76,4% das mulheres que sofrem violência conhecem o agressor

  • Por Marcella Lourenzetto/Jovem Pan
  • 26/02/2019 09h15 - Atualizado em 26/02/2019 10h39
Pixabay Mulher levantando a mão em foto preto e branco De acordo com estudo, o local mais inseguro para mulher brasileira é dentro da própria casa

No Brasil, 536 mulheres foram agredidas por hora em 2018. A projeção é da segunda edição do estudo “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizado pelo Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

A diretora da entidade, Samira Bueno, ressalta que o dado é impactante: “ O número é muito alto que mostra o desafio que a gente tem para o enfrentamento da violência contra a mulher“.

O local mais inseguro para mulher brasileira é dentro da própria casa. Além disso, o principal algoz não é um criminoso das ruas, mas sim namorado, marido, companheiro, vizinho ou ex-parceiro.

Samira Bueno explica que a agressão contra a mulher é caracterizada por uma série de outros fenômenos relacionados à violência que são difíceis de mensurar, por isso reforça a necessidade de levantamento de dados sobre a vitimização. Ela critica que a última pesquisa nacional dos órgãos públicos sobre o tema é de 2012.

A diretora do FBSP aponta que a desigualdade de gênero é a raiz da violência. “Não é normal um homem matar uma mulher porque ela terminou o relacionamento com ele, isso não pode ser aceito”, afirma.

A trajetória de agressão, que vem desde a verbal até a física, faz com que muitas vezes a vítima não se sinta segura para denunciar.

Foi o que ocorreu com a jovem Eva Luana, de 21 anos. A baiana estudante de direito sofria abusos desde os 12 anos, mas só conseguiu fugir do padrasto, seu agressor, depois de nove anos.

O caso ganhou grande repercussão após ela publicar a história no Instagram dela, que hoje tem mais de um milhão de seguidores. “Meu caos teve início quando eu tinha 12 anos, minha mãe era agredida, abusada, violada e torturada quase todos os dias”, conta a jovem.

Eva chegou a procurar ajuda aos 13 anos, mas não teve respaldo. “Nessa denúncia eu tinha certeza que seria salva por todos, mas não foi isso que aconteceu”, relata. Ela diz que o Estado falhou a tal ponto que o caso não chegou nem ao Ministério Público.

Samira Bueno, diretora do FBSP acredita que a visibilidade do tema atualmente ajuda a romper situações de violência continuada. “É muito mais simples falar disso hoje do que há 10 anos”, conclui.

Medo dentro de casa

Embora a comparação com dados de 2017 indique a redução nos níveis de percepção da violência, os dados de vitimização mostram que a história é outra.

Casos de agressões entre conhecidos e, principalmente, dentro de casa cresceram. “Os conhecidos eram agressores em 60% dos casos em 2017, agora já chegam a 76%, então parece que cada vez mais a violência está neste âmbito doméstico”, destaca Samira.

Ela alerta que boa parte do debate público sobre violência no Brasil fala das dinâmicas da criminalidade urbana, como o medo de sair de casa, de ser furtado ou de ser roubado, mas esquece do ambiente privado.

A maioria das entrevistadas (42%) foi agredida dentro do próprio lar. É o caso da paisagista Elaine Caparroz, de 55 anos, que foi espancada por mais de quatro horas no último dia 16, em seu apartamento na Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro. O agressor Vinícius Serra, de 27 anos, está detido e foi indiciado por tentativa de feminicídio.

De acordo com o Disque 180, o número de assassinatos de mulheres por causa do gênero quase triplicou de 2017 para 2018.

A pesquisa aponta que 23,8% das vítimas que conheciam o agressor sofreram violência do parceiro atual, enquanto 21% foram agredidas por um vizinho e 15% por um ex-companheiro.

A diretora do Fórum de Segurança Pública acredita que esse dado representa o medo do homem de praticar a violência na esfera pública, onde pode ser pego.

A promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, enxerga o lado positivo da situação.

Ela pondera que não há um aumento no número de agressores, mas sim um número expressivo de mulheres que estão mais confortáveis para relatar os casos de violência, assédio e estupro. “As mulheres estão acreditando mais [nas autoridades] e estão rompendo o silêncio”, celebra a promotora.

Ela também acredita que o aumento no número de relatos é uma resposta às iniciativas de combate à violência: “Isso é resultado, sim, de uma maior conscientização, de um encorajamento das mulheres”.

Escolaridade

Dos 16 milhões de brasileiras (27,4%) que sofreram algum tipo de violência, quase 43% são jovens entre 16 e 24 anos. A pesquisa do Datafolha com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que mulheres com ensino médio ou superior relatam mais casos de assédio e agressões do que aquelas que apenas cursaram o ensino fundamental.

Para Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o dado mostra que a informação é o caminho para a denúncia. “Mulheres jovens e mais escolarizadas podem ser muito menos tolerantes à violência”, destaca.

Valéria Scarance concorda: “As mulheres já reconhecem as violências. Antes, o que se enxergava como algo normal hoje já é visto como violência”.

A coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP também vê a educação e a conscientização como a melhor maneira de combater a violência de gênero: nós sabemos que a violência é interseccional, ou seja, ela envolve vários fatores e precisa ser debatida desde cedo. “Como mudar o destino do nosso país? Informando e educando nossas meninas e meninos”, ressalta.

Mulheres Negras

A situação é ruim para todas as mulheres, mas para as negras é ainda pior. Samira Bueno explica que, além do racismo, a vitimização cresce entre esse grupo por causa da questão social. “Mulheres pretas estão em condições socioeconômicas muito piores do que a maioria das mulheres brancas”, destaca.

Os dados, de acordo com Samira, reforçam uma estatística cruel dos últimos anos, de que a morte de mulheres negras cresce, enquanto a de brancas diminui.

“Como entender que uma política pública de enfrentamento à violência contra a mulher consegue proteger a vida da mulher branca, mas não a vida da mulher negra?”, questiona a diretora FBSP.

Denúncia

Mesmo com o tema em alta, muitas vítimas ainda têm medo de denunciar: 52% de mulheres agredidas não tomaram nenhuma atitude, apenas 10% procuraram uma delegacia da mulher e 8% foram em uma delegacia comum.

“As mulheres que têm boletim de ocorrência e medidas protetivas são as mulheres que não morrem”, informa a promotora Valéria Scarance, que incentiva vítimas a procurar ajuda do poder público.

Elaine Caparroz, a paisagista agredida em casa, é uma das mulheres que denunciaram e tentam dar voz às diversas vítimas de violência no Brasil.

Após prestar depoimento à polícia nesta segunda-feira (25), ela declarou que iria lutar por justiça “por todas as mulheres que já passaram” pela mesma situação.

Pelo menos 59% da população reconhece ter visto uma mulher sendo agredida física ou verbalmente no último ano. No entanto, ainda há quem acredite na velha máxima de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Casos como o de Elaine Caparroz mostram que é preciso, sim, intervir em situações de violência. “É muito importante quando alguém ouvir um pedido de socorro, dar o socorro”, pediu a paisagista.

Para denunciar qualquer tipo de agressão contra mulheres basta ligar para o Disque 180. O sigilo é garantido.

Metodologia

A pesquisa de abrangência nacional ouviu 2.084 pessoas em 130 municípios entre os dias 04 e 05 de fevereiro de 2019. Na primeira bateria de questões, os entrevistadores ouviram homens e mulheres. Na bateria de vitimização, apenas mulheres fizeram o autopreenchimento de percepções e experiências pessoas sobre violência. A margem de erro é de 2,0 pontos para mais ou para menos na amostra nacional e de 3,0 pontos para mais ou para menos na amostra do módulo de autopreenchimento.

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