Bloqueio do ‘gatonet’ afeta até 7 milhões de aparelhos clandestinos em todo o Brasil; veja como vai funcionar

Anatel afirma que consumidores que optam por TV a cabo pirata estão expostos a roubo de dados pessoais e invasão de rede de internet domiciliar; ação será gradual e motivada por denúncias

  • Por Lucas Lima
  • 04/03/2023 07h00
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ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO - 10/02/2023 TV Box, controle remoto de TV e imagem de pirata na tela Anatel estima que cerca de R$ 20 milhões de pessoas ficarão sem canais piratas após o bloqueio

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciou o bloqueio de dispositivos clandestinos usados para receber ilegalmente o sinal de televisão por assinatura e serviços de streaming. Anunciado em fevereiro, o Plano de Combate ao Uso de Decodificadores Clandestinos de TV por Assinatura criado pela agência visa uma ofensiva contra as TV boxes, conhecidas popularmente como “gatonet”. A ação será feita de forma gradual e afetará entre 5 milhões e 7 milhões de dispositivos ilegais — e cerca de 20 milhões de pessoas, segundo os cálculos da agência. Essas caixinhas piratas oferecem serviço de televisão por assinatura sem necessidade de o usuário pagar um valor periódico para um provedor de conteúdo. Para o funcionamento, os dispositivos usam a internet para receber o sinal da TV, por meio de um servidor central que “quebra” os códigos dos canais pagos, e o transmite para os aparelhos clandestinos, que também fornece acesso a serviços de streaming. Os dispositivos, que não precisam de assinatura, são comercializados livremente na internet e em centros de comércio popular e custam em média R$ 400. Já os aparelhos homologados pela agência, oferecidos por empresas como Google e Amazon, permitem espelhar o sinal do celular na televisão. No entanto, para isso, o usuário precisa ter um aplicativo e uma assinatura legal.

O bloqueio promovido pela agência reguladora vai atingir os servidores centrais que levam os sinais ilegais para a TV box. Ou seja, será uma ação remota, sem visitas às casas de quem compra os aparelhos clandestinos, e iniciada após denúncias — nos canais da agência ou por carta endereçada à sede — ou com a identificação de um servidor que oferece conteúdo vindo de aparelhos não homologados. “O objetivo é bloquear o acesso a servidores de conteúdo e aos servidores de chaves de criptografia, que são as chaves de segurança do conteúdo. Esses provedores clandestinos fornecem uma chave sobre a qual não têm direito. Eles conseguem tirar a segurança dessa chave e mandar para usuários clandestinos. A gente quer bloquear o acesso ao servidor”, destacou Hermano Tercius, superintendente de fiscalização da Anatel.

O principal motivo para o bloqueio do “gatonet”, segundo a Anatel, é o risco que oferece à rede de computadores e até mesmo aos usuários. Estudos de engenharia reversa da agência, realizados entre maio de 2021 e dezembro de 2022, constataram a presença de um software malicioso capaz de permitir que criminosos assumam o controle do TV box para a captura de dados e informações dos usuários, como registros financeiros ou arquivos e fotos que estejam armazenados em dispositivos que compartilhem a mesma rede. “Quem coloca uma caixinha dessa, coloca um inimigo dentro de casa. Ele [o invasor] tem a capacidade de roubar as informações de toda sua rede de comunicação. Se você conecta o aparelho clandestino no wi-fi, depois conecta seu celular, ele tem a capacidade de roubar seus dados. Se entra no home banking, ele vê sua senha. Tudo o que você fizer no celular, uma pessoa poderá estar olhando. E o tablet do seu filho, o videogame do seu sobrinho… Tudo o que estiver naquela rede”, explicou o presidente da Anatel, Carlos Baigorri.

Outra grande preocupação são os ataques DDoS (ataques de negação de serviço). Trata-se de uma operação remota de aplicativos instalados, com riscos a instituições públicas e privadas que utilizam redes de telecomunicações. “Você está dormindo, mas um cara lá fora liga [o aparelho] e consegue dar comandos. O que é o DDoS? É como se juntasse 5 milhões de pessoas e fosse todo mundo na Caixa Econômica Federal. Ninguém que quiser legitimamente entrar na Caixa vai conseguir porque vão ter 5 milhões de pessoas na porta. Então, um agente externo conseguiria comandar um exército de milhões de máquinas dentro do nosso país, atacando sistemas de governo e a infraestrutura nacional. Essa situação representa um risco cibernético à nossa soberania”, acrescentou Baigorri.

As caixinhas piratas podem ser identificadas por não terem um selo da Anatel — ou por terem o selo adulterado. Também há meios de identificar se o usuário não paga por um serviço de streaming ou de TV fechada, mas recebe o sinal mesmo assim. O uso de um aparelho clandestino pode gerar uma penalização criminal, já que a atividade é ilegal. Quem fornece ou compra esse tipo de serviço pode cometer cinco tipos de crimes, de acordo com a Lei Geral das Telecomunicações: 1) utilização de equipamento não homologado; 2) clandestinidade de telecomunicações (prestar um serviço ao qual não está autorizado); 3) uso indevido de TV por assinaturas; 4) prejuízo à ordem econômica, pois os provedores clandestinos não arcam com os custos necessários; 5) risco à segurança cibernética.

A ideia, no entanto, é focar mais no fornecedor do que em quem compra os aparelhos piratas. Estes, diz a Anatel, serão submetidos a constrangimentos para que abandonem a prática voluntariamente. “Quando o consumidor perceber que aquela caixinha em que ele pagou 400 contos não abre sinal de nada, ele vai parar de comprar, vai jogar fora. Nossa expectativa é que, inviabilizando o uso, o próprio consumidor perceba que é uma furada. É um grande desafio, principalmente quando se pensa em eventos ao vivo. Você chama seus familiares ou seus ‘brothers’ para ver um jogo de futebol. Você tem a caixinha, e lá tem o pay-per-view, mas chega lá e não funciona. É esse tipo de constrangimento que a gente quer causar”, explicou Baigorri.

‘Foi bom enquanto durou’

O principal atrativo do “gatonet” é a ausência de mensalidades. O consumidor paga R$ 400 pelo aparelho e tem à disposição na sua TV centenas de canais dos mais variados segmentos. Até o pay-per-view é liberado. “Compensa muito. Mesmo que [o sinal] caia dentro de três meses, o custo final fica em torno de R$ 100 por mês, um pouco mais que isso. Aqui em casa ainda está funcionando, mas, quando acabar, vou poder dizer: ‘Foi bom enquanto durou’. Não me arrependo de ter comprado, mesmo sabendo que é um produto pirata. Uma assinatura de TV a cabo custa em média R$ 200 por mês”, ponderou a enfermeira Larissa Gonzaga, que costuma assistir aos jogos do Corinthians com o marido. “Ele nem vai mais ao estádio, todos os jogos passam na TV.”

Entre aqueles que tiveram o sinal cortado, o sentimento é de revolta, mesmo se tratando de um serviço pirata. Inclusive, há quem reclame com a própria Anatel. “Já tem usuário reclamando na Anatel que o TV Box dele parou de funcionar. As pessoas estão ligando para nós para reclamar de algo que a gente fez de propósito”, espantou-se o presidente da agência.

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