A guerra da Chechênia, o conflito esquecido
Ignacio Ortega.
Moscou, 11 dez (EFE).- A primeira guerra da Chechênia, um dos conflitos mais sangrentos do final do século XX, completa 20 anos nesta quinta-feira, esquecida pelos russos, que perderam a disputa, e pelos chechenos, que aparentemente enterraram seus anseios por independência.
“A primeira guerra contra a Chechênia iniciada por Boris Yeltsin, o então presidente da Rússia, em 1994, foi um grave erro, mas a segunda, iniciada por Vladimir Putin (atual presidente russo) em 1999, foi simplesmente uma revanche”, declarou à Agência Efe Grigori Yavlinski, dirigente do partido liberal Yabloko.
Durante 21 meses, de dezembro de 1994 a agosto de 1996, o exército russo e os combatentes chechenos travaram uma guerra absoluta que, segundo diversas fontes, custou a vida de mais de 50 mil civis.
“Bem vindo ao inferno”, eram os dizeres de um cartaz nos arredores de Grozni, capital da Chechênia, antes considerada uma das mais belas cidades do Cáucaso Norte, e que após o bombardeio russo foi comparada a Dresden, cidade destruída por bombardeios dos Aliados, em 1945.
Grozny, cidade na qual vivia um grande número de russos que trabalhavam no setor petroquímico, foi tão fortemente bombardeada pelo exército russo nos três primeiros meses da guerra que nela restou apenas um edifício em pé.
“Houve uma crueldade ilimitada por ambos os lados. Não havia observadores no terreno nem respeito a nenhuma norma ou direito internacional. Vários atos de selvageria e traição foram cometidos”, afirmou Yavlinski.
Um mês antes de o último líder soviético, Mikhail Gorbachev, assinar em 25 de dezembro de 1991 a falência da URSS, a Chechênia proclamou sua independência – após as eleições serem vencidas pelo antigo general soviético, Yojar Dudayev.
No ano seguinte, a Rússia retirou seu contingente militar e entrou em acordo com as autoridades chechenas sobre a repartição do armamento do exército, embora, segundo muitas fontes, grande parte do arsenal tenha ficado com os chechenos.
No entanto, medidas autoritárias introduzidas por Dudayev, a crescente influência da máfia, o descontentamento de boa parte da população chechena e a própria instabilidade política e econômica na Rússia propiciaram a invasão russa.
“Yeltsin ignorou a opinião pública. A maioria dos russos era contra a guerra, inclusive os intelectuais e as elites regionais. Mas ele quis demonstrar pela força que tinha razão, que a Chechênia é parte da Rússia e que deve ser subordinada ao Kremlin. O diálogo com bombardeios não leva a lugar algum”, declarou Yavlinski.
No entanto, o que devia ser “uma pequena guerra vitoriosa”, como a definiu Oleg Lobov, assessor de Yeltsin, se transformou em um triste reflexo da fraqueza do Estado herdeiro da toda poderosa União Soviética.
Cerca de três mil soldados russos morreram nos primeiros três meses de guerra, tempo que levou para que o exército tomasse a cidade de Grozni, na qual os tanques russos foram massacrados em dezembro de 1994 pelas bazucas chechenas.
Segundo a diretora do Comitê de Mães de Soldados, Valentina Mélnikova, no total morreram mais de 14 mil soldados, quase a mesma quantidade de mortes registradas em dez anos de invasão soviética no Afeganistão, enquanto o número de mortos entre os guerrilheiros chechenos foi de cerca de três mil.
O escritor russo-checheno Guerman Saduláyev considera que na Chechênia tenha eclodido uma “guerra civil”, uma vez que, “absolutamente todos os chechenos desejavam a conquista da independência”.
De acordo com as declarações do autor à Efe, aconteceu o início de uma “matança indiscriminada por parte dos russos e, deste modo, mesmo os opositores a Dudayev se aliaram contra o inimigo comum, o exército russo”.
Chechenos de todas as idades, classificados pela televisão russa como selvagens e bandidos sanguinários, se uniram e conseguiram fazer frente a um dos exércitos mais potentes do mundo.
As negociações de paz foram iniciadas e os acordos de Khasavyurt (Daguestão) assinados após o assassinato de Dudayev, com um míssil russo em abril de 1996, e da reconquista da cidade de Grozni em uma ação relâmpago.
Os acordos que incluíram um cessar-fogo, a retirada do exército russo – que deixou o território em dezembro de 1996 – e o desarmamento da guerrilha em cinco anos abriam a possibilidade de iniciar um processo de autodeterminação.
No entanto, os chechenos perderam a paz, já que foram incapazes de estabilizar o território, onde o terrorismo, o radicalismo islâmico e os sequestros ganharam terreno, o que levou Moscou a dar início à segunda guerra contra a Chechênia.
Os militares russos voltaram a invadir o país em outubro de 1999, pouco depois de Vladimir Putin assumir o poder, da incursão de radicais islâmicos chechenos na república russa do Daguestão e de 246 pessoas morrerem na explosão de dois edifícios em Moscou.
“Havia uma série de operações especiais, repito, operações especiais. Este foi o pretexto para a segunda guerra chechena”, disse Yavlinsky, referindo-se ao suposto envolvimento dos serviços secretos russos nos ataques contra os edifícios em Moscou.
Para o dirigente, o maior custo dessas duas guerras foi a “perda do valor da vida humana para os russos”.
Por outro lado, Sadulayev acredita que “a segunda guerra tenha sido inevitável, já que os chechenos não foram capazes de criar um governo democrático, deixando bandidos circularem tranquilamente. A Chechênia se transformara em um reduto terrorista incontrolado”. EFE
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