor, generoso e egoísta.
Por trás da face da criança amputada aos 11 meses por um problema genético, que não conhece limites e se transforma em um velocista de elite, emergem as dúvidas, temores e angústias de todas as pessoas, acentuadas talvez pela incapacidade e a auto-exigência.
O julgamento também sobre a obsessão pela segurança e o medo extraordinário do crime com que vivem Pistorius e a sociedade sul-africana, em que não são inverossímeis erros fatais como o que o atleta alega ter cometido.
Além disso, o caso expôs o funcionamento do sistema judiciário sul-africano, com seus problemas, limitações e grandes estrelas como o promotor Gerrie Nel e o advogado defensor Barry Roux, que se transformaram em verdadeiros fenômenos midiáticos.
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