Baltimore, a história de uma cidade dividida pelo racismo e pela pobreza
Jairo Mejía.
Baltimore (EUA), 30 abr (EFE).- Desde pequeno, Freddie Gray estava condenado a ser um “Zé Ninguém”. Nascido em um dos bairros mais pobres de Baltimore, envenenado pelas más condições de sua casa e morto aos 25 anos sob custódia policial, ninguém teria pensado que ele se transformaria em um símbolo.
A vida em Sandtown, bairro onde vivia Gray, há muito tempo é igual: casas fechadas com tábuas de madeira, pobreza, desemprego, drogas, famílias desestruturadas, uma igreja batista de esquina e gangues.
Os policiais passavam de vez em quando para combater as duas gangues do bairro, os Bloods e os Crips, perpetuando assim a violência, o receio contra as autoridades e as constantes denúncias de abusos e brutalidade policial contra os “esquecidos”.
“A polícia nos trata como cachorros, o que aconteceu a Freddie Gray era sua mensagem: se você se rebelar vai acabar em uma jaula, não levante a voz”, lamentou Domic, afro-americano que concorda com cada frase que pronunciam dois importantes pastores batistas, líderes nestes protestos pacíficos.
Domic disse estar cheio de os negros não serem tratados de forma igual, que sejam “escondidos” e peçam a eles “servidão”, não de maneira direta, mas disfarçada.
“As leis devem ser mudadas para que a polícia seja responsável por seus atos… Temos um presidente negro na Casa Branca, temos que superar esta injustiça”, exigiu o reverendo Donte Hickman.
Desde a aprovação há meio século da lei de Direitos Civis que equiparou todos os cidadãos nos Estados Unidos, a situação racial melhorou muito, mas os afro-americanos ainda sofrem com altos índices de desemprego, de população carcerária e exclusão social.
Gray – filho de uma mãe viciada em heroína e com dificuldades de aprendizagem sérias por ter se intoxicado com o chumbo da pintura de sua moradia social – foi detido no dia 12 de abril, sem ter cometido delito algum, pela única razão que começou a correr quando viu a polícia.
Nos 45 minutos que se passaram desde sua detenção e sua transferência no furgão policial, o jovem negro sofreu uma lesão na coluna que o deixou em coma e lhe causou a morte uma semana mais tarde.
Nesta quarta-feira se soube que o Departamento de Polícia de Baltimore não vai revelar ainda as conclusões da investigação sobre a morte de Gray, algo que a cidade espera e com a tensão ameaçando explodir de novo.
“Se não for feita justiça não sairemos das ruas. Os negros não estão aqui para ser detidos e morrer como vem acontecendo até agora”, comentou Korey Johnson, líder estudantil que participou de um protesto pacífico que reuniu milhares de pessoas.
Baltimore é uma cidade com dois terços de população negra, com uma polícia com diversidade racial; com uma prefeita, Stéphanie Rawlings-Blake, e um comissário-chefe, Anthony Batts, afro-americanos, mas com um problema que não se explica como simples racismo.
Contribui para esse quadro a desconfiança sobre o negro pobre, de bairro pobre; o desdém dos políticos por uma comunidade que, ou não pode votar porque tem contas com a Justiça ou porque não se cadastrou; e também a prioridade que se deu a desenvolvimentos urbanísticos para casas e lojas de luxo.
Segundo explicou Alysshia Jacobs, oriunda de Baltimore e ativista política em sua juventude, é uma coisa que se sofre diariamente com investigações excessivas, desconfiança e falta de diálogo.
“É preciso fazer justiça, não pode haver impunidade pela morte de Gray, já não se pode justificar mais esses abusos”, lamentou Jacobs.
Mas as autoridades, por enquanto, responderam à recente crise não pondo o foco em educação, trabalho e progresso, mas na declaração de um toque de recolher noturno que 2.000 membros da Guarda Nacional armados com fuzis, cassetetes e que se deslocam em caminhões ou picapes blindados se encarregam de cumprir.
“A única coisa que a prefeita disse é que os estudantes são pistoleiros, ela não falou conosco”, criticaram os líderes estudantis, que tentam corrigir a imagem dos saques e incêndios da segunda-feira, atribuída a adolescentes de ensino médio descontrolados.
“O que aconteceu esta semana não é uma surpresa, era uma bomba-relógio… A juventude (negra e pobre) não tem nada para esperar, estão cansados”, ressaltou Jacobs.
Enquanto a cidade (a pobre) espera impaciente que as autoridades apurem responsabilidades pela morte de Gray, na cidade rica a Guarda Nacional se posiciona em frente aos shoppings do porto como “protetores de fast-foods”, como brincou um dos soldados. EFE
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.