Ato lembra mortes de 91 policiais no Rio de Janeiro em 2017
Para pedir novas políticas de segurança pública e homenagear os 91 policiais militares mortos no Rio de Janeiro este ano, a ONG Rio de Paz afixou cartazes com o nome deles na mureta da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul da cidade. O ato foi feito na manhã desta terça-feira (25) no local conhecido como Curva do Calombo.
O local é o mesmo onde o médico James Gold foi assassinado a facadas em maio de 2015 e teve a bicicleta roubada. O fundador da ONG, Antônio Carlos Costa, explica que a Curva do Calombo agora representa a violência que atinge toda a população da cidade. “Nesse lugar nós estamos representando um cidadão de classe média, um médico que foi esfaqueado bem aqui, num furto de bicicleta, símbolo portanto da banalização da vida humana. Nós temos crianças pobres vítimas de balas perdidas, que tiveram sua vida interrompida dessa forma tão banal. E agora os policiais. A nossa ideia é manter essas placas aqui na Lagoa enquanto perdurar essa taxa de homicídio doloso absolutamente inaceitável”.
Também foram colocadas placas com o nome de 35 crianças vítimas de bala perdida na cidade, desde 2007, e placas com números oficiais da violência, divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Costa explica que o ato de hoje é para lembrar também que a defesa dos direitos humanos não pode ser seletiva.
“Não pode acontecer de defendermos um conceito de direitos humanos que tem lado. Se nós condenamos violação de direito praticada contra a vida de morador de favela, nós também temos que condenar a violação de direito praticada contra a vida do policial. Os nossos policiais trabalham em condições sub-humanas, são mal remunerados, espera-se deles o impossível, que sozinhos realizem o chamado sonho da pacificação. Nós olhamos para a favela e vemos a presença da polícia militar em algumas comunidades, mas não vemos as demais secretarias de estado”, comparou.
Presente no ato, a cabo da PM Flávia Louzada lembra que, em 10 anos de corporação, nunca tinha visto tantos colegas mortos como em 2017. “O sentimento na tropa toda é: quando será a minha vez? Será que amanhã eu vou ser assassinada? Ou vou receber a notícia de que mais um policial amigo foi assassinado? Eu amo muito ser policial militar, mas hoje em dia ser policial no Rio de Janeiro é carregar um atestado de óbito nas costas. A minha família quer que eu saia da polícia, eu já fiz minha faculdade, minha pós, mas eu estou na polícia porque eu gosto, não por necessidade”.
Ela reclama que a corporação está abandonada pelo governo do estado, com salários sendo pagos com atraso – sem receber nem as horas extras dos Jogos Olímpicos de 2016. Ela também cita a dificuldade enfrentada por viúvas e órfãos para receber a pensão. “Esse abandono se reflete também no número crescente de violência para o cidadão de bem. Como é que eu posso chegar para o cidadão hoje e falar que ele pode andar tranquilamente nas ruas do Rio de Janeiro?. Não tem como, se quem garante a segurança não está sobrevivendo”.
“Enxugar gelo”
O advogado João Tancredo, que representa diversas famílias de vítimas de violência, como no caso do massacre de Realengo, ocorrido em 2011, também tem ajudado familiares de policiais mortos e feridos a conseguirem indenização do estado. Para ele, a atual política de segurança está baseada no confronto e é apenas “uma forma de eliminar pessoas”, sem resolver a violência.
“É uma máquina sangrenta de enxugar gelo. No dia que você prende um garoto com alguma quantidade de maconha termina o tráfico? Não. Algum dia que morreu algum bandido, diminuiu o roubo? Não, não diminuiu. Quando morre um policial, piorou a segurança? Não, a segurança é ruim e o tráfico continua. Então, a gente tem que achar outra forma, que não é a do confronto. A gente já viu que isso é um equívoco e leva à morte. Não importa de quem, vida de qualquer pessoa, de policial, de bandido, de inocente, é vida e tem que ser preservada em primeiro lugar”.
Para Costa, os policiais não têm condições mínimas de trabalho e a própria sociedade os empurra para o confronto que leva a tantas mortes. “Esses policiais foram levados para trabalhar dentro de contêineres, isolados, alvos fácies de bandidos e muitos tiveram a sua vida interrompida dessa forma absolutamente inaceitável, desnecessária. Setores inteiros da sociedade civil do Rio de Janeiro empurram a polícia para o confronto, esperando que ela cumpra esse papel que só tem representado morte de policial e morte de morador. Algo precisa ser revisto, toda uma mentalidade e cultura de segurança pública”.
Em entrevista à Agência Brasil, a pesquisadora da Diretoria de Análise de Pesquisas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV) Maria Isabel Couto, disse que o Rio de Janeiro não conta, atualmente, com uma política para a área de segurança, depois que os últimos projetos perderam efetividade. “Nos últimos meses e talvez anos, a gente viu a política que estava colocada ruir, de certa forma. A da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] e do sistema Integrado de Metas, que é menos falado, mas era uma política muito importante. No vácuo dessas políticas, que ainda existem nominalmente, mas estão à deriva, a gente não vê surgir nenhuma alternativa a elas, nem um esforço concreto de revitalização delas”, aponta.
Ela cita também a necessidade de mudar a estratégia de combate às drogas e de implantar políticas sociais que ouçam a população. “Fazer políticas sociais sem ouvir o que eles querem, sem ouvir a opinião deles, é fazer políticas que muito provavelmente não se sustentarão no tempo. A gente teve um projeto que pensava a segurança pública sobre todos esses eixos, o Pronasci [Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania], que foi muito inovador e elogiado no mundo todo. Alcançou muitos resultados, tinha os territórios da paz, onde a população ajudava o poder público a pensar quais eram as medidas a serem adotadas ali. Isso acabou, poderia ser retomado”.
Integração
Na semana passada, o governo federal anunciou o envio de reforços para a segurança no Rio de Janeiro, com 620 agentes da Força Nacional e 260 da Polícia Rodoviária Federal. O consultor na área de segurança pública Paulo Storani, veterano da Polícia Militar do Rio de Janeiro e do Batalhão de Operações Especiais da corporação (Bope), sugere que as instituições aumentem a integração para combater a violência.
“Que as instituições federais cuidem das nossas fronteiras secas e molhadas, que o Ministério das Relações Exteriores faça uma ação junto aos governos de onde as armas e drogas saem e vem para o Brasil, não só os fronteiriços como os além mar, como os Estados Unidos. Mas é uma ação que começa com o governo federal cuidando do território brasileiro, e uma ação que promova uma integração entre essas instituições federais e as estaduais, principalmente nas rotas”.
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