Associações de procuradores e policiais discordam sobre quem investiga cúpula política da Lava Jato

  • Por Jovem Pan
  • 17/04/2015 16h06
Montagem com: Antonio Cruz e Marcelo Camargo/ Agência Brasil e Frame/Folhapress Eduardo Cunha

Policiais federais e procuradores do Ministério Público (MP) discordam sobre atribuições de investigação, algo sabido desde pelo menos 2013, quando projeto de lei que diminuiria o poder investigatório do MP não foi aprovado. Agora, no que toca a Operação Lava Jato, essa discordância atinge justamente a alta cúpula política investigada nos processos sobre desvios na Petrobras.

São alvos de inquérito judicial estabelecido no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Judiciário no País, por terem foro privilegiado, 40 políticos e operadores dos desvios. Nesta semana, a Polícia Federal ouviria alguns desses investigados da Lava Jato. Mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a suspensão das oitivas, afirmando que essa parte da investigação era de atribuição exclusiva da Procuradoria. O ministro Teori Zavascki aceitou o pedido e a apuração foi paralisada.

Foram ouvidos pela Jovem Pan representantes de associações dos procuradores e de delegados da PF. Ambos negam que a rixa vá atrapalhar as investigações da Lava Jato, mas deixam claras as discordâncias sobre quem deve conduzir a apuração dos inquéritos judiciais impetrados no Supremo.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, disse que o inquérito, por ser judicial, “é exclusivamente do procurador-geral da República”. “O que não pode acontecer é q delegados tenham um cronograma próprio à inteira revelia daquele que é o presidente do inquérito judicial”, disse. Ele afirmou que Rodrigo Janot “ordena” as diligências à Polícia Federal, a qual chamou de “coadjuvante nessa investigação”.

Já o delegado Federal Edson Garutti, da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), entende que quem tem a incumbência de investigar é a polícia. “O MP fiscaliza a atividade da polícia, mas ele não poderia investigar propriamente; o Ministério Público fiscaliza e requisita diligências”, disse. O delegado federal reconhece que o inquérito que está no Supremo não é policial. “Mas pelo regimento interno do STF quem toca esse inquérito do STF é a autoridade policial”, disse, citando om artigo 230-C do regimento.

Confira as entrevistas completas no áudio acima e os principais trechos do que diz cada lado dos atores que, paradoxalmente, conduzem um trabalho conjunto.

ENTREVISTADO 1

Presidente da associação nacional dos procuradores da República, Alexandre Camanho

“Isso não vai prejudicar em nada as investigações. No STF não existe inquérito policial, o inquérito no Supremo é judicial e é conduzido pelo procurador-geral da republica. Então houve uma falta de sincronia em relação à questão das oitivas dos investigados, mas o procurador-geral da República está tomando as providências pra que as coisas corram de acordo com a sua vontade”.

 “(As oitivas) devem ocorrem em breve. Não há nenhum problema. (Por terem sido marcadas na) Semana Santa, isso impossibilitou que alguns investigados fossem ouvidos perante um membro do Ministério Público, que é inclusive um direito que eles têm, à base do argumento que é um inquérito judicial e quem preside é o procurador-geral da República”.

“Nós temos uma investigação da Lava Jato em Curitiba e uma investigação no STF. No âmbito do STF não existe nenhuma investigação da polícia, o inquérito é exclusivamente do procurador-geral, então não tem uma investigação paralela, só existe aquela que é feita pelo procurador-geral da República e os atos devem ser concertados entre o procurador e delegados de polícia. O que não pode acontecer é que delegados tenham um cronograma próprio à inteira revelia daquele que é o presidente do inquérito judicial”.

“Nós não ficamos à espera de uma conclusão da polícia. O procurador-geral ordena as diligências à PF, não existe outra circunstancia se não essa”, disse, enfatizando no “ordena”.

“O desejo do MP é de que essas diligências sejam promovidas em inteira harmonia, agora é preciso entender que na medida em que o próprio Supremo Tribunal declara que a coordenação da investigação é do procurador-geral da República, não deveria existir disputa por parte de um cargo, de um estamento, que é um coadjuvante nessa investigação.

Sobre nota da Polícia Federal: “Há um pouco de confusão, que não é feita pelos procuradores da República, no sentido de que determinadas demandas corporativas dos delegados que estão caminhando no Congresso Nacional tenham alguma repercussão na investigação ou de que existe por parte dos delegados uma ideia de que haja uma lógica de retaliação. Na verdade não existe nada disso. O que acontece é a necessidade e o desejo do ministério público de que isso caminhe de forma inteiramente harmoniosa e eficiente de forma que a gente possa esclarecer os crimes e punir as pessoas responsáveis”.

ENTREVISTADO 2

Delegado Federal Edson Garutti da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF)

“A investigação da Lava Jato tem sido feita com sinergia entre a PF e o MPF, como qualquer outra investigação.  A investigação ocorreu com sinergia até esse momento em que apareceu essa crise esquisita de que a gente tomou conhecimento pela imprensa”.

“Na minha opinião não é um jogo de vaidades propriamente, não é nada de vaidade, é algo que tem a ver com o poder investigatório. Como todos sabem, a polícia defende que quem tem pelo Estado brasileiro a incumbência de investigar os crimes é a polícia. O MP fiscaliza a atividade da polícia, mas ele não poderia investigar propriamente. O ministério Público fiscaliza e requisita diligências. Ok, tudo tranquilo. Essa é a sinergia que ocorre no inquérito policial, que é a investigação criminal. Então não é uma briga de vaidades, é uma briga pelo estado democrático de direito, com a polícia investigando e o MP fiscalizando a polícia, advogado defendendo e o juiz julgando. Agora o que ocorreu, pelo que fiquei sabendo pela imprensa, é um tanto estranho que o  procurador Janot parece ter feito, pedir ao ministro do Supremo para que fossem suspensas as audiências marcadas pela polícia, se dirigir aos intimados dizendo para eles não comparecerem à polícia. Se isso for verdade é uma coisa muito estranha. Eu nunca ouvi falar de algum membro do Ministério Público tomar esse tipo de atitude com em relação a qualquer outro inquérito policial”.

 “A operação Lava Jato de Curitiba não é um inquérito policial, ela é, se não me engano, 120 inquéritos policiais concatenados, mas a parte da operação que foi deslocada para o STF em razão de alguns investigados com foro por prerrogativa de função, essa parte realmente não é um inquérito policial, porque em razão desses investigados terem o foro por prerrogativa no Supremo, o instrumento estatal de apuração é um inquérito do STF, então não é um inquérito da polícia, mas pelo regimento interno do STF* quem toca esse inquérito do STF é a autoridade policial”.

 “A apuração desses investigados é feita pelo STF, realmente não é um inquérito policial, mas é feita pela polícia porque o STF repassa isso para a polícia investigar, e no próprio regimento do STF está falando que instaurado inquérito a autoridade policial fará as diligências necessárias inclusive as inquirições. Não tem problema algum”

“Se o andamento da investigação pode ficar prejudicado? Não sei exatamente. Acredito que não, as duas instituições embora tenham essas divergências de conteúdo em alguns temas elas sempre atuam em sinergia, de forma coordenada, cada um na sua atribuição. O que os delegados de polícia primam é pelo trabalho sério da Polícia Federal. A gente quer fazer conforme diz a lei. Não tem nada além disso”.

 *Artigo 230 C do regimento interno do STF

Art. 230-C¹. Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá em sessenta dias reunir os elementos necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos, apresentando, ao final, peça informativa

Fotos do texto: procurador-geral Rdrigo Janot: (Elza Fiúza/Agência Brasil) e policiais federais: (Marcos Bezerra/Futura Press/Folhapress)

 

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