As seis colherinhas de açúcar da discórdia

  • Por Agencia EFE
  • 22/03/2015 10h12

Belém Delgado.

Roma, 22 mar (EFE).- Um adulto deveria tomar menos do que o equivalente a 12 colheres de chá de açúcar por dia, mas para que tenha mais benefícios à saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugeriu que essa ingestão seja reduzida pela metade, ideia recebida com ceticismo pela indústria açucareira e outros segmentos.

A relação direta que o açúcar tem com o sobrepeso, a obesidade e a cárie levou a OMS a divulgar neste mês novas diretrizes sobre seu consumo. Nelas, a organização reafirma sua recomendação de 2002 para que as pessoas diminuam a ingestão de açúcar a menos de 10% das calorias diárias, o que representa 200 calorias para os adultos (50 gramas de açúcares ou 12 colheres de chá) e 150 para as crianças (37 gramas ou nove colheres de chá).

A restrição é ainda maior se a intenção for “obter benefícios adicionais para a saúde”. Nesse caso, o consumo de açúcar não deveria ser superior a 5% das calorias (25 gramas ou seis colheres de chá), embora esta proposta seja “condicional” – de menor peso do que a anterior – porque se baseia em evidências menos contrastadas.

Foi este último tópico que mexeu diretamente com as empresas vinculadas de alguma forma com o açúcar. O Conselho Internacional de Associações de Bebidas, que reúne marcas como Coca-Cola e PepsiCo, já criticou a “falta de evidência científica”, em alusão aos estudos publicados em revistas médicas e citados pela OMS para justificar seu conselho.

“A sugestão de 5% é muito pouco realista na hora de ser colocada em prática”, ressaltou à Efe Emilie Majster, conselheira sênior do Comitê Europeu de Fabricantes de Açúcar.

A OMS recomenda reduzir o consumo de açúcar agregado, que abrange tanto o usado para adoçar alimentos e bebidas como o que está presente de forma natural, por exemplo, no mel e nos sucos de frutas.

“Gostaríamos muito que a indústria açucareira tivesse sido consultada”, criticou Emilie, que acredita ainda ser cedo para falar sobre o impacto que a nova proposta pode ter no mercado.

Em visita à Itália na semana passada, o diretor do departamento de Nutrição e Saúde da OMS, Francesco Branca, lembrou à Efe que no ano passado foi realizado um debate sobre essa questão e que a organização recebeu mais de 170 comentários de governos, acadêmicos, empresários e da sociedade civil. Ele pediu que a informação destinada aos consumidores e as políticas em geral sejam melhoradas para reduzir o consumo de açúcar, aliadas a outras medidas.

Para a diretora de Nutrição da organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Anna Lartey, o tema açúcar “sempre foi controverso”, e nas últimas décadas o sobrepeso e a obesidade não diminuíram de forma real em nenhuma região do mundo.

Esses acúmulos de gordura representam fatores de risco de doenças não transmissíveis, como as cardiovasculares e o diabetes, que têm um alto custo médico. Junto a uma atividade física reduzida, as dietas tendem agora a incluir mais gordura, açúcar e sal do que quando as pessoas utilizavam mais produtos naturais, sustentou Anna.

“Pessoalmente, não entendo o medo da indústria, exceto se estiver reagindo por suas perspectivas financeiras. Se seguirmos as recomendações, as pessoas terão vidas mais saudáveis e viverão mais tempo. O mundo inteiro se beneficiria com isso”, afirmou ela.

Para o médico Lorenzo Donini, professor da Universidade de La Sapienza, de Roma, essa diferença de critérios é compreensível em um contexto do “cada um faz o seu trabalho”: a ONU combatendo as doenças crônicas, e a indústria defendendo seus interesses.

“Não acho que a nova sugestão para o açúcar tenha um grande impacto na alimentação, nem que modifique a prevalência da obesidade”, opinou Donini, que acrescentou que o açúcar é apenas uma parte da alimentação e que fatores como o sedentarismo não podem ser esquecidos. EFE

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