Assembleia do Espírito Santo aprova projeto que proíbe nudez em exposições
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou na noite desta segunda-feira (6) projeto de lei que proíbe a exposição de fotos, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos contendo cenas de nudez ou referências ao ato sexual em espaços públicos des…
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou na noite desta segunda-feira (6) projeto de lei que proíbe a exposição de fotos, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos contendo cenas de nudez ou referências ao ato sexual em espaços públicos destinados a atividades artístico-culturais. O Projeto de Lei 383/2017 segue agora para apreciação do governador Paulo Hartung, que já sinalizou a intenção de vetá-lo.
Segundo o Ministério da Cultura, o estado é a primeira unidade da Federação a aprovar um projeto deste tipo.
De autoria do deputado Euclério Sampaio (PDT), a proposta já tinha sido aprovada no último dia 23, com um único voto contrário. Como recebeu emendas parlamentares, teve que voltar a ser apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça, Serviço Público e Redação (CCJ), de onde voltou para o plenário da Casa, onde foi aprovado sem novas alterações.
O texto aprovado proíbe exposições artísticas ou culturais com “teor pornográfico” em espaços públicos estaduais, sob pena de multa a quem infringir a lei, caso seja sancionada e entre em vigor. O texto estabelece, sem detalhes, que a lei não se aplicará a locais cuja exposição tenha fins “estritamente pedagógicos, de acordo com a legislação vigente”.
O deputado disse que decidiu apresentar a proposta após polêmicas recentes em outros estados, como a suspensão da exposição QueerMuseu em Porto Alegre e da apresentação de Histórias da Sexualidade, que chegou a levar o Museu de Arte de São Paulo (Masp) a proibir, pela primeira vez, a entrada de crianças e adolescentes para visitar a mostra. O museu voltou atrás ontem (7) e liberou a entrada de menores de 18 anos, desde que acompanhados pelos pais ou responsáveis.
“Meu projeto não veta a arte. Ele proíbe os excessos, a pornografia”, declarou Euclério Sampaio à Agência Brasil. Perguntado sobre quem definirá os critérios de arte e pornografia, o deputado respondeu que caberá aos técnicos das secretarias de cultura e conselheiros tutelares. “Os órgãos já existentes no estado vão poder continuar fiscalizando. Se não o fazem hoje é porque, talvez, a legislação seja omissa”.
Sampaio sustenta que o projeto não impede o acesso de jovens a obras contemporâneas que retratem o nu sem qualquer conotação sexual, ou até mesmo a reproduções de obras consideradas clássicas.
A secretaria de Cultura do Espírito Santo informou que já conta com uma equipe de profissionais aptos a analisar os trabalhos artísticos e classificá-los conforme as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), suficientes para evitar excessos. Em nota, o secretário estadual, João Gualberto, diz ser favorável a que o governador, Paulo Hartung, vete o projeto de lei. “Os serviços educativos das instituições culturais de nosso estado são formados por profissionais especializados que desenvolvem um programa contínuo de formação de professores, educadores e recepcionistas aptos a atender a toda a diversidade de público a partir das faixas etárias e contextos culturais”, garante o secretário.
Para o professor do programa de pós-graduação em Direito Constitucional e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (Unifor), Francisco Humberto Cunha Filho, a iniciativa capixaba é inconstitucional e “absurda”.
“Os estados não podem legislar sobre este tema. Nem mesmo a União pode. Entre outros motivos, porque se trata de uma liberdade constitucionalmente disciplinada que não pode ser restrita pelo legislador ordinário e porque, operacionalmente, é uma lei absurda que demandará a criação de um órgão de censura prévia que diga o que é pornográfico”, declarou o professor à Agência Brasil. Ele lembrou que a Constituição Federal proíbe a censura prévia e reconhece a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação como um direito fundamental que não pode ser censurado.
Para defender-se das críticas, o deputado Euclério Sampaio diz que o Artigo 23 da Constituição Federal estabelece que é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios proporcionar aos cidadãos os meios de acesso à cultura.
“O que eu quero proibir não são obras de artistas famosos. Cultura e arte são matérias concorrentes. E o direito não é uma ciência exata ou não haveria tribunais de apelação para quem se sinta inconformado”, argumentou o parlamentar, garantindo não estar preocupado com o possível veto do governador. “Se ele vetar, haverá uma nova batalha. Na Assembleia, a maioria é soberana”.
Procurado, o Ministério da Cultura diz que a Constituição garante a liberdade de expressão, de criação e de manifestação, considerados direitos fundamentais “perfeitamente compatíveis com outros direitos e garantias constitucionais e legais”. Para o ministério, instituições culturais públicas e privadas devem ter o direito de escolher livremente o que exibir, observada as normas legais de proteção da infância e da adolescência.
“Nem todos os conteúdos culturais e obras de arte são adequados a todas as faixas etárias”, informa o ministério, lembrando que o ECA já prevê a obrigatoriedade dos responsáveis pelos espaços artísticos e de entretenimento informarem previamente o conteúdo apresentado e a faixa etária adequada a cada evento. O próprio ministério, no entanto, lembra que, atualmente, o sistema de classificação indicativa não faz menção à exposições artísticas, mas apenas a conteúdos de produções para o cinema e TV, shows, games, entre outros produtos culturais.
“Deve-se aproveitar a controvérsia para resolver a questão [da classificação indicativa]. Não há incompatibilidade entre a liberdade de criação, de expressão e de manifestação, e a proteção da criança e do adolescente; entre a difusão da arte e da cultura e o patrocínio cultural. Vários museus e centros culturais mundo afora adotam a classificação indicativa e a exibição em separado de certos conteúdos [como forma de não expor crianças a conteúdo que estas podem não compreender]. É uma questão de bom senso e de responsabilidade”, conclui a nota, repudiando “qualquer ato de censura ou tentativa de criminalização da criação, produção e difusão artística”.
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