CNJ proíbe manifestações políticas de juízes nas redes

  • Por Estadão Conteúdo
  • 16/06/2018 11h32
Roberto Jayme/ASICS/TSE Roberto Jayme/ASICS/TSE Decisão assinada pelo ministro João Otávio Noronha provocou reação de entidades da magistratura
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu magistrados de fazer ataques pessoais a candidatos, lideranças políticas ou partidos “com a finalidade de descredenciá-los perante a opinião pública, em razão de ideias ou ideologias de que discorde” nas redes sociais. A decisão assinada pelo corregedor do CNJ e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, provocou reação de entidades da magistratura.

Quatro delas condenaram o provimento do corregedor – a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes para Democracia (AJD) e a União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf) – e uma informou que vai pedir esclarecimentos: Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Além de apontar censura aos magistrados, as associações consideram que o texto do CNJ pode permitir perseguições políticas a juízes.

“A liberdade de expressão dos juízes e juízas deve ser garantida para que o sistema jurídico funcione de modo adequado no Estado democrático”, disse a juíza Laura Rodrigues Benda, da AJD. Para a ela, a resolução pode servir de instrumento de controle ideológico de magistrados. Posição semelhante é do juiz federal Eduardo Cubas, da Unajuf. “Não tenho a menor dúvida de que o provimento constitui uma censura aos magistrados.”

A decisão do CNJ acontece depois de o órgão receber representações contra magistrados sobre manifestações em redes sociais. Esse foi o caso que envolveu a desembargadora Marília Castro Neves. Em março, após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio, ela postou no Facebook notícia falsa que vinculava a vítima ao crime organizado. Antes, publicara comentários contra uma professora com síndrome de Down.

“Isso vem crescendo muito na magistratura. Esse tipo de comportamento está começando a se exagerar. Você não deve confiar num juiz que está escrevendo bobagem em rede social. Juiz tem de ter credibilidade”, disse o ministro Noronha.

Para o futuro corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do STJ, a norma reproduz o que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) já dispõe. “Não há inovação na ordem jurídica.” O conselheiro Henrique Ávila, do CNJ, concorda e acredita que o texto só detalha e reproduz, na linguagem e “no estágio tecnológico atuais”, o que já está previsto na Constituição e na Loman. “Não haverá qualquer dificuldade de aplicação, pois a esmagadora maioria dos magistrados observa seus deveres sem necessidade de lembretes, mas o provimento foi necessário porque aqui e ali se tem visto abusos em manifestações públicas e até políticas de magistrados.”

Para dois conselheiros do CNJ ouvidos reservadamente, o provimento dá “um rumo à falta de regulamentação do tema”. “O magistrado não é um cidadão igual ao outros”, disse um conselheiro. “Não cabe, portanto, proselitismo político.”

O assunto dividiu, no entanto, ministros de tribunais superiores Para um deles, o provimento “chega tarde” e juiz “não é analista político nem comentarista esportivo, tampouco pode ser visto como porta-voz de grupos ideológicos”. Um segundo ministro achou “desnecessário o provimento, completamente fora de hora e considerou ruim a edição do texto de forma monocrática”. Um terceiro considerou “adequada” a medida. Para o presidente da seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Marcos da Costa, “todos devem cumprir a lei, inclusive os ministros do STF”.

São Paulo. Parte dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) defendeu a medida. “Não se pode tirar foto com político depois de ele ter sua prisão decretada, como uma colega fez”, afirmou o desembargador Damião Cogan, que apoia o provimento do CNJ. Ele se refere à desembargador Kenarik Boujikian, que se manifestou no Facebook a favor da concessão do habeas corpus no STF ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato.

A desembargadora Ivana Davi disse que as redes sociais trazem uma realidade nova, mas os magistrados devem a cumprir a lei. “É preciso bom senso.” Outros desembargadores também se manifestaram no Facebook sobre Lula. Ivan Sartori escreveu: “Como magistrado, suplico aos ministros do STF que rechacem o habeas corpus de Lula”. Amaro Thomé afirmou: “Militontos querem fazer missa para incluir pinga e torresmo no cardápio de presídio em Curitiba.”

O Estado procurou Thomé, Sartori e Kenarik. Só Amaro respondeu, afirmando apoiar o provimento do CNJ. Também procurou Marília, mas não a achou.

Marco Aurélio: ato ressoa como censura
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a medida pode “ressoar como censura”.

“Não é uma crítica direta ao Conselho, mas, na minha visão, o controle nesse caso é sempre posterior, senão ressoa como censura prévia”, disse o ministro, referindo-se às normas para o uso de redes sociais por juízes e desembargadores. “(É) Inconcebível, com os ares democráticos da Carta de 1988, se ter uma espécie de censura dirigida ao ‘Estado juiz’ (Judiciário) por um órgão administrativo.”

Ele disse que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional já orienta juízes sobre posicionamentos públicos. Na visão do ministro, cabe ao CNJ o controle administrativo posterior das condutas e manifestações dos magistrados que sejam supostamente irregulares

A presidente do STF e do CNJ, ministra Cármen Lúcia, disse que não se manifestaria, mas ressaltou que o texto é do corregedor nacional de Justiça.

Para o ex-ministro Carlos Velloso, o lugar de fala dos juízes é nos autos. “O certo é que o juiz fale nos autos e não publicamente a respeito de casos que estão sendo julgados. Isso cabe aos políticos”.

O também ex-ministro Sydney Sanches disse que “o STF tem de dizer se o direito à liberdade de expressão que está na Constituição se aplica aos magistrados em qualquer circunstância”. “Se ela se aplica, cabe perguntar se existem limites?”

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