África do Sul celebra 20 anos de democracia em meio a descontentamento social
Marcel Gascón.
Johanesburgo, 26 abr (EFE).- A democracia sul-africana, que teve como grande artífice o falecido ex-presidente Nelson Mandela, completa no domingo 20 anos de um maior bem-estar que muitos países na África, mas longe de ter resolvido problemas graves para a maioria de cidadãos que desconfia de seus dirigentes.
A efeméride será lembrada amanhã, no chamado “Dia da Liberdade”, com um ato de Estado na sede do governo em Pretória, e com shows, cerimônias religiosas e todo tipo de eventos em toda África do Sul.
Em um dia 27 de abril, mas de 1994, os cidadãos não brancos votaram pela primeira vez com plenos direitos em eleições multirraciais que transformaram Mandela, líder do partido Congresso Nacional Africano (CNA), no primeiro presidente negro do país.
Desde aquele histórico dia, o país seguiu sem sobressaltos o caminho democrático e se transformou na primeira economia do continente, após o desmantelamento do regime de segregação racial do apartheid, imposto pela minoria branca até 1994.
No entanto, a gestão dos líderes sul-africanos que sucederam Mandela, que governou de 1994 a 1999, fez crescer nos cidadãos o ceticismo e o mal-estar perante uma classe política cercada por escândalos de corrupção e acusações de inaptidão.
“Temos uma Constituição perfeita, mas não os meios para aplicá-la”, disse à Agência Efe a analista de negócios e ativista lésbica Mantedieng Mamabolo, que se refere a um dos aspectos mais louvados da Carta Magna sul-africana: os direitos que outorga às minorias sexuais.
“Nossos direitos não são respeitados em muitos setores da sociedade”, comentou Mamabolo, de 26 anos, lamentando a incapacidade do Estado de proteger os homossexuais que vivem entre as camadas mais desfavorecidas do país.
“O governo não faz nada para criar emprego e não temos saídas para prosperar”, declarou à Efe o jovem desempregado Sipho Mthembu, em frente a seu barraco no assentamento de Kliptown (Soweto, Johanesburgo).
Mthembu compreende “as dificuldades de reverter em 20 anos” os séculos de discriminação contra a maioria negra do país, mas não vê no governamental CNA – no poder desde 1994 – “um plano” para emancipar os pobres e reduzir a brecha social.
Além desta falta de estratégia, Mthembu denuncia casos “vergonhosos” de abuso de poder como o da reforma da residência privada do presidente do país, Jacob Zuma, na qual gastou- se mais de 15 milhões de euros e que levou a defensora pública, Thuli Madonsela, a pedir ao líder para devolver o dinheiro.
“Foi um exemplo muito importante de integridade para a saúde do sistema”, comentou à Efe o empresário hoteleiro Dirck Pont sobre o relatório emitido há meses por Madonsela sobre essa despesa.
No entanto, Pont não acredita que esse caso vá influir na tradicionalmente grande maioria do CNA nas eleições gerais do próximo dia 7 de maio.
“A maioria do país carece de educação”, afirmou o empresário, de origem holandesa, sobre o que muitos analistas concordam em assinalar como um dos grandes desafios da África do Sul.
Boa conhecedora desse problema é Lindiwe Zulu, professora no instituto público de ensino médio Eqinisweni, junto ao populoso assentamento de Ivory Park, situado entre Pretória e Johanesburgo.
Zulu destaca os muitos “avanços” conseguidos desde 1994, mas também a desmotivação dos professores pelo excesso de alunos, especialmente nas zonas rurais, e as carências do sistema público nos estudos matemáticos e científicos.
Como Zulu, o diretor do instituto, Jabu Kunene, chegou ao centro e a Ivory Park no ano das primeiras eleições democráticas e, desde então, lembra com orgulho que “se construíram estradas e casas”.
“Esta escola funciona. O que quer estudar, estuda, o que não, é porque não quer”, assegurou à Efe Kunene, destacando que o centro oferece a todos os alunos comida e toda sua educação é de graça, algo que não ocorria durante o apartheid.
Perguntado sobre o sistema, o diretor se mostrou frustrado pela falta de educação profissional, que permita formar trabalhadores qualificados e mudar um mercado de trabalho desequilibrado que segue apostando maciçamente na mão-de-obra negra e barata.
A decepção também afeta Pont, que chegou à África do Sul em 1976, para abandonar o país em 1986 pelo clima de guerra civil e retornar em 1994 para as primeiras eleições livres, com a esperança de voltar a um “país normal”.
“Hoje não é normal em absoluto. Aqui não há manutenção, que é o mais importante em qualquer país. (O governo) só conserta as coisas quando se quebram”, lamentou Pont.
Essas carências não aparecem apenas em forma de buracos nas estradas ou cortes de eletricidade para empresários como Pont, mas principalmente nas favelas de todo o país, que viveram este ano violentos protestos contra os deficientes serviços públicos. EFE
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