Brumadinho: os humanos de uma tragédia

  • Por Victoria Abel, de Brumadinho (MG)
  • 28/01/2019 13h42 - Atualizado em 03/02/2019 13h48
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Victoria Abel/Jovem Pan O pedreiro Abelo Gomes perdeu tudo na tragédia em Brumadinho (MG)

Mais de 40 quilômetros percorridos por lama e restos de minérios. O rio Paraopeba desconheceu na sexta-feira, dia 25 de janeiro, sua cor esverdeada e sua vida. Quase 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos se espalharam ao longo do afluente do rio São Francisco após o rompimento da barragem B1 da empresa mineradora Vale. No entanto, o rio não foi o único atingido pelo mar de lama de rejeitos, casas foram atingidas e centenas de pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas.

No Parque das Cachoeiras, o morador da comunidade e motorista aposentado Eusébio Francisco Pedrosa estava almoçando dentro de casa quando recebeu a ligação de um vizinho que trabalha na Vale, dando a notícia do rompimento. Ele conseguiu tirar a família de dentro do local, mas seu pertences ficaram e a casa foi completamente destruída. “Estava eu, minha esposa, a sobrinha dela, tirei elas de lá e levei para um lugar mais alto. Quando eu voltei, estava pronta a tragédia.”

O pedreiro Abelo Gomes possuía uma pequena chácara no bairro, onde morava com a esposa, filhos, criava galinhas e tinha plantações de mexerica, acerola e abacate. Tudo, incluindo seu carro e ferramentas de trabalho, está perdido embaixo da lama de rejeitos. Ele conta que em nenhum momento foi avisado do rompimento. “A notícia veio com os estalos. Achei até que era caminhão de pedra que vinha. Quando olhei para cima, vi as árvores quebrando e a lama correndo. Conseguimos tirar os meninos de casa, o resto ficou para trás.”

No posto de saúde da comunidade e em casas vizinhas, parte dos desabrigados se reuniram e a própria população menos atingida do bairro se voluntariou para ajudar no preparo de comida e procura por produtos de higiene. A vendedora Katia de Oliveira foi uma das que não perdeu a casa e contou sobre a união de moradores para o voluntariado. “Nós é que nos juntamos. O vizinho emprestou a casa, arrumamos fogão e botijão, recebemos doações de mantimentos. Nós estamos fazendo tudo.”

O Parque das Cachoeiras foi o segunda comunidade mais atingida depois de Córrego do Feijão, que estava logo abaixo da barragem rompida. A Defesa Civil ainda não estima um número de casas ou de pessoas desabrigadas na comunidade, mas no total, a cidade de Brumadinho conta com mais de 200 pessoas que estão sem moradia, segundo dados oficiais.

O primeiro local atingido pelo mar de lama foi a cidade administrativa da Vale, logo abaixo da Mina do Feijão, onde centenas de funcionários da companhia trabalhavam e almoçavam. Desde o dia da tragédia, familiares de trabalhadores da Vale ou terceirizados desaparecidos que buscam por esclarecimentos se dirigem a chamado Estação Conhecimento, um complexo esportivo da empresa Vale que fica dentro dos limites da UPA da cidade.

Um relato em comum entre todos era o desencontro de informações e a constante procura por notícias dos parentes. A auxiliar administrativa Shirley Aparecida dos Santos conta que seu marido Josué Oliveira estava trabalhando para uma terceirizada da Vale, na função de soldador, e que até agora está sem notícias. “O que a gente quer é informação. Cada a Vale para informar quem realmente estava lá dentro.”

Na tarde do domingo, dia 27 de janeiro, um grupo de familiares se reuniu em protesto em frente ao gabinete de crise instalado na Faculdade ASA para reivindicar respostas. Paula Amelia de Carvalho era uma das protestantes e está com seu irmão desaparecido. Ela quer um posicionamento das autoridades. “Eu quero falar com o responsável, quem for. Não temos informação de nada. Eles estão preparados para não dar informação para gente.”

Familiares esperam por respostas, desabrigados por suas casas, enquanto o rio Paraopeba espera o tempo passar para ter de volta sua cor e vida. Todos humanos de uma tragédia. Mas o rio doce já avisa que a espera é longa e tão breve continua assistindo ao desespero dos que estão em volta.

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