Advogado russo conta a vida de Edward Snowden em romance de ficção
Ignacio Ortega.
Moscou, 4 abr (EFE).- Fechado em um bunker 30 metros debaixo da terra, Edward Snowden contou sua vida a seu advogado, que a romanceou em “Time of the Octopus” (“A hora do polvo”), onde confessa desde sua fracassada tentativa de combater no Iraque até o que o levou a revelar o maior escândalo de espionagem da história dos Estados Unidos.
“Eu não sou um desertor, nem um espião, nem um agente duplo. Sou simplesmente um informador e, além disso, tenho muita vontade de matar o polvo que apanhou com seus tentáculos todo o país, todo o mundo”, afirma no livro Joshua Cold, o “alter ego” de Snowden.
“O polvo” é o termo que o protagonista do livro utiliza para definir a rede cibernética que penetra na vida privada de cada cidadão, ao estilo do filme “Matrix” ou o Big Brother de George Orwell em “1984”.
Embora se trate teoricamente de um romance de ficção, o livro escrito em russo pelo advogado Anatoli Kucherena é na realidade um detalhado repasse da biografia de Snowden desde sua infância até seu recente status de “celebridade”.
Tudo começa em um bunker construído em tempos soviéticos sob o aeroporto de Sheremetievo, aonde Snowden chegou de avião procedente de Hong Kong em 23 de junho de 2013 e esteve enclausurado até que recebeu asilo na Rússia em 1º de agosto.
Kucherena liga o gravador e Snowden (Cold) começa a relatar as vivências que lhe transformaram em um herói para alguns e em um traidor para outros.
“Os EUA são um grande país e nunca o traí. Ele foi traído por outros que alimentaram o polvo com carne humana. Quero que todos saibam que estou orgulhoso de ser americano e que recebi a honra de lutar para que minha pátria seja um país mais livre e feliz”, declara.
Conta também como nasceu no seio de uma clássica família americana de classe média, mas que sua infância não foi um mar de rosas, já que seus pais se separaram e odiava a escola, o que o levou a centrar toda sua energia nos jogos de computador, “minha autêntica salvação”.
Snowden não hesita em rir de si mesmo como quando descreve seu primeiro contato com a espionagem, já que espiava seus vizinhos com um telescópio e os gravava com uma câmera de vídeo mantendo relações sexuais.
Reconhece que era “um cara estranho”, o que não mudou quando ingressou na Universidade de Maryland, onde se destacou como descodificador e estabeleceu seu primeiro contato com um tal Jenkins, representante da Agência de Segurança Nacional (NSA) e que tentou lhe recrutar para que trabalhasse para o governo.
Mas Snowden, que se declara várias vezes “um patriota americano”, recusou a proposta e se alistou nos fuzileiros navais para “restabelecer a democracia no Iraque”.
“Estava disposto a ser enviado a qualquer ponto do planeta com uma arma nas mãos e defender o direito das pessoas à democracia e à liberdade”, afirma.
Mas as coisas se complicaram durante o treinamento quando quebrou as pernas, um dos episódios que o diretor Oliver Stone utilizará para seu filme sobre Snowden, cuja rodagem já começou com Joseph Gordon-Levitt como protagonista.
Uma vez na NSA, Snowden foi enviado em uma viagem de trabalho a Pretória (2008), onde soube da existência do polvo já que descobriu que a agência utilizava a espionagem com fins comerciais, como para abortar um contrato de venda de helicópteros russos.
Suas dúvidas se acentuaram quando, uma vez em Zurique, ajudou um colega a chantagear um executivo alemão de um grande banco para que trabalhasse para os EUA, após o que decidiu abandonar a agência, para o que inventou como desculpa que sofria de epilepsia.
“Desde então, o homem já não era dono de si mesmo, mas era parte de um organismo informático, sua base de alimento”, assinala, se mostrando convencido que os únicos homens livres são os povos aborígines.
Snowden reconhece sua decepção com o presidente americano, Barack Obama, “um politiqueiro não melhor que os Bush ou Clinton”, e admite abertamente sua desconfiança sobre Julian Assange, de quem suspeitava que queria aproveitar-se dele.
A leitura de “1984”, na qual vê refletido não só um regime totalitário, mas o atual Estado americano, lhe enche de coragem para revelar a trama ao mundo, mas conclui que “não se pode escolher um lado” e opta pela imprensa.
É então que decide reunir-se com o jornalista Gleen Greenwald, do jornal britânico “The Guardian”, e a documentarista Laura Poitras, após o que, apesar de uma última advertência de Jenkins, viaja para Hong Kong e daí à Rússia.
Uma vez no bunker, teve momentos de fraqueza por medo das torturas: “Não sei se seria capaz de me matar (…), mas não quero e não posso ir a uma prisão americana”.
O livro termina com a concessão do asilo russo pelo período de um ano, o que foi uma completa surpresa já que contava com a Rússia “só como país de passagem (…) para daí ir ao Equador, Bolívia ou Venezuela”.
“Não me considero um herói, já que atuei em benefício próprio. Não quero viver em um mundo no qual não há vida privada. Isso é tudo”, conclui Snowden. EFE
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