Vitória sobre o medo: as vezes em que o futebol parou guerras e salvou vidas

  • Por Jovem Pan
  • 17/11/2015 23h43
Montagem sobre Folhapress/Santos FC/Youtube Governo brasileiro ajudou o Haiti com amistoso em 2004; na Ucrânia e na Nigéria

Os amistosos entre Bélgica e Espanha, em Bruxelas, e entre Alemanha e Holanda, em Hannover, marcados para esta terça-feira (16), foram cancelados por conta de riscos de ameaças à segurança. O cancelamento são consequência do clima de medo vivido na Europa depois dos atentados do Estado Islâmico em Paris na última sexta-feira. Infelizmente, no caso dos amistosos, o medo e o terror venceram.

No entanto, nem sempre isso acontece. A história mostra que, em diversas oportunidades, o futebol mostrou sua força ao se transformar em agente da paz e parar guerras e salvar vidas. O Jovem Pan Online conta, abaixo, a história de cinco emocionantes e emblemáticos casos dessas vitórias que transcendem os gramados.

A salvadora camisa corintiana

O jornalista brasileiro Humberto Kinjô se exilou no Chile em 1970, fugindo da repressão da ditadura militar. Para seu azar, em 11 de setembro de 1973 um golpe tirou Salvador Allende do poder e colocou o general Augusto Pinochet em seu lugar. Como passou a ajudar perseguidos políticos, Humberto, junto de sua esposa Marina, se tornou um deles e logo passou a ser procurado pelas autoridades. Eles encontraram a segurança ao se asilar na embaixada de Honduras, onde viveram por alguns meses.

Como outros perseguidos chegaram à embaixada, o exército passou a vigiar a entrada do local com os guardas “carabineiros”. No entanto, cinco militantes de esquerda ainda tentavam o asilo. Para entrar, precisavam despistar os guardas. Conversando com os carabineiros, Humberto descobriu que um deles, de aproximadamente 20 anos, era fã do futebol brasileiro, especialmente de Rivelino. O jornalista, então, comprou a complacência do jovem com uma camisa do Corinthians usada por Zé Maria em clássico contra o Palmeiras no ano anterior. O guarda desconfiou do número 2 do uniforme – Rivelino usava a 11 –, mas Humberto disse que o craque tivera de substituir o lateral e usara sua camisa.

Funcionou. Os cinco militantes foram abrigados na embaixada e escaparam da prisão e, provavelmente, da morte pelas mãos do regime militar chileno. A história foi publicada pela primeira vez na revista Placar de dezembro de 1979, com texto escrito pelo próprio Humberto Kinjô.

O Dínamo de Kiev e o “jogo da morte”

Uma das histórias mais épicas do futebol mundial. Em 1941, a Alemanha nazista quebrou o pacto de não agressão com a União Soviética e invadiu a Ucrânia. A população do país passou então a ser vítima de prisões, escravidão e mortes em campos de concentração. Para dar uma aparência de normalidade à situação, os alemães permitiram a realização de um campeonato nacional de futebol. Nele, o Dínamo de Kiev, rebatizado como FC Start, começou a se destacar. No entanto, só chamou a atenção das autoridades quando goleou o PGS, time da unidade militar nazista, e o Flakelf, formado por membros da Luftwaffe, a força aérea alemã.

Para não colocar em dúvida sua suposta superioridade racial, os nazistas marcaram uma revanche entre o FC Start e o Flakelf no dia 9 de agosto de 1942. Os jogadores ucranianos sabiam que vencer o confronto seria quase assinar a sentença de morte. No entanto, para não se curvar diante dos inimigos, eles, a despeito da má vontade do árbitro, venceram por 5 a 3. Nos dias seguintes, as autoridades alemãs prenderam diversos atletas do FC Start, e quatro deles – Nikolai Korotkykh, Nikolai Trusevich, Ivan Kuzmenko e Alexei Klimenko – foram mortos. Em sua homenagem, foi construída uma estátua em frente ao estádio.

Santos e Pelé parando uma guerra

Entre os grandes feitos a carreira de Pelé, está o de ter parado uma guerra, segundo dizem. Na verdade, não foi só o Rei do Futebol, mas todo o time do Santos que conseguiu o feito ao visitar a cidade de Benin, na Nigéria, em 4 de fevereiro de 1969. Na época, a região passava pela Guerra Civil Nigeriana, entre o país africano e a república separatista de Biafra. O Peixe venceu a Seleção do Meio Oeste e, segundo relatos dos jogadores, enquanto esteve no local, os conflitos cessaram. Logo que a equipe entrou no avião para ir embora, eles voltaram a acontecer.

A guerra acabou em 1970, com a Nigéria derrotando os separatistas, cujos líderes acabaram perdoados.

A Seleção, o Haiti e o “Jogo da Paz”

O sofrido Haiti, assim como a Nigéria, também passava por uma guerra civil em 2004, guerra esta iniciada em janeiro daquele ano. O governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva tomava iniciativas para ajudar o país e, para contribuir com a campanha pelo desarmamento da população, enviou a Seleção Brasileira para disputar um amistoso com a seleção local.

A equipe nacional foi escoltada pela polícia no caminho até o Estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe, e acompanhada por milhares de haitianos. A ajuda, no entanto, ficou apenas fora de campo: no jogo, Ronaldinho Gaúcho (três), Roger Flores (dois) e Nilmar construíram a goleada por 6 a 0. O mais importante, contudo, foi chamar a atenção para a situação calamitosa do país da América Central.

Drogba e a guerra na Costa do Marfim

Didier Drogba era uma das vozes que pedia pelo fim da guerra civil entre o governo da Costa do Marfim e rebeldes vindos de Burkina Faso, que se iniciou em 2002. Mas o atacante do Chelsea foi além dos pedidos: durante um frágil cessar-fogo em 2007, ele prometeu que a seleção do país jogaria na cidade de Bouaké, berço dos rebeldes. E assim foi: Drogba usou sua influência para convencer a federação marfinense a realizar na cidade a partida contra Madagascar, em 3 de junho de 2007, pelas eliminatórias para a Copa das Nações Africanas.

A Costa do Marfim venceu com facilidade, por 5 a 0. Ao final do jogo, Laurent Gbagbo, presidente do país, e Guillaume Soro, chefe dos rebeldes, apertaram as mãos pela primeira vez. No dia seguinte, os jornais do país escreveram: “Cinco gols para acabar com cinco anos de guerra”. Naquele mesmo ano de 2007, o acordo político de Ouagadougou pôs fim à guerra.

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