Após resistir a otomanos e comunistas, cristãos albaneses recebem o papa

  • Por Agencia EFE
  • 24/09/2014 00h21

Mimoza Dhima.

Kallmet (Albânia), 20 set (EFE).- O papa chegará neste domingo à Albânia, país em que a maioria muçulmana convive pacificamente com os cristãos, que se aferraram a sua confissão durante séculos sob a dominação otomana e comunista, e agora veem na visita de Francisco um reconhecimento a sua dura resistência.

“O papa vem porque pensa que confiamos em Deus. A crença em Deus emana há séculos e não nos foi tirada nem pelos turcos nem pelos comunistas”, disse à Agência Efe Ndrec Ndoci, de 71 anos.

Como os demais albaneses, Ndoci sustenta que a visita do santo padre é um reconhecimento aos sofrimentos que padeceram o povo e os clérigos durante o longo domínio otomano e o quase meio século (1944-1991) da ditadura comunista de Enver Hoxha.

Segundo vários historiadores, a política de tolerância do Império Otomano aos povos ocupados de distintas religiões, o crescimento de várias gerações ateias e os casamentos mistos impostos no comunismo influíram nesta harmonia religiosa.

No entanto, não foi fácil para a minoria cristã resistir à ditadura de Hoxha.

Após instalar-se no poder depois da Segunda Guerra Mundial, o ditador desencadeou uma feroz luta contra os clérigos cristãos e muçulmanos, centenas dos quais foram fuzilados, presos, torturados e deportados a campos de trabalho forçado.

Em 1967, Hoxha impôs por lei o ateísmo oficial, proibiu a fé e ordenou a destruição das igrejas e mesquitas ou sua transformação em depósitos de cereais e ginásios poliesportivos.

“O último batismo foi o de nosso filho Gjon, em 1967. No dia seguinte, o padre Ndue Coku entregou as chaves da igreja e pouco depois vieram policiais que lhe botaram na prisão”, revelaram à Agência Efe o casal Ndrec e Marte Ndoci.

A partir daquele ano, a igreja de Kallmet se transformou em um armazém de alimentos.

“Isto nos comoveu muito. Pensamos que o mundo estava acabando”, afirmou Marte, de 67 anos.

A idosa Dile, de 94 anos, ainda leva nas mãos um rosário e uma foto de Santa Maria com seu Menino Jesus que, segundo relata, “de dia a enterrava no pátio para escondê-la de um possível controle policial e de noite a colocava dentro de casa” para rezar às escondidas e em silêncio e poder salvar-se assim da perseguição comunista.

“Durante o comunismo as pessoas rezavam em voz baixa. O nome de Deus foi silenciado, mas não apagado. Tentaram matar a fé, mas a fé renasceu”, declarou o sacerdote da igreja de Kallmet, Carlos Calero Ávila.

A Albânia, segundo esse clérigo peruano, é uma prova clara de como confissões distintas podem viver em paz, ao contrário do que está acontecendo na Síria, Iraque e outros países do Oriente Médio.

O sacerdote afirma que durante seus cinco anos de estadia na Albânia se encontrou com ímãs e sacerdotes ortodoxos e nunca se sentiu ofendido, nem verbal nem fisicamente, mas sempre se sentiu respeitado.

“Esta unidade entre religiões se deve ao sofrimento que padeceram as três confissões (muçulmana, católica e ortodoxa) por crer no mesmo Deus durante o comunismo”, destacou.

A visita do pontífice, a primeira que realiza na Europa fora da Itália, movimentou também o governo – infestado de ministros de confissão muçulmana -, que a considera o evento mais importante do ano, e a população de etnia albanesa que, além da Albânia, vive nos países vizinhos de Kosovo, Macedônia e Montenegro.

Mas sem dúvida, os mais animados são os católicos do norte montanhoso que representam 10% desta pequena nação balcânica de 2,8 milhões de habitantes.

“Queria ser um pássaro e voar até Tirana para poder ver o papa. Seria uma maravilha, mas não posso ir tão longe”, lamentou a idosa Dile à Efe em sua casa do povoado de Kallmet.

“O papa Francisco é muito humilde e ajuda os pobres, igual nossa Madre Teresa”, disse Gjin Haberi, que levará seus três filhos à santa missa que o papa rezará em Tirana no domingo.

Os camponeses católicos da aldeia nortista de Kallmet, de cinco mil habitantes, têm vínculos estreitos com o Vaticano, já que em tempos remotos enviavam seu delicioso vinho feito de uva Kallmet ao santo padre e aos bispos que o usavam nas missas de Roma.

Esta área da Albânia esteve dominada tradicionalmente pelo clero católico, motivo pelo qual seus residentes não se converteram à fé muçulmana, como ocorreu com a maioria da população albanesa durante a ocupação otomana.

Nesse sentido, o padre Carlos espera que a visita do papa dê um grande impulso à igreja albanesa e, em geral, à balcânica. EFE

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