“Um brasileiro ter feito o que eu fiz era impensável”, afirma Guga

  • Por Agencia EFE
  • 17/11/2014 13h38
Guga

Gustavo Kuerten completou um dos sonhos de sua vida em 2000, em Lisboa, quando se tornou no primeiro e único brasileiro a ganhar as Finais da ATP, título que uniu aos seus três Roland Garros, em uma carreira abreviada por causa das constantes lesões no quadril.

Quatorze anos depois da conquista, obtida ao derrotar os americanos Pete Sampras, nas semifinais, e Andre Agassi na grande decisão, Guga pisou pela primeira vez na O2 Arena, em Londres, onde o sérvio Novak Djokovic levou o quarto título das Finais da ATP, o terceiro consecutivo, após a desistência do suíço Roger Federer.

O tenista contou que o troféu conquistado em Lisboa valeu mais que um Grand Slam. Era inimaginável um brasileiro chegar tão longe. Além de ter vencido Sampras, um de seus ídolos, e depois Agassi, Guga conseguiu a pontuação suficiente para ultrapassar o russo Marat Safin, terminando naquele ano como o número 1 do ranking da ATP.

Também lembrou da necessidade de manter firmes os laços familiares, da dureza do circuito mundial de tênis e admitiu sua admiração por Rafael Nadal, brincando ao afirmar que ainda procura o lugar onde espanhol estacionou sua nave espacial.

O que as Finais da ATP significam para você e o que sentiu ao ganhar o torneio em 2000?

R. Nas Finais da ATP, o jogador tem a possibilidade de dar o melhor de si mesmo. O mais complicado é que ele (torneio) é jogado no final da temporada, algo que na minha época era devastador. Às vezes não aguentávamos. Estávamos arrebentados de tantas partidas durante o ano.

É um torneio especial porque, apesar de gigantesco, as coisas são muito singelas, muito caseiras. Pra mim valeu mais que um Grand Slam porque eu tinha já conquistado dois Roland Garros e as Finais da ATP me colocaram pela primeira vez como número 1. Além disso, tive que enfrentar Sampras e Agassi nas duas últimas rodadas, e venci os dois.

Eu era aquele menino que tinha crescido em Florianópolis, que ganhava esse torneio derrotando seus ídolos, Sampras e Agassi, em dois dias.

Depois, todas as expectativas se completaram quando passei Safin para ser número 1. Desde 2000 não se voltou a repetir algo assim, o último jogo do ano servir para definir quem termina como número 1 do mundo na temporada.

Tudo isso aumentou o dramaticidade, significou o melhor momento da minha carreira. Mas só senti essa satisfação depois de alguns meses.

Como se sente um campeão das Finais da ATP no momento da vitória?

R. O tenista, quando desenvolve esse sentimento de campeão, a cabeça não para. Minha vida era muito tranquila, comer, ir à quadra e descansar. O tênis é simples, mas não é fácil. Não há mistério, mas é muito duro chegar ao posto de número 1.

Eu tinha a necessidade de abraçar minha família, o Larry (Passos, treinador) e tê-los no meu entorno. O esforço que fiz em minha carreira foi muito maior do que o dos americanos ou europeus. Um brasileiro ter feito o que eu fiz era impensável.

Fica o sabor da vitória, a alegria e a felicidade que chegaram após dez anos. Depois, quando minha carreira estava em ascensão chegaram as lesões importantes, e, com 28 ou 30 anos, tive sensações muito distintas. Tudo ocorreu foi de forma muito fugaz, mas também me senti muito imponente.

Que jogador do passado mais o impressionou?

R. Sampras, pela distância técnica que havia entre ele e eu, porque ele tinha características especiais. Lembro de Lisboa, do “partidaço” que fiz e como ganhei, sofrendo como um louco e aproveitando cada oportunidade mínima que tive. Ele controlou o jogo todo e isso me deixava maluco.

Estava nervosíssimo por jogar contra a estrela e até esqueci de volear no aquecimento, mesmo já sendo o nº 5 do mundo. Considero que foi a maior vitória que tive em minha vida, combinada com a melhor atuação que já fiz, na final contra Agassi.

Após as lesões, Nadal voltará a ser o mesmo jogador em 2015?

R. Eu não duvido nada. Ele faz coisas que nenhuma pessoa pode fazer. Eu me pergunto sempre onde ele estacionou a nave espacial. Ganhou tantas vezes Roland Garros, um torneio no qual é preciso suar e suar. Já venceu em Paris doente, cansado. De dez levou nove. O que podemos dizer? Pode operar dez vezes e ele volta a vencer. Observe a última final, como ele virou o jogo. Se não vira, seria a surpresa. Ainda com várias lesões, sempre esteve entre os três primeiros do mundo.

Voltou e foi número 1 no ano passado, talvez o fato mais impossível do tênis. Se lesionou e voltou para jogar contra os dois melhores da história, Djokovic e Federer, e foi capaz de recuperar o topo nessas condições. Por isso não duvido nada dele. Estou de olhos bem abertos porque acredito em boas surpresas.

Você não fica aborrecido de ver sempre os mesmos vencendo?

R: Há uma grande distância entre os melhores e os excelentes. Não deveria haver tanta diferença, e este distanciamento já dura quase dez anos. Sinto saudades de mais campeões, Quantos ganharam Grands Slam nos últimos dez anos? Sem este ano, são apenas quatro. Com este ano, seis.

A falta de ânimo de ganhar dos campeões faz com que se os atletas se convençam que não vão vencer de antemão. Vejo que no terceiro game eles já estão desistindo. Nós fazíamos qualquer coisa, falávamos com os torcedores, com o treinador, com a raquete… É preciso mostrar mais luta e haverá saída. E hoje isso não ocorre.

Vejo as partidas e as pessoas estão roncando. Por isso, sentimos tanta a falta do Nadal. Ele é uma pólvora, uma dinamite constante.

É essa a diferença que você vê em relação à sua época?

R: A diferença é que eles agora fazem tudo, o tempo todo, na velocidade máxima. Eles são constantes e, além disso, tem muito controle. Isso é espetacular. O tênis chegou a um nível de beleza que você pode assistir a uma partida de cinco horas, mesmo assim, eles estão jogando melhor do que no início.

Qual foi sua maior decepção profissional?

R: Minha maior decepção foi a minha lesão. Me tirou cinco ou seis dos melhores anos da minha vida. Respeito o circuito, mas a concorrência é tão grande que às vezes desumaniza aos jogadores.

Agora o circuito é mais humano, mas nós fomos cobaias, com partidas de cinco sets, obrigações de jogar todos os torneios para ser número 1. Nos matávamos. Lembro de ter jogado com Ferrero cinco sets em Roma, dois dias depois, em uma terça-feira, já estava na quadra para jogar de novo, e não havia outra possibilidade. Esse nível de exigência me decepcionou.

 

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