Análise: Repique da inflação e risco fiscal serão obstáculos para juros baixos no Brasil

Ex-diretores do Banco Central afirmam que não há espaço para novos cortes e que alteração na taxa Selic depende da reação da economia no pós-pandemia

  • Por Gabriel Bosa
  • 16/09/2020 18h59
Bruno Rocha/Foto Arena/Estadão Conteúdo Analistas consultados pelo Banco Central renovaram as previsões para a recuperação da economia em 2021 Fachada da sede do Banco Central

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) em manter a Selic a 2% ao ano encerra o ciclo de estímulos adotado pelo Banco Central em julho de 2019, quando reduziu a taxa de juros da economia brasileira de 6,5% para 6%. Desde então, foram nove revisões consecutivas para baixo, até chegar no menor patamar da história na reunião realizada em agosto passado. O futuro da taxa básica de juros vai depender de como a economia vai reagir ao pós-pandemia com o fim do auxílio emergencial e a possível disparada do desemprego. A revisão da Selic estará atrelada, principalmente, ao comportamento da inflação no cenário de consumo represado e mudanças comportamentais causadas pelo isolamento social.

Ex-diretores do Banco Central afirmaram à reportagem do site da Jovem Pan que não há mais espaço ao BC para reduzir ainda mais a taxa básica de juros neste ano ou no início de 2021. Para eles, o brasileiro deverá se acostumar com a Selic em 2% até 2022, quando então se poderá ter uma perspectiva melhor do ritmo e intensidade da retomada das atividades econômicas. Reinaldo Le Grazie, ex-diretor de Política Monetária do BC e atual sócio da Panamby Capital, afirma que o ciclo de cortes adotados em 2019 já cumpriu com o seu objetivo. “O Banco Central fez o que tinha que fazer, agora as atividades precisam voltar. A partir de agora, o que vai determinar o crescimento econômico é a forma que o governo vai dar na gestão da dívida pública e do déficit fiscal. Tem que ter um plano para voltar a registrar superávit em algum momento.”

A Selic é a principal ferramenta do Banco Central para controlar a inflação, medida oficialmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A meta do BC para a inflação neste ano é de 4%, com variação de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos. Depois de registar inflação negativa em abril e maio — os meses mais impactos pela pandemia da Covid-19 —, o índice vem em crescente constante, e em agosto acumulava alta de 2,4%, ainda abaixo do piso da meta. Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre e ex-diretor de Dívida Pública e Mercado Aberto do Banco Central, o aumento da variação de preços nas últimas semanas não representa o retorno da inflação, mas é incômodo para as autoridades monetárias. “Muita gente está começando a se preocupar com o risco de crescimento de preços. O valor no atacado registrou alta bastante acentuada, e a inflação sobre os alimentos também está pressionando os preços. Isso não quer dizer que teremos inflação novamente, mas é um sinal desconfortável”, afirma.

O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do BC, Carlos Thadeu de Freitas, afirma que manutenção da Selic a 2% ao ano é a única alternativa do Copom para incentivar a retomada da economia em meio ao cenário de alto endividamento do governo para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus nas contas fiscais. “O Banco Central sabe que não tem alternativa e que precisa esperar mais um pouco para mudar a Selic. Se o Brasil ir para o lado certo no controle fiscal, então ele poderá manter a taxa, se não for, os juros terão que subir”, afirma.

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