Bombas americanas ainda ameaçam a vida de milhares de vietnamitas
Eric San Juan.
Dong Ha (Vietnã), 30 abr (EFE).- Exatamente 40 anos depois do fim da guerra no Vietnã, as milhares de bombas lançadas pelos Estados Unidos que não explodiram nos campos do país asiático ainda ameaçam a vida de milhares de pessoas, principalmente a de crianças, agricultores e coletores de metal.
“As crianças às vezes confundem as bombas com brinquedos, enquanto os agricultores correm risco de sofrer acidentes quando removem a terra para sua lavoura”, explicou à Agência Efe Nguyen Thanh Phu, porta-voz da ONG Project Renew, dedicada a prevenir acidentes e ajudar as vítimas dos artefatos na província central de Quang Tri, a mais afetada.
Um de seus beneficiados é Nguyen Van Trung, um agricultor de 65 anos que perdeu uma perna por uma explosão enquanto lavrava seu campo de arroz em 1972, e há um ano obteve uma prótese graças ao Project Renew.
Trung sobreviveu por quatro décadas vendendo o lixo que recolhia para completar a pensão por invalidez de 180 mil dongs mensais (pouco mais de R$ 20) que é dada pelo governo vietnamita.
“Não lembro como foi o acidente, só sei que estava lavrando quando ocorreu”, disse na porta de sua casa em uma zona rural de Quang Tri, onde a cada dia são desativados cem artefatos em média.
A Project Renew e outras cinco organizações dedicadas a este trabalho destruíram mais de meio milhão de bombas, segundo estatísticas dos Estados Unidos.
A ONG britânica Grupo Assessor sobre Minas (MAG, na sigla em inglês) calcula que 10% das 15,4 milhões de toneladas de explosivos lançados durante a guerra, que terminou em 30 de abril de 1975, ficaram sem explodir.
Chuck Searcy, veterano de guerra americano que lançou o Project Renew em 2001, explica que limpar todas as bombas não vale a pena.
“O governo vietnamita calculou há pouco que levaria 300 anos e US$ 10 bilhões para limpar todas as bombas do país. É irrealizável. Por isso temos que escolher áreas e sobretudo educar os aldeões para que saibam identificar o perigo”, ressaltou Searcy, que vive em Hanói há duas décadas.
“Insistimos na educação e estamos orgulhosos que mais de 5,5 mil crianças tenham sido ensinadas para saber como reagir caso se deparem com uma bomba”, afirmou Phu.
Uma ligação em seu telefone celular interrompe o porta-voz da ONG enquanto mostra as estatísticas sobre seu trabalho.
“Sinto muito, acabam de me avisar que uma criança encontrou um pequena bomba no pátio de um colégio e nossas equipes vão comparecer para levá-la e desativá-la”, explicou após a conversa telefônica.
“Nossos colaboradores em povoados de toda a província melhoraram muito na detecção de explosivos e no protocolo a seguir. Em dez anos, esperamos que nossa intervenção já não seja necessária e os voluntários locais possam fazer todo o trabalho”, ressaltou com orgulho.
Além de educar crianças e agricultores, as ONGs da região tentam dissuadir as centenas de coletores de metal que arriscam a vida para escapar da miséria.
Uma delas é Mai Thi Thuong, uma mulher de 39 anos que sai todas as manhãs em busca das milhões de lascas de metal semeadas pelas bombas que explodiram durante o conflito.
“Ganho cerca de 50 mil dongs (menos de R$ 10) por dia vendendo o metal. Se me deparo com um bomba sem explodir, não corro o risco”, declarou esta mãe de três filhos.
Seu marido também se dedicava a vender fragmentos quando há cinco anos, uma bomba que explodiu por acidente lhe tirou a vida.
“Depois daquilo queria deixar o trabalho e me dedicar a criar porcos ou vacas, mas não tenho dinheiro para iniciar o negócio”, relatou.
Phu lamenta que, apesar de conhecer os riscos aos quais estão expostas, muitas pessoas sigam dispostas a escavar na busca de metal e alguns inclusive se atrevem com artefatos sem explodir.
“90% dos coletores têm consciência do perigo, mas vivem na miséria e vendendo a carcaça de uma bomba inteira podem tirar até US$ 500 pelo metal, para muitos o salário de mais de meio ano. Em algumas zonas até 65% da população se dedica a isso”, comentou Phu.
Segundo estatísticas do governo de Hanói, os explosivos deixaram mais de 40 mil mortos e 60 mil feridos desde que terminou o conflito em 1975.
“Nós sabemos o que conseguimos com cada bomba que desativamos. Pode ser que nunca tivesse acontecido nada, mas também pode ser que tenhamos salvado vidas”, concluiu Searcy. EFE
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