Nathalie Moellhausen crava aposentadoria em 2020 e cita ‘missão’ de popularizar a esgrima no Brasil
Em julho, atleta conquistou o primeiro ouro do País em um mundial do esporte
Nathalie Moellhausen, primeira campeã mundial de esgrima pelo Brasil, no último dia 18, em Budapeste (Hungria), não quer viver apenas de sua glória e busca difundir o esporte no país que a acolheu. Nascida e criada em Milão (Itália), ela é neta de brasileira e começou a disputar pela nação verde e amarela em 2012. Em entrevista à Jovem Pan, a esportista revelou planos para popularizar a modalidade e pediu mais investimento do governo.
A esgrimista vê o esporte engatinhando no Brasil e entende que um trabalho de base precisa ser feito para formar novos campeões. Antes de Nathalie, o Brasil não havia sequer alcançado o pódio em um torneio desta importância.
“Então, no Brasil, precisamos partir nas raízes, nas futuras gerações, que não é a geração da Olimpíada de Tóquio-2020 e nem a de Paris-2024, mas para daqui 10 anos, 12 anos. Eu demorei 14 anos para ganhar um Mundial. Todo mundo pode ter tempo e paciência para esperar que uma pessoa possa ganhar. Mas tem que começar agora! Agora é o momento de preparar as futuras gerações”, disse a atleta de 33 anos, em conversa exclusiva.
“Para isso, acho que precisa de mais interações. Eu e o meu treinador estamos disponíveis para ir ao Brasil e aproveitar para expor mais, inspirando os treinadores brasileiros. Porque tem que se enriquecer do conhecimento da Europa, como fizeram os chineses, os asiáticos, os americanos. Eles não sabiam fazer esgrima, mas não tem problema. Ninguém nasce sabendo fazer. Mas eles se formaram e aprenderam. Eles foram fazer formação com meu treinador, foram à França, à Itália”, continuou.
Nathalie enxerga como fundamental para o desenvolvimento da esgrima no país uma maior interação dos técnicos do Brasil com os europeus.
“A raiz é a formação dos treinadores. Sem isso, é complicado conseguir criar um interesse no país. Tem bons treinadores, mas por causa da falta de inversão neste esporte, eles também não podem ir para a Europa ou chamar os treinadores para o Brasil. A base está pronta, existem treinadores e eles estão motivados, mas agora falta dinheiro para fazer com que esse projeto seja mais forte e tenha mais interações entre a Europa e o Brasil”, analisou.
“Eu comecei na escola. Depois o treinador da escola me detectou como boa esgrimista, e depois eu fui ao clube com oito anos. Agora, o mais importante, que é um projeto que eu já tinha começado a escrever e apresentei ao Comitê Olímpico dos Jogos Olímpicos de 2016, é muito importante a formação dos treinadores. Eu lembro que quem fez a diferença na minha vida foram os treinadores”, completou.
Nathalie cobra investimentos
Pouco popular no Brasil, a esgrima é um esporte pouco acessível e ainda desconhecido. Nathalie espera que sua conquista mude este panorama e pede por mais dinheiro na modalidade. Ela, por exemplo, relata que precisa conciliar o trabalho com os treinamentos para arcar com todos os custos.
“E a minha missão é fazer com que o esporte – graças a este resultado – possa ser mais popular e dar mais possibilidade de desenvolvimento do esporte. Essa é a coisa mais importante para mim. Vou para o Brasil a partir do dia 20 de agosto para poder divulgar junto com meu treinador, dar aula de esgrima, fazer exibições. Acho que um outro projeto interessante é para as empresas. Empresas que não são de esgrimas, empresas de outros produtos, de qualquer coisa e que precisam saber a história de como uma atleta chegou a este resultado. Isso pode ser um conselho de dia a dia, um conselho para qualquer pessoa. Eu estou aberta a poder compartilhar minha experiência pela esgrima e para outras pessoas”, afirmou.
Para Nathalie, falta “coragem” às instituições para investir dinheiro no esporte desde a base. Para ela, o resultado é a longo prazo, o que dificulta o aporte financeiro das autoridades no país. Na visão dela, uma ideia seria tornar a esgrima uma prática acessível nas escolas.
“Se eu fosse ministra do Esporte, seguramente faria todo um projeto que investiria na esgrima e em outras áreas. O problema principal é o medo de investir o dinheiro. Porque investir dinheiro significa: ‘quando eu vou recuperá-lo?’. Eu demorei muito tempo, investi dinheiro do meu bolso e ok. Agora, 14 anos depois, eu estou recuperando. É bom assim. O problema é o investimento para o futuro e ter essa inversão. Acho que é isso que está faltando. Falta coragem de investir. Espero que o meu resultado seja uma demonstração de que tem muito para fazer e muito construir”, cravou.
Emoção após o título Mundial
Imediatamente após vencer a chinesa Sheng Lin, número 13 do ranking mundial, na final, Nathalie foi às lágrimas e não escondeu a emoção de levar o título mais importante da modalidade. Nathalie conta que passou um filme em sua cabeça e lembrou da morte do pai, seu incentivador, que faleceu em março do ano passado.
“Foram muitos anos, muitas expectativas sobretudo depois que eu comecei a lutar pelo Brasil. O meu desejo era realmente ganhar pelo Brasil e poder mostrar que, realmente, o trabalho que eu estava fazendo era para o Brasil. Então, teve essas conjunções de fatores que fizeram com que a emoção fosse muito forte”, detalhou.
“A minha história também, que não foi fácil durante todos esses anos de formação. Eu perdi o meu pai no ano passado e ele era uma pessoa muito importante na minha formação. E eu queria ganhar e dedicar essa vitória para ele”, prosseguiu.
Na comemoração, Nathalie beijou uma tatuagem, gesto que indagou muitos torcedores. À Jovem Pan, ela contou que foi uma forma de homenagear o pai.
“Eu fiz a tatuagem na mão esquerda, que é a mão que eu uso nos combates. E fiz do número 8, que era o número preferido do meu pai e qui tinha toda uma simbologia importante na vida do meu pai. Então eu resolvi tatuar esse número porque ele tinha uma visão da vida onde o tempo não é linear, ele é circular. Tipo, não tem diferença no mundo após e no mundo antes da morte. Então, eu fiz essa tatuagem para me dar forças naquele momento de combate – porque eu queria ganhar ainda mais após a morte dele”, disse.
Opção por defender o Brasil gerou revolta
Nathalie nasceu em Milão, começou a praticar esgrima aos cinco anos de idade e representou a seleção italiana em diversos campeonatos. Pelo país europeu, inclusive, disputando por equipes, ela ganhou Ouro no Mundial de 2009. No entanto, em 2012, ela optou por representar o Brasil e gerou polêmica.
“Olha, como sempre falava Napoleão: falem bem ou falem mal, mas falem de mim. Quando você faz algumas escolhas na vida, é normal algumas pessoas gostar e outras não. E fazer uma escolha significa renunciar outra coisa. Eu renunciei a Itália, algumas pessoas não gostaram. Mas sei que muitas pessoas têm consideração por mim na Itália. Se depois ficaram feridos por isso, entendo, respeito, mas cada um tem que ir em frente na sua vida. Não pode ficar triste pelo o que os outros pensam”, declarou.
Segundo a esgrimista, a escolha pelo Brasil ocorreu justamente por querer fazer parte de um processo de fomentação do esporte no país, além de um pedido de sua avó.
“Na verdade, eu sempre fiquei muito fascinada pelo Brasil. Pelo fato de até os 12 anos eu ia para o Brasil. Então eu sempre fiquei muito fascinada pelo Brasil, sua cultura e todo o país. Minha avó sempre falava para eu fazer isso [representar o Brasil]. Depois, em 2012, eu pensei… Como eu tenho um projeto maior, que é de divulgar a esgrima como arte, projeto social, humano e tudo. Meu compromisso com a esgrima não é ser somente uma atleta, é realmente divulgar a arte para o mundo inteiro. Então eu achei que em 2012 foi um momento chave na minha vida, muita coisa estava mudando e achei que tudo que eu tinha ganhado com a Itália, já tinha acabado”, falou.
Nathalie crava aposentadoria em 2020
Nathalie irá disputar o Pan-Americano, em Lima, neste mês. Ela embarca no próxima dia 5 e inicia os combates no dia 9. Questionada sobre favoritismo, ela admitiu, mas acredita que isso não é o fator importante para definir o vencedor. Além disso, ela revelou que a Olimpíada de 2020 será a sua última competição oficial antes de se aposentar.
Depois, ela tem planos de focar no seu projeto. Empresária, ela fundou Cinco Toques, companhia que tem como objetivo desenvolver o esporte no Brasil de maneiras diferentes.
“Eu, realmente, quero que esse projeto divulgue a esgrima através de formas de comunicação que não são só aquelas do esporte. Por exemplo, o serviço terá cinco categorias: organização de eventos, fitness a domicílio, uma linha de moda, um serviço de ajuda de preparação mental e preparação física. São esses cinco toques. O que eu estou fazendo é um branding. É fazer da esgrima um branding, utilizando a minha imagem de campeã mundial”, finalizou.
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