Após décadas de guerra, Angola começa a produzir primeiros grãos de açúcar

  • Por Agencia EFE
  • 29/08/2014 19h15

Denis Kuck.

Luanda, 29 ago (EFE).- Os primeiros sacos de açúcar produzidos em Angola após três décadas de guerra civil ficaram prontos nesta sexta-feira no jovem país africano, que se tornou independente em 1975 e alcançou a paz há apenas 12 anos, viu sua economia ser devastada pelo conflito interno e precisa importar praticamente tudo o que a população consome, o que dispara o custo de vida local.

A incipiente indústria açucareira do país é fruto de uma parceria entre a Odebrecht e as angolanas Cochan e Sonangol, que investiram US$ 750 milhões para construir a usina Biocom. Além do açúcar, ela produzirá e comercializará etanol e energia.

Na safra 2014/15, a meta é produzir 18 mil toneladas de açúcar, batizado de Kapanda, além de 117 gigawats (GWh) de energia e dois milhões de litros de etanol. Quando a Biocom atingir a maturidade, em aproximadamente quatro anos, o objetivo é chegar a 256 mil toneladas de açúcar, 256 GWh e 23 milhões de litros de etanol.

“A Biocom é uma indústria estratégica para Angola que tem como princípio transferir tecnologia, usar mão de obra local e contribuir para o desenvolvimento ao criar uma indústria de alimentos no país”, disse Carlos Mathias, diretor-geral do empreendimento.

Angola, que já chegou a exportar açúcar durante o período colonial, atualmente importa 75% do produto do Brasil, 20% da África do Sul e 5% de Portugal. A meta de 256 mil toneladas será capaz de abastecer 70% do mercado nacional.

Em uma segunda fase, que ainda depende de aprovação e começaria somente no início da próxima década, o objetivo é duplicar a Biocom, que atingiria uma produção de 512 mil toneladas de açúcar, transformado Angola novamente um país exportador do alimento. Em 2023, a previsão é de que o país se torne o maior fornecedor do produto para o continente africano.

“O açúcar angolano seria mais caro que o brasileiro. O custo para implementar uma indústria do zero é muito maior, e a produtividade ainda é menor. O governo do país, no entanto, já está estudando medidas para proteger o açúcar local, com a taxação das importações, como foi feito no caso da cerveja nacional”, explicou Mathias.

A partir do ano que vem, a gasolina angolana será obrigada a ter 10% de biocombustível em sua composição, o que pode favorecer a produção do etanol, mas a própria Odebrecht não sabe até que ponto a legislação será cumprida, e o foco principal continuará sendo o açúcar.

Além disso, a partir da queima de bagaço, cavaco e resíduos de madeira, a Biocom vai gerar energia suficiente para garantir a autossuficiência da usina. O que não for aproveitado, cerca de 70%, será vendido para a Empresa Nacional de Eletricidade de Angola, que fará a distribuição do excedente, suficiente para abastecer 335 mil pessoas.

A Biocom fica localizada no munícipio de Cacuso, na província de Malange, uma área com clima semelhante ao Cerrado, a cerca de 400 quilômetros de Luanda. O nome do açúcar produzido pela usina é uma referência a Capanda, hidrelétrica que começou a ser construída em 1987 pela Odebrecht, mas que em função da situação no país só foi inaugurada em 2004.

O conflito armado, iniciado logo após a independência e que durou até 2002, com breves períodos de paz, foi uma luta pelo poder entre dois antigos movimentos de libertação, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). A guerra deixou mais de 500 mil mortos e um milhão de deslocados internos.

“Angola ainda é uma criança de 12 anos, e temos muito o que aprender”, disse o ex-combatente angolano João Bernardo, que lutou nos dois lados em conflito e hoje é chefe de recrutamento da Biocom.

“O momento não é de revanchismo. Homens que lutaram em frentes opostas durante a guerra agora dividem o mesmo alojamento na Biocom”, frisou Bernardo.

Os rebeldes da Unita chegaram a invadir a hidrelétrica Capanda, paralisaram as obras e sequestraram funcionários.

“O período de guerra devastou Angola, acabou com tudo, destruiu toda a infraestrutura, economia e indústria do país, que agora está se reconstruindo”, afirmou Fernando Koch, gerente de pessoal e sustentabilidade da Biocom.

Koch faz questão de ressaltar que um dos objetivos da Biocom é capacitar mão de obra local para deixar um legado para o país. Hoje, 2.800 pessoas trabalham na usina, das quais 94% são angolanas e 6% brasileiras.

“Nós, brasileiros, um dia vamos embora. Mas a Biocom permanecerá em Angola e precisará de trabalhadores treinados”, afirmou.

Na capital do país, Luanda, considerada uma das cidades mais caras do mundo, a pobreza convive com a riqueza, e hotéis de luxo estão próximos de favelas. No interior, as principais estradas são salpicadas de casebres rústicos, que formam pequenas comunidades.

O mercado formal é privilégio da elite. A maior parte da população realiza suas compras em feiras de rua.

O açúcar Kapanda será distribuído para a indústria de refrigerantes e aos supermercados, mas também será comercializado livremente em depósitos que serão construídos nas províncias do país.

A Biocom também está implementando em Angola um projeto de desenvolvimento sustentável, que auxilia a população do entorno de Cacuso a ampliar sua renda por meio da agricultura.

Por incrível que pareça, os angolanos perderam o hábito de cultivar a terra por medo da presença de minas instaladas no campo durante a guerra civil, que paralisou o país.

A grande presença de canteiros de obras por Angola, no entanto, comprova que a nação está em crescimento.

“Trocamos as armas pelas enxadas”, comemora João Bernardo, que perdeu duas tias vítimas de minas terrestres. EFE

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