Constituição deficiente agrava guerra entre Bolsonaro, Supremo e o crime
Lembrai-vos de Ulysses Guimarães: “A transição é assim: o novo não chegou, o velho não quer sair; então há um choque, uma dificuldade”
Agosto ficou conhecido como “mês do desgosto” por causa do suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Neste mês que termina, o país enfrenta o que parece ser a mais grave crise institucional da história. No mês que começa, tudo indica que teremos uma das maiores manifestações de rua da história. Uma multidão de gente se programa para sair às ruas no dia 7 de setembro. O feriadão da Independência será comemorado em um estilo nunca antes ocorrido. Tradicional data de desfiles militares, foi transformada pela esquerda em “Dia de Grito dos Excluídos” e, agora, a direita-conservadora convoca para um ato popular em defesa e a favor da liberdade. Antecipadamente, o movimento já ficou muito maior do que Jair Bolsonaro, aquele que o convocou. O povo, que detém o legítimo poder soberano e supremo, estará no comando da operação patriótica. O establishment nunca esteve tão preocupado, na verdade, tenso. A expectativa é enorme. Muitos apostam em uma espécie de “Dia D”. Todos se perguntam: o que acontecerá depois, se a manifestação for bem sucedida, maior que o previsto? Saberemos a resposta brevemente. O bom conselho é não morrer por ansiedade, antecipadamente. Bolsonaro parece pronto para o tudo ou nada. No poder ele já está. Será que o Poder Supremo realmente acha que pode mais que o Presidente da República?
O caos institucional atual nos obriga a retornar no tempo. Em 1987, durante a presidência dos 20 meses de trabalhos da Constituinte que promulgaria nossa sexta Carta em 5 de outubro de 1988, o deputado Ulysses Guimarães reclamava do que qualificava como “transição frágil” (naquele caso dos governos militares para a gestão civil de José Sarney, ainda um presidente eleito indiretamente por um colégio eleitoral, e não pelo voto direto). Segundo Ulysses, que na época acumulava as presidências da Câmara dos Deputados, da Constituinte e do PMDB, “era mais fácil matar um monstro do que remover seus destroços”. Ulysses definiu o drama tupiniquim naquele momento, que é muito parecido com o que vivemos agora, na “Era Bolsonaro”, que também é (ou deveria ser) um governo de transição para um Brasil melhor: “A transição é assim: o novo não chegou. O velho não quer sair. Então há um choque, uma dificuldade”. No dia em que se promulgou a Carta de 1988, Ulysses fez um outro discurso cujo trecho é essencial de ser lembrado pelos brasileiros neste momento perigosamente crítico de uma ruptura institucional que já aconteceu e que só não desandou para uma guerra civil por puro milagre. O recado pretérito de Ulysses deveria ser lembrado por todos, principalmente os 11 integrantes do Supremo Tribunal Federal que se viciaram (ops, se acostumaram) a “interpretar” a prolixa e mal regulamentada Constituição em vigor, que diversas vezes é “rasgada” ao sabor dos interesses e pressões políticas e econômicas. O velho Ulysses Guimarães comentou em 5 de outubro de 1988, na mesa da presidência da Câmara dos Deputados: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”.
O que temos presenciado, ultimamente, é uma série de descumprimentos e afrontas à Constituição Federal – por pior que ela seja e precise ser atualizada, com a máxima urgência, pois é a base legal que promove e “legitima” uma série de abusos, desrespeitos e violações institucionais. Por isso, não adianta centrar críticas pessoais aos indivíduos que compõem o Supremo Tribunal Federal, uma Corte que cumpre a função surreal, quase impossível, de julgar (?) mais de 100 mil processos por ano. Na realidade, na esmagadora maioria dos casos, os 11 ministros decidem, com previsível lentidão, sobre aquilo que vários assessores escrevem para eles, com base na “Carta Jabuticaba”. Alguém duvida que a qualidade dos julgamentos possa deixar a desejar? Sem falar nas inegáveis pressões impostas aos magistrados, nos bastidores, pelas poderosas, influentes e bilionárias bancas de advocacia nacionais e transnacionais. Tudo isso consolida o Brasil como uma “Anarquia Feudal”, sob o comando dos “Donos do Poder” que formam uma oligarquia e uma aristocracia do atraso, especializada em parasitar e sugar os recursos estatais que a sociedade paga via impostos escorchantes. Esse modelo de Estado Capimunista é que a maioria da população não aguenta mais. O Brasil dos honestos, que trabalham, estudam e produzem, não suporta mais sustentar os parasitas que se locupletam no mecanismo do crime institucionalizado. O povo vai para a rua no 7 de setembro para lutar pela liberdade e exigir um basta à ditadura criminosa que é legitimada pela Constituição feita por parlamentares que não foram eleitos para ser constituintes. Enquanto o Brasil não discute uma nova (a sétima), jogar “dentro das quatro linhas da atual Constituição” pode significar jogar o jogo do inimigo.
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