Abandono afetivo: saiba em quais situações é possível cobrar o pai

Cerca de 11 milhões de mulheres criam os filhos sozinhas, segundo dados do IBGE de 2022; confira 7 mitos e verdades sobre pedidos de indenização contra o genitor

  • Por Jovem Pan
  • 13/04/2024 08h05
Freepik Criança pequena sofrendo abuso por pais brigando em casa Demandas com pedidos de indenização por abandono afetivo aumentaram em mais de 30% de 2008 para cá

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, cerca de 11 milhões de mulheres criam os filhos sozinhas. Os dados se referem ao ano de 2022 e mostram uma realidade que é enfrentada por muitas mães. Algumas famosas até já expuseram situações sobre o quanto é custoso dividir responsabilidades quando se trata da criação dos filhos e outras já assumiram a maternidade solo, sem papas na língua. Diante de tantas situações até improváveis que presenciamos na vida cotidiana e inclusive nas redes sociais, a mudança de comportamento impera: as mulheres estão buscando mais os seus direitos. “Segundo estatísticas dos tribunais pátrios, as demandas com pedidos de indenização por abandono afetivo aumentaram em mais de 30% de 2008 para cá. Estão na vanguarda de decisões favoráveis os tribunais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Paraná”, explica Gerson dos Santos, advogado pela PUC Paraná, especialista em direito de família e sucessões e pós-graduado em processo civil. “Eu acredito na Justiça e levanto todos os dias pela manhã com essa convicção. O direito é algo em constante construção, não digo evolução porque às vezes me deparo com alguns retrocessos, mas sempre continuo a acreditar que o melhor virá”, desabafa.

O especialista, que orienta somente mulheres, confessa que atendeu muitos casos que resultaram em conquistas para as mães e crianças, principalmente em 2023. Neste ano, a demanda só aumenta. Na opinião do advogado, uma das medidas que poderia melhorar o andamento dos processos seria instituir que somente juízes de família cuidariam dos casos das varas de família. “Me deparo, muitas vezes, com juízes que claramente não gostam do assunto e não queriam estar neste segmento. Assim como o advogado se especializa em uma área e se dedica a ela, com os juízes deveria ser igual, os magistrados deveriam estar lá porque querem fazer o melhor e não como um simples protocolo”, complementa. A pedido do portal da Jovem Pan, Gerson Santos elencou as principais dúvidas sobre processo de abandono afetivo. Confira!

No Brasil a ação por abandono afetivo se popularizou?
Bastante, embora ainda seja tudo muito novo. O mais importante é o Judiciário e a sociedade como um todo olharem com seriedade para o assunto, que isso é um problema social, que a maternidade e a paternidade são escolhas antes da concepção, ou seja, após a concepção não é opcional ser pai ou ser mãe, é uma obrigação, e não cumprir essa obrigação deve ter consequências além da social, mas também na esfera legal.

De maneira prática, quando uma mãe pode entrar com esse tipo de pedido na Justiça?
O Judiciário já entendeu que esse abandono gera danos e esses danos devem ser indenizados. Ou seja, a mãe que pleitear essa indenização por abandono afetivo deve comprovar o dano à criança tanto material, com a falta de auxílio financeiro, quanto o moral, comprovado por problemas psicológicos. De minha parte, o próximo passo no sentido de uma evolução seria apenas de comprovar que existiu o abandono, isso estando provado, tem que indenizar. Porém, o momento ainda não é esse. Em resumo, basta comprovar os danos sofridos, mas cada caso é um caso.

A idade da criança influencia no processo?
Na teoria não, mas, na prática, sim. Veja, se neste momento temos que comprovar o dano efetivamente, com poderíamos dizer que uma criança de um ano, que nem reconhece o pai, neste momento está sofrendo algum dano? De toda forma, cada caso é um caso e deve ser analisado separadamente para se verificar a viabilidade.

Geralmente as ações terminam com saldo positivo para as mães?
Neste momento, as repostas têm sido muito positivas, comprovados os danos. Os juízes têm julgado procedente e definido valores de indenização. No começo, era tudo negativo, depois os juízes passaram a reconhecer que existia o abandono, mas não davam nenhuma indenização. De uns seis anos para cá, a coisa começou a mudar, e, como disse, varia de caso para caso. Já tivemos casos recentes aqui no escritório em que o juiz mandou indenizar em R$ 10 mil, e já tivemos casos que mandou indenizar em R$ 100 mil. Tudo vai depender da comprovação dos danos sofridos. Como exemplo, em um caso, o juiz aumentou a valor da indenização porque a criança tinha que ser retirada da sala e ficava na secretaria enquanto os amiguinhos ensaiavam para a apresentação do Dia dos Pais. Repito, cada caso é um caso.

Abandono afetivo está geralmente ligado ao acordo de pensão ou não necessariamente?
Não tenho enfrentado desta forma, às vezes não pagam a pensão e abandonam e às vezes pagam e também abandonam. A pensão não é paga para o pai ter direito a conviver com a criança, são coisas separadas, e entendo que não é esse o problema. É um problema social, que infelizmente o pai pode escolher não ser pai e não tem consequências, ou pelo menos não tinha. Nossa busca é por mudar essa história.

É verdade que a pensão deve ser estipulada de acordo com a convivência ou permanência do filho em determinada casa
São três pedidos separados que o advogado deve fazer: pedido de guarda, visitas e pensão, coisas separadas que não dependem um da outra. A pensão está ligada às necessidades da criança, possibilidade daquele que irá pagar e a proporcionalidade entre pai e mãe, no sentido da renda de cada um. Também não existe nenhuma lei que definiu a pensão em 30%, existe um entendimento de que os 30% seriam o máximo que o pai poderia pagar sem que ele mesmo seja prejudicado. Embora eu discorde disso, esse é a entendimento majoritário. De toda forma, como disse, cada caso é um caso, tenho casos aqui que o juiz já chegou a dar 50% dos rendimentos. É bem importante frisar, não existe lei de 30%, cada caso é um caso.

Hoje você só atende mulheres. Em 14 anos no ramo como se sente realizando esse trabalho?
Me sinto agradecido pela oportunidade de fazer a diferença. Quando passamos na prova da OAB, fazemos uma cerimônia em que declamamos um juramento. Fui criado e educado por meus pais para cumprir juramentos, e tento fazer isso da melhor forma. No início, não foi uma escolha defender apenas mulheres, mas os genitores fazem tanta coisa errada que passei a defender apenas mães. Não é fácil, mas me sinto preparado e forte para continuar. A diferença entre o que nós fazemos e o que realmente podemos fazer bastaria, para mudar o mundo. Se durante o dia, a semana, o mês ou o ano, conseguir mudar para melhor a vida de uma única mulher, uma única criança, já está ótimo, já cumpri meu dever como advogado e cidadão. Não é sobre quantos problemas você resolveu, é sobre quantas pessoas você ajudou.

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