A história de Kayla e Brian: a Guerra do Iraque em casa

  • Por Agencia EFE
  • 24/02/2014 06h24

Damià Bonmatí.

Austin (EUA), 24 fev (EFE).- Eles se conheceram em 2003 em um posto militar de uma remota região montanhosa no Iraque, mas Kayla Williams e Brian McGough nunca pensaram que a guerra entraria com tanto sofrimento em seu novo lar através da insônia, do alcoolismo, de surtos violentos e do estresse pós-traumático.

“Estávamos incrivelmente bem preparados para a guerra, mas não para as sequelas. Não havia um plano para o depois”, contou à Agencia Efe Kayla Williams, de 37 anos, em Austin (EUA), onde apresenta um livro no qual explica sua vida depois da Guerra do Iraque.

“Brian e eu não nos conhecemos em um lugar romântico, não podíamos organizar um encontro ou sair para jantar, só conversávamos, mas me sentia muito atraída por ele e lhe disse que gostaria de conhecê-lo melhor”, disse.

“Teremos muito tempo quando voltarmos para casa”, respondeu ele na época, sem imaginar que essa frase se voltaria contra eles e se transformaria no título de um livro sobre as consequências da guerra em seu casamento, sua saúde e sua vida.

“Plenty of Time When We Get Home” (“Muito tempo quando chegarmos em casa”, em tradução livre), publicado neste mês nos Estados Unidos, é a segunda obra de Williams, que foi tradutora de árabe no exército americano e escreveu em 2005 “Love My Rifle More Than You” (“Amo meu rifle mais do que você”, também em tradução livre), suas memórias como mulher militar no Iraque e que foram editadas em vários países.

No entanto, enquanto Kayla percorria auditórios e estúdios de televisão falando sobre o primeiro livro, o casal começou a experimentar algo sem nome que não tinham previsto.

Custava a ela não estar “atenta a qualquer ameaça para responder violentamente”, não se indignar em um engarrafamento, em lojas de departamento lotadas ou quando via algo que não estava simetricamente ordenado, por exemplo.

No Iraque, sua experiência foi muito diferente que a da maioria dos soldados: “Quando se vai à guerra, para matar o inimigo, voce tem que desumanizá-lo, não o vê como o filho de uma mãe. Mas falando seu idioma, me via forçada a vê-los sempre como pessoas”.

A volta de Brian, sargento no Iraque e que foi atingido gravemente por estilhaços no crânio, foi mais complicada ainda, e hoje ele sofre, de vez em quando, com depressões, dores de cabeça e mudanças de humor.

Ao voltar, Brian gastava o salário em poucos dias, se esquecia de pagar as contas, não aguentava assistir a filmes legendados por mais de 20 minutos e chegou a ficar seis anos sem conseguir acabar de ler um livro.

Kayla, em processo de recuperação, via seu marido passar as noites diante da tevê, bebia muito, mudava de humor, gritava com ela e uma noite chegou a ameaçá-la com uma pistola. Até que tiveram o diagnóstico definitivo.

Ao contrário da primeira avaliação do exército, o Departamento de Assuntos dos Veteranos em 2006 lhe diagnosticou uma incapacitação de 100% por culpa de um transtorno por estresse pós-traumático.

“O senhor tem problemas com autoridade, com a interação com os outros e a lidar com sua ira. Sofre pesadelos, flashbacks, excesso de bebida, pensamentos intrusivos, hipervigilância, ataques de ansiedade, perdas de memória e redução de libido e apetite”, dizia o relatório médico.

Em um país no qual 2,4 milhões de jovens serviram nas guerras do Iraque e Afeganistão, 256.820 militares receberam um diagnóstico de estresse pós-traumático, segundo o Departamento de Assuntos dos Veteranos.

A ex-militar, que vive no estado da Virgínia, acredita que os veteranos das guerras do Iraque e do Afeganistão devem encontrar novas saídas para sua mentalidade forjada nas forças armadas.

Kayla se tornou assim uma ativista para ajudar veteranos, Brian virou bombeiro voluntário para redirecionar seus impulsos e outros ex-combatentes confiam em sessões regulares de esportes extremos.

E, após anos de dúvidas e problemas para conceber, Brian e Kayla se tornaram pais e melhoraram sua relação. Ela, que quase não chorava desde o Iraque, um dia chorou copiosamente ao ver seus dois filhos brincarem.

“Foi a primeira vez nos oito anos desde a volta que me senti vulnerável, tive medo de perder meus filhos, de não vê-los mais, de me perguntar o que fariam sem mim”, contou. Pensou, humanamente, que não queria morrer. EFE

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