A condenação por reivindicar Justiça na China

  • Por Agencia EFE
  • 08/12/2014 10h09
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Tamara Gil.

Pequim, 8 dez (EFE).- A mais de duas horas do centro de Pequim fica “a cidade dos peticionários”, um conjunto de barracos de cidadãos que vivem pedindo justiça na China e que fazem parte de uma lista negra do regime que os impede de ter trabalho ou uma casa digna.

Wang, de 60 anos, vive em seis metros quadrados junto a seu marido e esconde uma pequena latrina debaixo do colchão para emergências que, infelizmente, se multiplicam em seu dia a dia.

Suas opções são limitadas: sair para o descampado a fazer suas necessidades em frente a seus vizinhos ou caminhar durante 20 minutos até o banheiro público mais próximo.

“Saio para coletar verduras pela rua, mas apenas quando anoitece. Dá vergonha quando me veem”, confessa à Agência Efe entre lágrimas, enquanto prepara alguma coisa para comer com os poucos alimentos que tem e os muitos convidados que se reúnem hoje neste pequeno espaço, cidadãos que também moram no “povoado” e que querem contar sua história.

A sua é a de uma economista-chefe de uma grande empresa que acabou sendo degradada e imediatamente demitida com uma indenização muito inferior à que lhe correspondia por seus anos de direção.

“Queriam culpar alguém. Tentei reivindicar por todos os meios e a única coisa que recebi foi as torturas dos campos (prisões extrajudiciários) e a exclusão social”, rememora Wang.

Tanto ela como as demais pessoas reunidas foram vítimas do mesmo problema: a crescente corrupção em suas cidades e a falta de um sistema judiciário independente que lhes dê uma saída. Diante disso, decidiram se mudar para Pequim para pedir ao governo que intervenha, mas na capital encontraram a repressão.

Na maioria dos casos, as autoridades os detiveram nos recentemente abolidos gulags chineses por um período de até quatro anos sem passar por julgamento e sem outra razão que a de pedir justiça.

Ao sair, seu nome já está “manchado” para sempre. “Na minha carteira de identidade colocaram que sou um doente mental, portanto ninguém me contrata”, explica Wang ao mostrar à Efe as mais de mil cartas que escreveu ao presidente da China Xi Jinping para pedir-lhe ajuda e que entregou ao Birô de Cartas, sem obter resposta.

Jia, de 55 anos, também está marcada e reconhece que fica nervosa cada vez que um policial se aproxima dela. “Eles nos detêm, tanto que na cúpula de líderes do Apec (em novembro) me escondi nas montanhas”, relata a mulher com voz nervosa, e com um tom que vai se elevando à medida que se esforça para contar todos os detalhes sobre como lhe batiam nos “campos”.

“Escreva tudo que você puder”, insiste Jia à Efe, em um cantinho de uma rua às escuras, com o olhar perdido, mas atento a qualquer pessoa que possa se aproximar e talvez representar um perigo.

A mulher vendia sorvete na rua até que um dia a máfia que controlava as barracas de camelô em sua cidade lhe deu uma surra por não acatar “ordens”. Os tribunais lhe deram as costas e agora tem problemas, por causa de sua carteira de identidade, para alugar um apartamento ou um quarto em um motel.

“Os peticionários são como fantasmas que perambulam (…) Uma vez marcados no sistema nacional lhes são vetados muitos de seus direitos, se não todos, incluindo a oportunidade de ficar em um hotel, conseguir trabalho ou inclusive utilizar o metrô em Pequim”, explica Wendy Lin, pesquisadora da Chinese Human Rights Defenders.

Acabam em um lugar conhecido entre eles como “a cidade dos peticionários”, onde em cada casa se viveu algum tipo de tragédia e se conhece bem as violações dos direitos humanos cometidos na segunda maior economia mundial.

A polícia vai de vez em quando a este inóspito lugar – que apesar da pobreza das construções, é infestado de pequenas câmeras de vigilância – e realiza revistas sem nenhum tipo de ordem judicial. “Vivemos em expectativa”, declara Xia Guangquan, um homem de 48 anos, de quem foi retirada sua loja sem motivo e os tribunais rejeitaram aceitar seu caso por estar relacionado com líderes locais.

O homem, alto e de aspecto forte, começa a chorar ao começar a contar como uma decisão “de poderosos” arruinou sua vida, o levou a um gulag quando decidiu reivindicar seus direitos e, após as torturas, lhe trouxe até a “cidade”, que revela a outra cara da Pequim dos arranha-céus.

Segundo alguns especialistas, a nova reforma judicial impulsionada pelo governo em outubro passado ajudará a reduzir este tipo de situações, com medidas que pressionarão os tribunais locais a aceitar mais casos, incluindo aqueles relacionados com as autoridades.

As vítimas da perseguição confiam nos líderes de Pequim, mas não sabem se serão capazes de controlar um país tão grande. “Aqui em Pequim tudo é mais seguro, mas não em nossa casa. Ali nada é”, ressalta a antiga vendedora de sorvetes, para logo depois mostrar à Efe uma mensagem que recebeu em seu celular: “Estamos monitorando vocês”. EFE

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