8 de março: mulheres contam que superar a desconfiança ainda é um grande obstáculo

  • Por Nicole Fusco
  • 08/03/2019 07h00 - Atualizado em 08/03/2019 12h57
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Montagem/Jovem Pan A promotora aposentada Liliana Buff e a faxineira Joelma Profeta dos Santos enfrentaram o mesmo desafio: o descrédito por serem mulheres A promotora aposentada Liliana Buff e a faxineira Joelma Profeta dos Santos enfrentaram o mesmo desafio: o descrédito por serem mulheres

Liliana Buff tem 68 anos e é promotora aposentada do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Joelma Profeta dos Santos, de 44 anos, trabalha como faxineira num escritório de advogados na capital paulista. Elas trilharam caminhos diferentes; tiveram oportunidades diferentes, mas têm algo em comum: ambas foram desacreditadas por serem mulheres. Neste 8 de março, conhecido por ser o Dia Internacional da Mulher, infelizmente, não há muitos progressos para se comemorar. Esse cenário de descrédito persiste — e tem piorado — nos últimos anos.

Pesquisa do Fórum Econômico Mundial, publicada em dezembro do ano passado, mostra que o Brasil caiu da posição de número 90 para 95, na comparação com 2017, no ranking que avalia a igualdade de gêneros nas áreas de educação, saúde, participação política e mercado de trabalho em 149 países.

“O Brasil vê um retrocesso significante em direção à paridade de gênero neste ano — com sua diferença de gênero geral em seu ponto mais alto desde 2011, em grande parte influenciada pelo sub-índice de Participação Econômica e Oportunidade”, diz o documento. “No entanto, tanto as lacunas de gênero com Saúde e Sobrevivência quanto de Satisfação Educacional permanecem completamente perto.”

Um outro estudo, dessa vez da Organização Mundial do Trabalho (OIT), divulgado na última quarta-feira (6), apontou que a lacuna de gênero no trabalho quase não diminuiu nas últimas três décadas. Em 2018, a probabilidade de uma mulher trabalhar foi 26% inferior que a de um homem, uma melhoria de apenas 1,9% com relação a 1991.

Constrangimento no trabalho

Joelma foi viver com um homem aos 16 anos, para escapar das agressões do pai. “Além das agressões físicas, ele também me agredia verbalmente. Dizia que eu seria prostituta, que não serviria para nada”, contou Joelma à Jovem Pan. “Mas eu dizia pra mim mesma: ‘Um dia vou ser alguém’, principalmente quando ele falava sobre prostituição.”

Ela também conseguiu superar o constrangimento que viveu no trabalho anos atrás. Então com 20 anos, fugida da Bahia para São Paulo, ela começou a trabalhar como empregada doméstica numa “casa de família”. “Quando estava para fazer um mês de trabalho, eu estava tomando banho antes de ir para casa, quando o meu patrão surgiu desesperado, pedindo ajuda. Eu achei que ele pudesse estar enfartando”, contou ela.

“Me troquei e corri para ver o que estava acontecendo. Quando cheguei, ele estava pelado e me disse: ‘Quer seu salário? Então, vem pegar”. “Aquilo me fez lembrar do que meu pai me dizia sobre ser prostituta”, disse, mas acrescentou que aquela experiência a fez ter mais vontade de crescer.

E crescer para Joelma significava concluir os estudos, que largou depois da 4ª série do ensino fundamental. Mais velha de cinco irmãs, ela tinha que abandonar a sala de aula para cuidar das caçulas. “A aula ia das 8 horas ao meio dia. Eu só podia ficar até às 10 horas, que era quando minha mãe saía para trabalhar”. “Mas cada momento que eu tive para aprender, eu me dediquei. Aproveitava essas duas horas como se fossem as últimas da minha vida. Eu tinha que aprender matemática, tinha que aprender português”, relembrou.

O sonho de Joelma precisou ser adiado por mais tempo. Só em 2009, quando estava com 35 anos, conseguiu fazer o EJA (Educação para Jovens e Adultos) e concluiu os ensinos fundamental e médio. Depois disso, ainda estudou enfermagem — e concluiu os dois anos de curso –, fez um curso de costureira — também completo –, e cursou 1 ano e 6 meses do total de 2 anos de Recursos Humanos. “Mas do que eu gosto mesmo é de limpeza. Eu sei que as pessoas me veem apenas como faxineira, não olham como um trabalho digno, mas eu gosto”, afirmou Joelma. “Se eu não gostasse, não faria faxina na minha casa. Eu tenho mania de limpeza na minha casa porque não tem nada melhor do que chegar no seu recinto e encontrar a casa cheirosa e limpa”, conclui ela, com um sorriso no rosto.

Prova mais rígida para as mulheres

Liliana ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 1968. Já no Ministério Público, em 1980, Liliana ouvia dos colegas homens, nos elevadores da promotoria, que “não se fazia Ministério Público como antigamente”. Isso porque, naquele ano, doze mulheres haviam passado no concurso — o dobro do ano anterior. “Tinha quem falasse que houve uma inflação de mulheres na carreira.”

A primeira mulher a ingressar no Ministério Público no Brasil e na América Latina foi Zuleika Sucupira Kenworthy, que passou no concurso de 1946 no MP de São Paulo. Só oito anos depois entrou a segunda mulher, Maria José Dei Papa. “Era homeopático o ingresso de mulheres na carreira”, criticou Liliana.

Ela contou que havia uma forma de dificultar a entrada de mulheres. “Tinha uma colega nossa, a Maria Cláudia [de Souza Fóz Destri], que já era mais antiga, tinha ingressado em 1973, que se sentava na sala de exames orais para ver se as perguntas para homens e mulheres diferiam na profundidade e complexidade”, contou. “Uma forma de excluir as mulheres era fazendo perguntas quase que impossíveis de responder, dada a vastidão que é o mundo jurídico.”

Na sua entrevista, no entanto, a pergunta que o examinador julgou ser adequada para saber se Liliana estava ou não apta para a carreira a surpreendeu. “A pergunta que me fizeram foi como eu iria conciliar a minha vida, de mãe e de dona de casa, com a vida do meu marido, que é juiz”. “Eu respondi que nós conhecíamos a estrutura da profissão e que estávamos dispostos a enfrentar isso em prol da realização pessoal. O examinador se deu por satisfeito e eu ingressei”, relembrou a promotora, que hoje consegue rir do absurdo.

Em 1975, quando ainda cuidava de seu filho mais velho, então com 6 meses de vida, Liliana fez a prova para tentar entrar no Ministério Público, mas não conseguiu. Ela admite que não conseguiu se preparar. “A maternidade nos coloca numa posição de muita vulnerabilidade. Não é possível se dedicar ao estudo quando se tem um bebezinho que depende de você”.

Cinco anos depois, depois de já ter o segundo filho, ela passou na prova. “Sempre tive pessoas de confiança para me ajudar e, além disso, meus pais ficavam muito com eles, buscavam na escola. Só assim deu para conciliar. Não dá para saber como consegui fazer tantas coisas”, disse.

No fim, além do descrédito que superaram, cada uma da sua forma, Liliana e Joelma têm mais uma coisa em comum: a vontade de vencer o preconceito e quebrar barreiras.

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