STF é o maior cabo eleitoral de Bolsonaro contra Lula
Apesar de especulações levianas, não há condições conjunturais para uma mega-fraude eleitoral que impeça a reeleição do presidente; oposição segue perdida, sem agenda e sem mobilização popular
“Se um ato é praticado com desvio de finalidade, o Judiciário, provocado, deve, necessariamente, intervir. Hoje, por falta dessa percepção própria da separação dos Poderes, surgem conflitos, digamos assim, equivocados, de Poderes. Efetivamente que o Executivo pode praticar atos inerentes ao Executivo, mas estes atos têm de passar pela lente da Constituição”. Traduzindo e resumindo essas declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em recente evento promovido pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip): “O Judiciário pode rever atos dos demais Poderes”. No final das contas, essa é a justificativa “lógica” para a vigência da “Juristocracia”. Acionado (política e juridicamente), pelo mecanismo judiciário ou por iniciativa de partidos, associações ou organizações não-governamentais, a magistratura (da primeira instância ao Poder Supremo) ganha permissão para intervir (ou interferir) nas decisões dos Poderes eleitos pelo povo (Executivo e Legislativo). Tudo conforme a “constitucionalidade” ou de acordo com a “interpretação” que se faz da Constituição. Detalhe importante: o fenômeno é mundial. Mas parece explícito no Brasil, em meio a uma guerra (sem fim?) de todos contra todos os Poderes.
Novidade é o efeito-colateral do tão criticado “ativismo judiciário” na vida pública brasileira. O protagonismo (exagerado, legal, mas não politicamente legítimo) do Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo é um dos fatores de peso mais relevantes na eleição de 2022. A “Juristocracia” se transforma em um fenômeno percebido pela maioria esclarecida da opinião pública. Por isso e em função disso, se torna não só um alvo dos discursos dos políticos. Torna-se uma motivação para a campanha. O presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados (federais e estaduais) e vereadores se mobilizam para criticar a interferência excessiva do Judiciário sobre as ações governamentais e legislativas. Neste caso, pouco importa se a “intervenção” ocorre por erros do Executivo ou por falha e omissão do Legislativo. O fato concreto é que o poder não-eleito (provocado ou não) exerce um protagonismo que ganha ares excessivos. Assim, começa a ganhar consenso entre os políticos que o reequilíbrio entre os Poderes precisa ser restabelecido de fato – e não só na letra fria da legislação.
A regra é clara! A Constituição de 1988 (que tem espírito “congressualista”, mais parlamentarista que presidencialista, e não necessariamente judiciária) deixa claro logo no Art. 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Depois de ressaltar a importância do “Poder Originário” (o “Povo, que é Supremo”), o Art. 2º deixa claro, nessa ordem hierárquica: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Ou seja, o redator da Carta Magna prioriza o poder de quem é eleito pelo Povo. Nada tem escrito sobre quem seria o “Poder Moderador”. Tal figura, que só existiu na Constituição do Império do Brasil, era exclusiva do Imperador. Nunca foi delegada a um magistrado. Por isso, não tem validade (muito menos legalidade ou legitimidade) a versão, autoproclamada por alguns ministros do STF, de que os 11 supremos-magistrados seriam os “moderadores”. Se “vale o que está escrito”, essa “tese” não tem validade. O caldo institucional entorna quando magistrados resolvem fazer política (neste caso, com P minúsculo), “legislando” ou “governando”, através de “interpretações” e decisões jurídicas (com base ou sem base constitucional). Isso foge ao papel original de um magistrado.
O caso Daniel Silveira serviu para expor a distorção no exercício e a desarmonia entre os Poderes. Aberto pelo ministro Alexandre de Moraes, o chamado “Inquérito do Fim do Mundo” (royalties para o ministro aposentado do STF Marco Aurélio de Mello) processou o deputado federal por excessos verbais que ele cometeu em um vídeo no qual atacou membros da Corte Suprema. O assunto colocou em xeque o artigo 53 da Constituição, cuja redação é claríssima: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. O STF utilizou contra o parlamentar o Parágrafo 1º: “Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. A autorização para processar dependeria da Câmara dos Deputados – que cometeu o equívoco político de autorizar, por 384 votos. O arrependimento veio na mesma velocidade máxima em que o STF condenou Silveira, por 10 a 1. Mas, antes precisou que o presidente Jair Bolsonaro concedesse a surpreendente “graça constitucional” do perdão ao condenado – que passou de “errado” a “vítima” do rigor seletivo do Poder Supremo. Agora, o poder togado questiona e polemiza se Silveira está elegível ou não. Fato irônico é que ele pode até se candidatar e terminar eleito senador – para “fiscalizar” a atuação dos membros do Supremo. Às vezes, o destino cospe para o alto…
O establishment e partidos da base aliada de Bolsonaro querem sabotar as pretensões de Silveira – que é filiado ao PTB (curiosamente, o partido que tem mais envolvidos no IFM – Inquérito do Fim do Mundo). Em tese, o “perdão” concedido pelo Presidente da República a Daniel Silveira não pode ser relativizado. Mas, em tempos de “Juristocracia”, tudo é possível. Vale tudo, e não vale nada?! O correto seria que só a urna eletrônica teria condição política de determinar o que vai acontecer ou não, em 2 de outubro. Só que não… O fato concreto é que a confusão e insegurança jurídicas têm repercussão política direta. O caso Silveira mexeu com o “espírito de corpo” dos políticos. Acabou fortalecendo a aliança firmada por Jair Bolsonaro com a base aliada no Congresso. Todos focados e interessados em uma coisa só: a reeleição. Por ironia da História, o “excesso de moderação suprema” acabou se transformando no maior cabo eleitoral de Jair Bolsonaro e seus aliados na disputa eleitoral polarizada contra Luiz Inácio Lula da Silva – justamente o que foi “descondenado” por uma espécie de golpe institucional do STF sobre três instâncias soberanas do Judiciário que reafirmaram, confirmaram e corroboraram a condenação de Lula por corrupção na Lava Jato. Na verdade, Lula foi recolocado no jogo para fustigar Bolsonaro e induzi-lo a um erro politicamente fatal, até surgir alguém para “terceira via”. Só que não surgiu…
Assim, o jogo promete ficar mais tenso até a decisão final eleitoral. Vale resumir a gravidade da situação institucional. Alguns ministros do STF insistem na suicida tática de guerra aberta a Bolsonaro. A questão é que não percebem o risco da manobra: além do desgaste de imagem do STF, abrem espaço para fortalecer uma “frente” do Executivo & Legislativo versus o Judiciário. Bolsonaro continua conquistando cada vez mais apoio político para o enfrentamento ao “poder supremo”. O presidente tem apoio popular. Por isso, a tensão institucional está longe de relaxar – apesar de discursos irrealistas como o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ou de manifestações da mídia oposicionista (que só colaboram para aumentar a temperatura no inferno). No enfrentamento, a reeleição de Bolsonaro se consolida. Inimigos temem que ele vença no primeiro turno, porque o PT derrete e nada indica que a terceira via surgirá com viabilidade. A oposição perdida, sem agenda e sem mobilização popular perde o jogo de véspera. Não há espaço, nem condição conjuntural para uma fraude eleitoral contra Bolsonaro – que só perde se a condição econômica se deteriorar demais. Não há indicativos realistas para tamanho caos. Dessa forma, contra a Cleptocracia e insatisfeito com a “Juristocracia” o eleitorado do Brasil segue em ritmo de “Jair ou Já era”…
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