O que adianta sentar na cadeira de presidente e assistir ao STF governar com apoio do Congresso?  

  • Por Jorge Serrão
  • 31/08/2022 18h13
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Carlos Moura/SCO/STF - 18/05/2022 Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luiz Fux conversam amigavelmente Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal

Tem intelectual (orgânico) e escritor brilhante. Até o dia em que o gênio entra em estágio de loucura total. Aconteceu na ficção. Em 1977, peruano Mario Vargas Llosa, consagrado Prêmio Nobel de Literatura, escreveu um livro antológico, engraçadíssimo: “Tia Júlia e o Escrevinhador” (Nova Fronteira, 1983). A obra se passa na década de 50, Era  de Ouro das novelas radiofônicas. Resumo dela é que um brilhante autor, Pedro Camacho, endoida e começa a confundir personagens e enredos das diversas estórias que escreve. Doideira semelhante pode ter acontecido, na vida real, com um brasileiro. Tem muita gente em Brasília e alhures especulando se o autor de “Direito Constitucional” (Editora Atlas, 2003) não estaria bagunçando tudo que escreveu de bom. A diferença é que o candidato a Pedro Camacho tupiniquim tem poder, faz parte de dois tribunais superiores (STF e TSE) e vai comandar a eleição de 2022. Curioso é que o livrão dele, de 594 páginas, começa com a epígrafe bíblica, o famoso Salmo de David, 22-23: “O Senhor é meu Pastor e nada me faltará… Guia-me pelas veredas da Justiça por amor ao Seu nome”.

Alexandre de Moraes nos ensina no começo de seu livro: “O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamentais. (…) Como produto legislativo máximo do Direito Constitucional encontramos a própria Constituição, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou linha de direção para o futuro”. Pergunta que qualquer leitor, do mais simples ao mais genial, deve estar se fazendo: “Será que está valendo, no Brasil, o que o brilhante jurista escreveu?”. Ou a tal de “Juristocracia” tem bagunçado a normalidade institucional e corrompido o Estado de Direito?

Um amigo meu, um dos poucos altos oficiais das Forças Armadas com profundo conhecimento jurídico, chama atenção para a gravidade do problema: “A Juristocracia é só o upstream da oligarquia moderna. O poço é muito mais fundo. A estratégia está montada e nem a imprensa dita livre comenta isso… No EB (Exército Brasileiro), chamamos de manobra de finta ou simulação. Enquanto se propaga aos quatro ventos a narrativa de autoritário, fascista e golpista do atual 01 (Presidente da República), a Juristocracia subverte o direito e a moralidade pública, extrapolando todos os limites, justamente para gerar a reação que possa ser caracterizada como autoritária. E enquanto isso não acontece, avança-se com as medidas mais abjetas possíveis para desestabilizar o país e consolidar os interesses oligárquicos. O pulo do gato dessa estratégia é saber que o limite das FFAA para atuarem é bastante elástico, justamente porque não se quer repetir o fundamento histórico de 1964. Estratégia simples, sutil, e por isso está funcionando perfeitamente pelo fato de que o Senado é refém, parecendo que não há solução dentro das linhas constitucionais”.

O que botou mais combustível no incêndio da crise institucional foi a recente decisão suprema contra empresários que são investigados por suposta incitação golpista, com base no que trocaram de mensagens no aplicativo WhatsApp. Até uma parte da velha imprensa que faz oposição ao governo Bolsonaro criticou. Um editorial do Grupo Bandeirantes de Comunicação reclamou contra o que chamou de “desatino do Judiciário”, indagando: “O Brasil vai ter que conviver com um ministro que virou mandante de operações ilegais, um ministro justiceiro?”. Em 30 de agosto, o “Estadão” manchetou: “PF não pediu quebra de sigilo bancário e bloqueio de contas de empresários bolsonaristas; Alexandre (de Moraes) atendeu ao pedido de Randolfe (Rodrigues, senador)”. O episódio se transforma em uma novela louca do personagem Pedro Camacho quando o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, amigo de um dos empresários, também se torna alvo provável de “investigações” de mais um apêndice supremo do famoso “Inquérito do Fim do Mundo” (royalties para Marco Aurélio de Mello, ministro recém-aposentado do STF).

A professora de processo penal Thaméa Danelon listou dez pontos absurdos da ação contra os oito empresários: 1) Os empresários não têm foro privilegiado no STF, logo, não poderiam ser “investigados” ou julgados pela Suprema Corte (Art. 102, CF); 2) O ministro Alexandre de Moraes seria uma “suposta vítima”, assim, estaria impedido para ser relator do caso (Art. 252, IV, CPP); 3) Os supostos crimes (inexistentes) estão sendo investigados em inquérito ilegal (“milícias digitais”), pois foi aberto de ofício pelo STF (sem pedido da Polícia ou PGR), com violação do sistema acusatório; 4) As conversas privadas foram obtidas de forma indevida, com violação da INTIMIDADE protegida pela Constituição. Logo, seria uma prova ilícita (Art. 5o, inc. X, XII e LVI, CF); 5) Os crimes contra o Estado Democrático de Direito pressupõem uma VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA, contudo, não se tem notícia que os empresários (senhores de 60, 70 e 80 anos) praticaram essas condutas contra qualquer Poder da República (Art. 359-L e 359-M, CP); 6) O PGR não foi ouvido previamente à operação, pois o parecer do Ministério Público deve ser oferecido ANTES de o juiz decidir sobre uma busca e apreensão (Art. 18, II, h, Lei 75/93); 7) O perfil do empresário Luciano Hang no Instagram foi bloqueado, sem que fosse indicada qual mensagem enviada por ele no grupo de empresários teria eventual conteúdo ilícito; 8) O eventual bloqueio de contas bancárias dos empresários seria completamente desproporcional, e não se presta a apurar o “suposto crime cometido pela palavra escrita”. A análise dos extratos bancários não será necessária para provar o “eventual delito” investigado; 9) Os advogados ainda não tiveram acesso à decisão que determinou as buscas e apreensões e os bloqueios das redes sociais, fato que viola o princípio da ampla defesa (Art. 5o, LV, CF); 10) De acordo com o que foi divulgado, tem-se, apenas, conversas privadas trocadas por senhores sobre política; algumas críticas ao sistema de apuração de votos e ao STF; críticas essas que NÃO CONFIGURAM CRIME, apenas a LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

Um outro amigo com profundo conhecimento jurídico, mas que não é militar, adverte que nem as Forças Armadas, amadas ou não, terão condições de garantir a plena segurança do processo eleitoral: “O decreto do presidente (11.172/22), que autoriza o emprego dos militares para garantir votação e apuração da eleição, é executado nos termos do Tribunal Superior Eleitoral. Não muda nada! É triste ver o presidente sem conhecimento jurídico sobre urna eletrônica. É muito ruim a assessoria jurídica do homem mais importante do país. O espantalho sofístico dos lagostíssimos segue invicto. Nesse jogo, escalaram a informática contra a magistratura. É óbvio quem perde! O presidente pode até vencer a eleição, mas enfrentará um Congresso vermelho escolhido pelo sistema. O que adianta sentar na cadeira de presidente e assistir ao STF governando com apoio do Congresso? E a nova Lei do Impeachment está sendo costurada no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski… E, no Congresso, tem outra articulação para implantar um semipresidencialismo… Não por acaso”. Os cidadãos mobilizados para o 7 de setembro precisam debater essas questões cruciais para a construção e consolidação da democracia no Brasil.

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